Acórdão nº 3185/12.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-04-07

Data de Julgamento07 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão3185/12.0BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 3185/12.0BELRS

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por O…, SGPS, SA, contra o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto do Selo referente ao ano de 2008.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«II – Conclusões:
A. O cerne da questão aqui em causa prende-se com a qualificação como "Operação financeira" e daí estar sujeita a tributação por cair na previsão da norma constante da verba n.º 17.1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo da operação através da qual foi acordado o deferimento do pagamento do preço por parte da sociedade F…, SGPS, SA à O…, SGPS, a impugnante nos presentes autos.
B. Na sentença, entre os factos dados como provados, para o que aqui nos interessa, destacamos os seguintes:
C. Na origem de toda a situação aqui em análise está um contrato celebrado em 30 de Dezembro de 2008, ao qual foi feito um aditamento em 30 de Janeiro de 2009, através do qual a O…, SGPS, SA, a aqui Impugnante, e a F…, SGPS, SA, acordaram numa compra e venda de acções e suprimentos, nos termos já constantes da sentença (Dos Factos Provados, cfr. fls. 5 e seguintes);
D. Entre outras condições ficou estabelecido que o pagamento por parte da F…, SGPS, SA à Impugnante "até ao prazo máximo de 5 anos" (Clausula Primeira, 3., cfr. tis. 5 da sentença);
E. Esta dilação do pagamento implica o pagamento de juros à Impugnante "(...) á taxa Euribor a 6 meses, acrescidos dum spread de 3,5% ao ano, até à sua total liquidação" (Clausula Segunda, 2., cfr. fls. 6 da sentença);

F. Dadas as dúvidas o momento do vencimento de juros contratados foi a Impugnante notificada pela IT, em cuja resposta veio esclarecer que "(...) o entendimento é que tais juros se vençam na data de liquidação do reembolso do capital, o qual se prevê possa ser liquidado no prazo de 5 anos a contar da data do contrato, ou seja, 30.12.2013. Assim, tais juros vencer-se-ão quando a O… exigir o seu pagamento, não podendo fazê-lo antes da exigência do reembolso, ou seja, antes de decorridos 5 anos após a data do contrato = 30.12.2008." (cfr. folhas 8 da sentença);

G. Tendo em conta a factualidade referida e os lançamentos contabilísticos das sociedades envolvidas nesta operação, concluiu a IT pela sua sujeição a Imposto do Selo, porque considerou também verificada uma operação de financiamento da aquisição porque se reuniam os dois requisitos seguintes (cfr. fls. 9, ponto 11. Da sentença):
H. Existe uma dilação do pagamento do prazo pela adquirente que se poderá estender até 5 anos;
I. Encontra-se estipulado o valor e vencimento de juros a contar da data de celebração do contrato até ao pagamento integral do preço acordado a uma taxa de juros correspondente à taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 3,5% ao ano.
J. Assim sendo, considerou a AT que se tratava de uma operação financeira, de um crédito concedido pela Impugnante à sociedade compradora, sujeito a Imposto de Selo.
K. A norma aqui em causa, a verba 17 do Código do Imposto do Selo, que, por conveniência se reproduz, consagra a seguinte incidência do imposto: "17.Operações financeiras: 17.1 Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor ( ...) (negrito nosso).
L. Na nossa opinião, a expressão "em virtude da concessão de crédito a qualquer título" tem de ser entendida de uma forma abrangente, incluindo na incidência do Imposto do Selo todas as operações de concessão de crédito seja qual for a forma assumida, uma vez que se trata de uma expressão claramente inclusiva da generalidade das situações de concessão de crédito, não se conhecendo qualquer excepção legal ao regime estabelecido.
M. Como se até se cita na sentença " Sob a epígrafe "operações financeiras", incluem-se no âmbito da incidência do imposto do selo a concessão de crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e do utilizador" (J. Silvério Marques e L. Cotovelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Engifisco, Lisboa, 2005, pag. 733) (negrito na sentença).

