Acórdão nº 318/11.7TNLSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-22

Ano2022
Número Acordão318/11.7TNLSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.–RELATÓRIO:


1.–Da Acção[1]

C…, S.A., sociedade comercial de direito espanhol, com sede na …. Leon, Espanha, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra, T..., S.A., sociedade anónima com sede no Edifício …1399-012 Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento do montante de € 59.298,74 acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a data de 16 de Fevereiro de 2011, calculados sobre € 50.480,00 até efetivo e integral pagamento.

Em fundamento da pretensão alega, em síntese, que contratou a Ré para realização de um transporte de castanhas até ao Brasil, com celebração de contrato de seguro e especificando as condições em que teria que ser transportada a mercadoria, quanto à temperatura e humidade, o que foi aceite, tendo tido lugar o transporte. À chegada da mercadoria ao Brasil, o destinatário detectou a presença de fungos na quase totalidade da carga expedida, verificando-se uma alteração significativa da temperatura do interior do contentor, relativamente à indicada no conhecimento de carga. Após inspecção da mercadoria, concluíram os inspectores que se verificava a perda de 85% da mercadoria, tendo a mesma sido liberada, após a inspecção e descartada para um contentor de resíduos sólidos, por ser impróprio o seu consumo; concluindo assim pela obrigação da Ré indemnizar a Autora pelo valor da mercadoria inutilizada e lucros cessantes.

A Ré citada, contestou, impugnando a matéria de facto alegada pela Autora, mais alegando que apenas organizou o transporte que foi realizado pela empresa C… de Vapores, cuja intervenção requereu, desconhecendo se as condições de transporte não foram garantidas, bem como os efeitos na mercadoria e o seu destino, a final; mais requereu a intervenção da Lusitânia, Companhia de Seguros, SA., com a qual foi celebrado o contrato de seguro do transporte da mercadoria.

Pugna a final pela procedência da excepção da sua ilegitimidade, e consequente absolvição, ou, caso assim não se entenda, a improcedência do pedido e o deferimento das intervenções requeridas.

A Autora na réplica pronunciou-se pela improcedência da excepção de ilegitimidade invocada pela Ré, por não ter sido apresentados factos para tanto, não se opondo à admissão das intervenções requeridas.

Citadas as intervenientes, contestaram.

A chamada Lusitânia, Companhia de Seguros, SA, alegando, em síntese, que celebrou um contrato de seguro com a Ré, titulado pela apólice aberta nº 32.688, do Ramo Mercadorias Transportadas, sendo emitido o certificado de seguro nº 62581 referente à mercadoria dos autos e que a cobertura acordada era de “Cláusula A” – “Cobertura de Riscos Frigoríficos”. Alegou também que em caso de avaria da mercadoria segura, resultante de variações de temperatura, o seguro só cobre os danos na mercadoria, se tiver existido uma paragem do equipamento de frio, por avaria, durante um período de tempo não inferior a 24 horas consecutivas. Por fim, alega que feita a vistoria da mercadoria, após a participação do sinistro, foi concluído que o equipamento de frio do contentor estava a funcionar em perfeitas condições, não havendo elementos que permitissem saber a razão da castanha ter atingido uma temperatura elevada no interior do contentor, admitindo-se como provável uma quebra da cadeia de frio na unidade de transporte e/ou uma parte do tempo sem energia. Refere por fim que o capital do seguro apenas cobre o valor da mercadoria, não abrangendo qualquer valor a título de lucros cessantes, tendo ainda de atender-se ao valor da franquia.

A chamada C.… de Vapores na sua contestação, alega, em síntese, que apenas realizou o transporte, tendo sido o seu agente, a Universal Marítima Portugal U, Lda a fazer as diligências para a realização do transporte nomeadamente, a confirmação da temperatura do contentor, pelo que se tal não foi regulado, a responsabilidade é do Agente da chamada e não sua. Termina pugnando pela procedência da excepção de ilegitimidade passiva, quanto a si, ou assim não se entendendo, que o pedido deve ser julgado improcedente e por fim, que seja admitida a intervenção provocada da sua agente, Universal Marítima Portugal U, Lda.

A Autora na réplica às contestações apresentadas pelas chamadas, alegou que a limitação da cobertura da chamada Lusitânia é uma excepção, pelo que deve ser a mesma a demonstrar que o período da avaria foi inferior a 24 horas, mais alegando que apenas uma quebra de frio superior a esse período poderia causar os danos apresentados pela mercadoria; quanto à contestação da Compañia Sud Americana de Vapores, refere mais uma vez que apenas a quebra do frio, durante vários dias, causaria tal dano nas castanhas e que a renúncia à responsabilidade, pela chamada é inoperante.

