Acórdão nº 325/19.1BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-03-14

Ano2024
Número Acordão325/19.1BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO


A REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S… – S… RESÍDUOS, S.A. contra as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2014 a 2017, no montante global de EUR. 486.922,25, alegando para tanto, conclusivamente:
«

A. As formalidades inerentes à emissão das faturas, estabelecidas no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, são formalidades ad substantiam para efeitos do exercício do direito à dedução previsto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA.

B. As exigências legais relativas à emissão de faturas, têm por objetivo combater a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, apresentando-se a fatura como um elemento essencial para a Administração Tributária, uma vez que constitui o documento demonstrativo das operações económicas sobre que incide o imposto.

C. Por este motivo, para que a fatura seja válida para efeitos de IVA, deverá identificar do modo mais completo possível, o comprador e vendedor, a qualidade/tipo e a quantidade de serviços prestados, o preço aplicável ao serviço devidamente individualizado, a respetiva data de transação, ou seja, deve conter os elementos relevantes que permitam identificar a operação por forma a que possa avaliar-se a incidência objetiva e subjetiva, taxa, cobrança, reembolsos, etc.

D. Razão pela qual a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem defendido de forma reiterada, que, no âmbito do exercício do direito à dedução do IVA, as formalidades respeitantes às facturas revestem natureza ad substantiam e não meramente ad probationem, pelo que a sua falta, nos termos conjugados do artigo 364º, n.º 1 do Código Civil e artigo 19.º n.ºs 2, alínea a) e 6, do Código do IVA, não poderá ser substituída por outros meios de prova, testemunhal ou documental independentemente da realidade das operações subjacentes.

E. Será pacífico o entendimento de que o direito à dedução é um elemento fundamental do regime de IVA, e que, nessa medida, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela Diretiva n.º 2006/112 (IVA).

F. Mas também se reconhece que o legislador nacional soube transpor os princípios e normas inerentes à Diretiva para o Código do IVA, e em especial para os seus artigos 19.º, 20.º e 36.º.

G. E que a jurisprudência nacional tem sabido aplicar esses preceitos legais, não se vislumbrando atualmente nenhum argumento decisivo para que se passe a entender que as formalidades das faturas constituem uma mera natureza ad probationem, ainda mais quando se assume o papel primordial do combate à fraude e evasão fiscal, cujo IVA é normalmente um alvo preferencial.

H. Mas, admitindo que tais insuficiências das faturas podem ser colmatadas por outros documentos, na esteira da jurisprudência emanada pelo Tribunal de Justiça e citada no aresto recorrido, nomeadamente o Acórdão de 15/09/16, proferido no processo nº C-518/16 (Acórdão Barlis), isso não significa que aqueles elementos se poderão substituir às faturas, mas sim que poderão complementar as mesmas.

I. Assim, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, esses elementos complementares terão de resultar inequivocamente da fatura, ou seja, esta terá forçosamente de remeter para outro documento que contenha a informação necessária à fiscalização do imposto (vide v.g. o Acórdão do TCA Norte, proc. 00821/14.7BEPRT, de 23-04-2020, citado igualmente no aresto recorrido).

J. Sem conceder, dir-se-á que ainda que tal entendimento não fosse atendível, ou seja, que não seria necessária essa remissão, sempre teria de resultar expressa e inequivocamente desses documentos adicionais que os mesmos são efetivamente relativos às faturas, o que in casu não se vislumbra ter acontecido.

K. Doutra forma, está claramente condicionado o objetivo do disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA e do artigo 226.º da Diretiva IVA.

L. Pois de acordo com o entendimento ora perfilhado pelo Tribunal a quo, será ora concedida aos Sujeitos Passivos a faculdade de, num plano muito posterior à fiscalização, recolher ou até elaborar outros elementos, inclusivamente testemunhais, por forma a colmatar as falhas das suas faturas.

M. O que, naturalmente, não se compagina com o objetivo estabelecido com as referidas normas, ou seja, a fiscalização com vista ao cumprimento do princípio da neutralidade fiscal e ao combate à fraude e a evasão fiscal.

N. Ora, nos presentes autos, e no que diz respeito às correções mencionadas no ponto III.2.1.1 do RIT, estamos perante faturas com uma designação genérica - “Serviço de Assistência” – nas quais inexiste qualquer remissão para um contrato ou outro documento que permita a identificação dos serviços efetivamente prestados.

O. Entende-se, por isso, que a Impugnante não poderia recorrer a prova testemunhal ou a elementos não mencionados nas faturas para colmatar as falhas destes documentos – a falta dos requisitos estabelecidos no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.

