Acórdão nº 3245/21.6T8LRA-C.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-09-13

Data de Julgamento13 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão3245/21.6T8LRA-C.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Apelação n.º 3245/21.6T8LRA-C. C1

Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 1

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Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

Nos autos de processo especial de revitalização relativo à empresa M..., Lda., por decisão de 12.05.2022, a Sra. Juíza, com os fundamentos que nela constam, decidiu recusar a homologação do plano de revitalização apresentada nos autos pela devedora.

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Inconformada, a devedora M..., Lda. interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:”
1. A douta sentença viola o disposto nos artigos 17.º-A, 17.º- F, 47.º, n.º 4, alínea a), artigos 194.° a 197.º, todos do CIRE.
2. O plano não viola o princípio da igualdade.
3. O plano contém justificações objetivas e fundadas que legitimam e justificam a diferença de tratamento entre os credores comuns, designadamente entre os credores cujos créditos decorrem de contratos de locação financeira e dos demais credores comuns.
4. Conforme consta da lista de credores, são dois os credores comuns cujos créditos têm origem em contratos de locação financeira, a saber: Banco Santander Totta, S.A. e Grenke Renting, S.A. Contratos esses que estão refletidos nos documentos contabilísticos da Devedora, nomeadamente declarações fiscais juntas com o requerimento inicial, bem como nos documentos anexos ao plano de revitalização.
5. O contrato de locação financeira celebrado com o Banco Santander Totta, S.A. tem como objeto uma máquina industrial, fornecida pela MM... S.A. Por sua vez, o contrato de locação financeira celebrado com o credor Grenke Renting, S.A. versa sobre um computador ..., com o número de série ...43, utilizado para controlar os equipamentos da linha de produção. Vide reclamação de créditos apresentada por este credor.
6. Em ambos os casos, estamos perante bens que são absolutamente essenciais para assegurar a continuidade da normal atividade da Devedora.
7. O perdão de dívida a estes credores levaria à resolução dos contratos de locação, o que implicaria a perda do valor das rendas já pagas e a devolução dos bens, já que a propriedade dos mesmos é dos respetivos credores.
8. A resolução dos contratos implicaria um avultado prejuízo para a Apelante e a impossibilidade de manutenção da sua atividade, o que causaria a sua insolvência, pelo que todos os credores seriam prejudicados.
9. O principal foco do Processo Especial de Revitalização é a recuperação da empresa. Sendo que a única forma de revitalizar a empresa é assegurar o exercício da sua atividade, para o que será necessário o cumprimento dos contratos de locação, conforme exposto.
10. Pela sua natureza e origem, os créditos provenientes de contratos de locação devem receber o tratamento diferenciado proposto, visto serem referentes a bens essenciais ao exercício da atividade da Apelante.
11. O princípio da igualdade não impõe uma igualdade absoluta dos credores, procurando antes acautelar a necessidade de tratar de forma igual o que é igual e de forma distinta o que é diferente.
12. O princípio da igualdade de credores, aplicável ao processo especial de revitalização, por aplicação do disposto nos artigos 215.° e 216.°, ex vi artigo 17.º-F, n.º 7, todos do CIRE, configurando-se como uma regra não negligenciável aplicável ao conteúdo do plano de recuperação, admite algumas exceções.
13. Por um lado, é permitida uma desigualdade de credores justificadas por razões objetivas.
14. Os créditos vincendos decorrentes de contratos de locação dispõem de um tratamento diferenciado atendendo que a propriedade dos bens é dos respetivos credores, devendo os contratos ser integralmente cumpridos para que a Devedora possa manter o gozo dos bens em causa (eventualmente vir a adquirir a propriedade dos mesmos) e assim continuar com a sua normal atividade.
15. Tal tratamento diferenciado aplica-se única e exclusivamente a créditos vincendos decorrentes de contratos de locação e vai ao encontro o disposto na lei, uma vez que nenhum Plano de Recuperação pode afetar contratos bilaterais sem consentimento do locador, conforme dispõe o artigo 437.° do Código Civil, e em conformidade com a jurisprudência superior.
16. O tratamento diferenciado destes credores (cujos créditos emergem de contratos de leasing) face aos demais credores comuns resulta ainda do escopo prosseguido por aqueles e bem assim da natureza dos respetivos créditos.
17. Resulta do plano apresentado nestes autos que, os credores da revitalização são tratados de forma igual, mas segundo a qualidade dos seus créditos.
18. Os credores e também o Ilustre Administrador Judicial Provisório que estudou e analisou de forma competente as condições de viabilização económico financeira da atividade empresarial da Apelante, concordaram com a projetada reestruturação financeira desta e, muito acertadamente, respeitaram o objetivo do legislador com a reforma e lançamento de um novo paradigma para a recuperação das empresas em dificuldade.
19. Nenhum credor está melhor na liquidação do que na via do plano apresentado e aprovado e que deveria ter sido já homologado”.