Proferiu-se despacho saneador, julgando improcedente a irregularidade da réplica suscitada pela Ré na tréplica e considerada não escrita a contestação apresentada pela Compañia Sud Americana de Vapores e improcedente a excepção da ilegitimidade da Ré, e, seleccionada a matéria de facto assente e controvertida.[2]

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Junho de 2018, foi revogada a decisão relativa à chamada Compañia Sud Americana de Vapores e admitida a respectiva contestação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal proferiu sentença, conforme dispositivo que se transcreve: «Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, consequentemente: a) condeno a Ré T…, S.A. a pagar à Autora, C…. S.A., o valor de € 50.480,00 (cinquenta mil, quatrocentos e oitenta euros) acrescendo-lhe juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento, absolvendo-a dos demais pedidos. b) Condeno a Ré, a Chamada C…e Vapores e a Autora nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos.»

2.–Do Recurso

Inconformada, a Ré interpôs recurso da sentença, culminando as alegações com as conclusões seguintes:
1.–O douto Tribunal "a quo" condenou a Recorrente no pagamento do montante de € 50.480,00 à Recorrida, por alegados danos sofridos no transporte de uma mercadoria de castanhas para o Brasil.
2.–Tendo o douto Tribunal a quo considerado que a causa que originou os alegados danos foi a temperatura incorrecta do contentor durante o transporte marítimo.
3.–Para tanto o douto Tribunal a quo deu como provado que a Recorrida atrasou o transporte para proceder ao pré-arrefecimento da mercadoria o que foi negado pela testemunha da Recorrida …
4.–O que é contraditório com os documentos 9 e 10 juntos com a Petição Inicial bem como com o próprio depoimento da testemunha …
5.–Pelo que deve ser dado como não provado o ponto 18 da matéria de facto dada como provada.
6.–Ficou provado que a mercadoria foi acondicionada dentro do contentor a uma temperatura superior à que foi contratada para o transporte marítimo.
7.–Quer durante o transporte quer à descarga da mercadoria, o contentor estava a fornecer ar à temperatura contratada para o transporte.
8.–As temperaturas que constam dos autos correspondiam à temperatura da própria mercadoria e não à temperatura dentro do contentor.
9.–A mercadoria transportada (castanhas) fermenta e produz calor.
10.–O perito ouvido em Tribunal afirmou tudo indicar que o sistema de frio do contentor funcionou na perfeição.
11.–Pelo que, mal andou o douto Tribunal a quo ao ter decidido que o Transportador Marítimo permitiu que a temperatura dentro do contentor durante o transporte, tenha ascendido a valores muito superiores aos requeridos para o mesmo.
12.–Consequentemente, deve ser dado como provado que a mercadoria foi acondicionada em condições tais que não permitiram garantir o seu envio a 02C.
13.–A testemunha … afirmou que as castanhas eram mantidas nos armazéns da Recorrida a uma temperatura superior à contratada para o transporte.
14.–O perito … referiu que caso a temperatura da mercadoria não coincida com a temperatura contratada para o transporte, o contentor demora muito tempo a ajustar aquela temperatura.
15.–A mercadoria não estava completamente isenta de outras pragas nocivas.
16.–Nos termos da Convenção para a Unificação de Certas Regras em Conhecimento de Embarques, assinada em Bruxelas em 1924, e da qual Portugal é contratante, o transporte de mercadorias abrange o tempo decorrido desde que as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas.
17.–A Recorrente ilidiu a presunção de responsabilidade que impende sobre o Armador nos termos da Convenção de Bruxelas de 1924 ao ter ficado demonstrado que a unidade de frio, quer no momento da carga quer no da descarga, estava a funcionar em condições ideais.
18.–Não se verifica o nexo de causalidade entre a actuação do Armador e o estado da mercadoria à chegada ao seu destino, que pudessem gerar a obrigação de indemnizar por parte da Recorrente.
19.–Não pode a Recorrente ser condenada no pagamento da totalidade da mercadoria tendo ficado provado que apenas se verificou a perda de 85% da mercadoria.
20.–O Transportador apenas é responsável, nos termos da Convenção de Bruxelas, pelos danos e perdas causados na mercadoria, in casu, 85% da mesma.
21.–Termos em que se requer a V.Exas, Venerandos Desembargadores, que substituam a decisão ora recorrida por outra que absolva a Recorrente, ou caso assim o não entendam, que apenas condene a Recorrente no valor correspondente a 85% do valor da mercadoria. Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, requer-se que se dignem dar provimento ao presente Recurso e, consequentemente, se dignem revogar a douta decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que absolva a RECORRENTE do valor peticionado, pois assim farão V.Exas. a costumada JUSTIÇA!
***

A Autora contra-alegou, refutando, em síntese, a argumentação da Ré
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