P. De igual modo, e sem conceder, dir-se-á que os documentos apresentados não permitiam igualmente chegar às conclusões do Tribunal a quo, na medida em que tais documentos não mencionam especificamente as faturas, apenas se relacionando com estas nos respetivos valores (valor dos recibos de vencimento é aparentemente coincidente com o valor das faturas).

Q. Até porque, não existindo essa remissão ou menção expressa (quer nas faturas, quer nos documentos complementares), e atento o caráter manifestamente genérico da descrição das faturas (“Serviço de Assistência”), certamente vários documentos na contabilidade da Impugnante poderiam ser considerados aptos a complementar o descritivo das faturas, apesar de não se encontrarem relacionados com estas.

R. De igual modo, as faturas relacionadas com as correções mencionadas ponto III.2.1.2 do relatório de inspeção tributária não fazem qualquer referência a um contrato ou outro documento que permita colmatar as falhas detetadas.

S. Entendendo que as formalidades previstas no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA são uma formalidade ad substantiam, e atenta a manifesta ausência dos elementos constantes da alínea b) do referido artigo, será seguro afirmar que não seria possível deduzir o IVA das faturas emitidas a título de comissões de serviços, nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do CIVA.

T. No que diz respeito às correções mencionadas no ponto III.2.1.3 do relatório de inspeção tributária, verifica-se que a AT, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, efetuou a análise devida às faturas e demais documentos apresentados pela Impugnante, tendo concluído igualmente que tais elementos não colmatavam as falhas das faturas.

U. Acresce que, em sede do direito de audição, a Impugnante veio alegar que “por referência às faturas número 17/011130; 17/01742 e 17/02204, a Requerente encontra-se a localizar os documentos de suporte a estas faturas, as quais disponibilizará com a maior brevidade possível”.

V. No entanto, conforme referido no procedimento inspetivo, tais documentos, alegadamente respeitantes às faturas identificadas pela Impugnante, não foram entregues aos Serviços de Inspeção Tributária, pelo ficou afastada a possibilidade de obter informações complementares sobre os serviços identificados nas faturas.

W. Como tal, será inequívoco considerar que bem andaram os Serviços de Inspeção quando desconsideraram o IVA relativo a estas faturas, pela falta dos requisitos estabelecidos no artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do CIVA.

Y. Pois, ao contrário do que alegou a Impugnante e do que parece emergir da sentença recorrida, também as prestações de serviços são passíveis de discriminação e quantificação, independentemente da incorporação de bens nessa prestação (a qual deverá igualmente ser objeto de discriminação e quantificação), sendo que tais elementos deverão obrigatoriamente constar das faturas, nos termos do artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do CIVA.

Z. No que concerne às correções mencionadas no ponto III.2.1.3.1 do relatório de inspeção tributária, entende-se que a remissão operada na fatura emitida pela E… – T… Ambiente, S.A, para o “Projeto E…”, não colmatou, minimamente, a falta das formalidades previstas no artigo 36.º, n.º 5, alínea a) do CIVA.

AA. Assim, mal andou o Tribunal a quo quando entendeu que “da articulação entre as faturas em análise e a respetiva documentação de suporte, poderia a Administração Tributária perceber a natureza das transações faturadas sem com isso beliscar o controlo da exata cobrança e respetiva fiscalização do apuramento do imposto e subsequente direito à dedução do mesmo”.

AB. Entende-se, por isso, que o Tribunal
a quo fez uma errada apreciação dos factos relativos às correções identificadas nos pontos anteriores, e, principalmente, uma errada apreciação das normas que lhes são aplicáveis, em concreto os artigos 36.º, n.º 5, 19.º e 20.º do Código do IVA.

AC. A Impugnante, para desenvolver a sua atividade necessita de diferenciadas unidades de tratamento de resíduos, as quais, no seu conjunto, constituem a sua unidade industrial.

AD. Cada uma dessas unidades, é certo, possui componentes fixas e móveis, mas essa distinção não será suficiente para avaliar se os mesmos integram ou estão ligados materialmente ao bem imóvel com caráter de permanência.

AE. Visto que, atenta a especificada de atividade da Impugnante, um equipamento classificado como equipamento básico, poderá afinal vir a revelar-se uma componente integrante da unidade industrial (dos edifícios que o constituem), pois estão para estes imóveis como, por exemplo, estão as caixilharias de alumínio para um imóvel de habitação.

AF. Quer isto dizer que, caso se dissocie estes componentes móveis da unidade industrial da...

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