Acórdão nº 3172/10.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Sul, 02-02-2023
Data de Julgamento | 02 Fevereiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 3172/10.2BEPRT |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 28.02.2022, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por J… (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2007.
Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:
“A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.
B. No caso em apreço, decidiu o douto Tribunal que o reinvestimento feito pelo ora recorrido foi reinvestido na aquisição de habitação própria e permanente, no entanto, salvo o devido respeito, não concorda a Fazenda Pública com tal entendimento
C. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal raciocínio e isto porque no caso de existir uma mudança de domicílio sem que tal seja comunicado à Administração Fiscal, a consequência é a respetiva ineficácia, enquanto tal comunicação não for feita - artigo 19º LGT.
D. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo e salvo a devida vénia, não resultou provado que o Impugnante não morasse na casa do Estoril, mas sim que o Impugnante, ora recorrido, adquiriu uma casa no Porto e passava algum tempo nesta casa, deslocando-se com bastante frequência a Lisboa, devido aos negócios que mantinha.
E. No presente processo pretende-se descobrir o local onde se situa a habitação própria e permanente do impugnante, ora recorrido, tendo o douto Tribunal feito tábua rasa às provas inequívocas de que o domicílio do Impugnante se situava no Estoril, como é o caso da alteração do cartão de cidadão e as faturas da água e da luz, recebidas na morada do Estoril.
F. Todos estes elementos demonstram, ao contrário do entendimento do Tribunal, que a residência própria e permanente do Impugnante se localizava na Rua Melo e Sousa n.º 395 – 4.º C, Estoril.
G. Por todo o descrito e ressalvando sempre o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, relativamente à questão controvertida.
Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!”.
O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso foi interposto pela Fazenda Pública contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial n.º 3172/10.2BEPRT, que tinha por objeto o ato de liquidação de liquidação adicional de IRS n.º 2008 5113335816, referente ao ano de 2007, no montante de € 12.634,95;
B) Fundamentalmente, considera a Fazenda Pública que o reinvestimento em causa não poderia ser excluído de tributação, à luz do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, pois defende que o imóvel adquirido no Porto não era a habitação própria e permanente do Recorrido;
C) A Fazenda Pública sustenta esse entendimento em duas únicas constatações: i) o facto de o Recorrido, após a venda do imóvel anterior, ter alterado a morada do seu cartão de cidadão e indicado, para esse efeito, a casa do Estoril; e ii) o facto de as faturas da água e da luz, relativas aos consumos do imóvel do Porto, terem sido enviadas para o imóvel do Estoril;
D) No entanto, tais argumentos foram contrariados em toda a linha pelo Tribunal Recorrido, o qual se alicerçou desde logo na prova testemunhal produzida nestes autos e que lhe mereceu, e bem, toda a credibilidade, na base da qual fixou a matéria assente e da qual se destacam os factos enunciados nas alíneas K) a S;
E) Ficou em concreto provado, no entendimento do Tribunal, o seguinte:
· Desde o ano de 2007 que o Recorrido exercia a sua atividade profissional, através de uma sociedade unipessoal em seu nome, no imóvel do Estoril, sito na Rua M…, nº 3…, 4º …, do qual era proprietário juntamente com a sua esposa - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos;
· O Recorrido tinha, em 2010, o seu domicílio fiscal no Estoril, enquanto que a sua esposa tinha como domicílio fiscal o imóvel do Porto – factos demonstrados, nomeadamente, através dos documentos n.ºs 6 e 7 juntos com a p.i.;
· O Recorrido e a sua esposa deslocavam-se ao apartamento do Estoril, vindos do Porto, cerca de 2 a 3 vezes por mês - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos;
· Estas deslocações ocorriam em trabalho - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e através do documento n.º 6 junto com a p.i.;
· O apartamento do Estoril servia também para o Recorrido e a sua esposa visitarem amigos e a mesma ter acompanhamento médico devido a doença oncológica - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e através do documento n.º 6 junto com a p.i.;
· Para além de terem nascido na Póvoa do Varzim (o Recorrido) e em Vila Nova de Gaia (a sua esposa), é no Porto que se encontra toda a família de ambos, tais como irmãos e sobrinhos, sendo que não têm filhos – factos demonstrados pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e através do documento n.º 6 junto com a p.i.;
· O Recorrido e a sua esposa foram viver para o Porto para estarem mais acompanhados pela família - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos;
· É no Porto que o Recorrido e a sua esposa residem habitualmente – facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos;
F) Contra esta factualidade e a fundada convicção que gerou no Tribunal Recorrido, a Fazenda Pública limita-se a opor os 2 mencionados indícios – e que não passam disso mesmo –, por forma a alegadamente demonstrar que o centro de vida e de interesses de ambos se situava afinal no Estoril e não no Porto;
G) Mas, qualquer um desses indícios, foi inequivocamente desvalorizado pela restante prova produzida no processo de impugnação, nomeadamente, pelos depoimentos das 2 testemunhas inquiridas – tal como o Tribunal a quo deixou bem evidenciado;
H) De facto, até a questão da alteração do cartão do cidadão do Recorrido foi devidamente esclarecida pela testemunha J…: “Mais referiu que, inadvertidamente, aquando da actualização do cartão de cidadão foi indicada a morada do Estoril, que correspondia à sede da empresa do Impugnante e não a sua residência pessoal no Porto, não obstante a sua esposa ter a residência no Porto. Mais referiu também que desde 1998 que o Impugnante era proprietário de uma casa no Estoril e que, depois de sair do Banco de Portugal onde foi Governador, decidiu criar uma sociedade unipessoal. Normalmente o Impugnante e a sua esposa vivem no Porto, mas 2 ou 3 vezes por mês o Impugnante vem ao Estoril, para exercer a sua actividade de consultoria”;
I) E se dúvidas existissem sobre a razão de ciência desta testemunha, isto é, o seu maior (ou menor) e direto (ou indireto) conhecimento sobre os factos em questão, o Tribunal Recorrido deu ênfase, e bem, ao facto de o mesmo ter declarado que “ligava várias vezes [ao Recorrido] a saber em que dias vinha a Lisboa”;
J) O depoimento desta testemunha permitiu também afastar as dúvidas/suspeitas, que foram lançadas pela AT e agora pela Fazenda Pública, quanto ao envio da correspondência do imóvel do Porto para a morada do Estoril e aos motivos que poderiam estar subjacentes a essa circunstância;
K) Nada mais fácil de explicar, conforme, de resto, fez esta testemunha, ao referir que as faturas da água e da luz do imóvel do Porto são enviadas para a sede da empresa do Recorrido (no Estoril), por ser nesta morada que se centralizam todos os documentos/informações contabilísticos do mesmo e da sua família, para além do facto de ser no Estoril que, por razões de centralização, se procede ao pagamento das respetivas contas/despesas;
L) Pelo que se...
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