N. Daí que, e a nosso ver bem, o Tribunal a quo tenha considerado que as operações de crédito tributadas em l.S. não têm que ser apenas as efectuadas por sujeitos com a qualidade de instituições de crédito.
O. Como sintetiza José Maria Fernandes Pires "(...) mais que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sujeito a imposto é a efectiva utilização do crédito pelo beneficiário" (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pag. 471, 2015, 3.ª Edição, Almedina).
P. Pelo que a situação terá de ser analisada em termos materiais, isto é, se a operação aqui em causa constituiria ou não uma situação correspondente a uma concessão de crédito, estando, por consequência, sujeita ou não a Imposto do Selo, nos termos da norma já referida.
Q. O tribunal a quo pronunciou-se pela negativa pois considerou que se tratava de mero diferimento do prazo de pagamento considerando, em síntese, que a operação aqui em causa não constituía uma operação financeira, apenas a estipulação da forma de pagamento do preço, "(...) não decorrendo da interpretação do instrumento negocial em causa, no seu todo, que se esteja perante uma concessão de crédito" (cfr. sentença, fls. 28).
R. E fundamenta citando logo a seguir novamente, J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas (ob. Citada, p.733) que, por conveniência de raciocínio, transcrevemos: "Não é, pois, abrangido pela incidência do imposto todo e qualquer financiamento, mas tão-somente o que. reunindo as referidas características, se possa qualificar de concessão de crédito. Está, assim, afastado da tributação, por exemplo, o chamado crédito ao consumo, sempre que o financiamento consista em mero diferimento no tempo do pagamento dos bens ou dos serviços adquiridos concedido pelo respectivo vendedor ou prestador ( cf r. fls. 28, sublinhado na sentença).
S. Aqui reside, salvo o devido respeito, a nossa discordância com a decisão tomada.
T. Porque não se trata, como considerou o Tribunal, de "um mero diferimento no tempo do pagamento dos bens transaccionados".
U. Como se viu, este diferimento do pagamento não é apenas um benefício de prazo a favor do adquirente, que assim pagaria mais tarde o mesmo preço.
V. Aqui, para além do preço estipulado, estamos em presença de uma remuneração do capital não pago no momento da aquisição, neste caso concreto a sua totalidade, através do pagamento de juros, calculados a uma taxa determinável anualmente, para um período de cinco anos, o prazo previsto de pagamento do preço.
W. E assim foram contabilisticamente tratados pelas sociedades, como se viu.

X. Pelo que não podemos aceitar a interpretação adaptada da posição da doutrina supra citada, uma vez que não estamos perante um mero diferimento do pagamento.
Y. Na nossa opinião trata-se de uma operação financeira, uma venda em que o preço não é pago ao mesmo tempo da aquisição. Pelo contrário, o montante em falta é remunerado como qualquer capital emprestado, através de juros que se vencem ao longo do tempo e proporcionais ao valor em dívida, como qualquer outra operação financeira normal que se pratica diariamente em todo o mundo financeiro.
Z. Até porque se fosse um terceiro a emprestar o capital à sociedade adquirente, como, por exemplo, uma entidade financeira que financiasse uma compra a crédito de um automóvel a um particular, a situação seria claramente definida como sujeita a Imposto do Selo.
AA. Sendo, como se viu, indiferente, a qualidade do sujeito de ser ou não uma instituição financeira para este efeito, também nos parece que, tendo em conta a enorme abrangência da norma, ser o próprio vendedor ou terceiro a cobrar juros pelo diferimento do pagamento também não terá qualquer relevância em termos de sujeição a imposto.

BB. Pelo exposto, vem a Fazenda Pública requerer a este Venerando Tribunal que revogue a douta Sentença recorrida, por erro dos pressupostos de facto e de direito em que assenta, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão impugnada, com as respectivas consequências legais.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA.»

A Recorrida, apresentou as suas contra-alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«IV) DAS CONCLUSÕES
A. Contrariamente ao afirmado nas, aliás, doutas Alegações apresentadas pela RECORRENTE, inexiste qualquer erro de julgamento de facto e de direito na sentença proferida pelo Tribunal a quo e colocada em crise com o presente Recurso;
B. A douta sentença decidiu, e de forma correcta, conforme defendido pela RECORRIDA, que não se efectivou qualquer operação de financiamento associada ao Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Suprimentos celebrado entre Recorrida e a F… SGPS, S.A., dado que a cláusula em causa configura, tão-somente, um mero diferimento do pagamento do preço;
C. Com efeito, o que está em causa na cláusula que disciplina o pagamento do preço no referido contrato é o facto de esta configurar só, e apenas só, o diferimento no tempo da realização da prestação - pagamento do preço - devida pela F…, SGPS, S.A., à RECORRIDA, e não uma qualquer operação de financiamento mediante a concessão de crédito, com a subsequente obrigação de restituição dos...

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