Concluiu no sentido de a sentença dever ser revogada e homologado o plano de revitalização.

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Não foi oferecida resposta.

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Dispensados os vistos, foi realizada conferência, e obtidos os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

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II-Objeto do recurso

Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (art. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

No caso, perante as conclusões apresentadas, a única questão a decidir é a de saber se a sentença deve ser revogada por o plano de revitalização apresentado não violar o princípio da igualdade dos credores, justificando-se o tratamento diferenciado dos credores comuns cujos créditos têm origem em contratos de locação financeira relativamente aos demais credores comuns.

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III-Fundamentação

Com vista à incursão na questão objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada.
1. Por requerimento apresentado em juízo a 14-09-2021 a aqui Devedora apresentou-se a processo especial de revitalização.
2. Da lista provisória de credores constam créditos reconhecidos no valor global de € 4.039.763,82.
3. O plano de revitalização foi aprovado pela maioria dos credores.
4. Do plano de revitalização apresentado pela devedora, e cujo respetivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta, para além do mais, o seguinte:

(…) A revitalizanda apresenta um desequilíbrio financeiro, provocado por diversos fatores, entre os quais a crise do setor automóvel verificada no ano de 2018, bem como mais recentemente o aumento dos custos das matérias primas e a diminuição do volume de negócio intimamente relacionados com a crise pandémica que assolou o mundo.

A redução das receitas não pode ser compensada com o recurso a crédito imediato, em virtude da generalizada restrição da concessão de crédito por parte da banca (…).

Não obstante o exposto, face à atual carteira de encomendas, a empresa encontra-se empenhada em chegar a mercados que garantam um volume de negócio que complemente a redução da procura, que grande parte da mesma resulta da atividade de várias industrias entre as quais: aeronáutica, agrícola/irrigação, automóvel, eletrónica/telecomunicações, embalagem, houseware; informática e utilidades domésticas.

Dado o firme propósito da gerência da sociedade, por acreditarem que a empresa é viável e depois de consultados os principais credores e parceiros de negócio, foi tomada a decisão de avançar para um Processo Especial de Revitalização.

(…)

Instalações

A Revitalizanda é detentora de um imóvel urbano, no qual desenvolve a sua atividade

Equipamentos de transporte

A devedora tem registado um seu nome um veículo automóvel de mercadorias, marca ..., com a matrícula ..-MN-..

Equipamento afeto à atividade operacional da empresa

A M..., Lda. possui um lote de máquinas de uso específico, afetas à atividade operacional da sociedade devedora.

Situação dos trabalhadores

Atualmente a empresa tem ao seu serviço 7 colaboradores e 1 gerente (…)

(…)

Preceitos Legais Derrogados Princípio da igualdade

A Créditos Comuns: Contratos de Locação Financeira

É proposta ainda uma material diferenciação no que respeita à regularização de dívida do crédito decorrente do contrato de locação financeira respeitante ao credor Banco Santander Totta, S.A..

O tratamento diferenciado é justificado atendendo ao facto da propriedade do bem objeto do contrato de locação financeira ser do referido credor, devendo o respetivo contrato ser integralmente cumprido para que a devedora possa manter o gozo do bem em causa (eventualidade de vir a adquirir a propriedade do mesmo) e assim continuar a sua normal atividade.

Deste modo, tal tratamento diferenciado aplica-se única e exclusivamente a créditos decorrentes de contratos de locação financeira, sendo os demais créditos comuns tratados de igual forma (…)

Regularização do passivo

- Instituto da Segurança Social, IP

Regularização da dívida reconhecida à Segurança Social, I.P., através de acordo de pagamento em 60 prestações mensais, em sede de execução fiscal

Aplicação da taxa de juro legal às dívidas do Estado e demais entes públicos; Não haverá lugar a qualquer moratória

(…)

- Autoridade Tributária e Aduaneira (Fazenda Nacional)

Pagamento em regime prestacional, nos termos do artigo 196.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário

(…)

- IAPMEI

Capitalização de juros e demais encargos vencidos e vincendos...

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