Acórdão nº 3160/20.0T8FNC-C.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-12-2023

Data de Julgamento14 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão3160/20.0T8FNC-C.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:



I.–Por apenso aos autos de insolvência de S., veio no dia 23/10/2023 o administrador de insolvência apresentar a lista dos créditos por si reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do art. 129º do CIRE.
Nessa lista não se reconheceu, além de outros, o crédito, não reclamado, de OM.

Como motivo justificativo do não reconhecimento desse crédito, o Sr. Administrador da Insolvência exarou o seguinte:
“O crédito não reclamado, de OM., no montante de 100.000,00 €, descrito na tabela do ponto 4, é do conhecimento do A.J. através do Processo n.º 706/19.0T8FNC (ação declarativa), intentado pela mesma contra a ora insolvente e contra o Sr. EG., tendo por fundamento o "contrato de promessa de compra e venda", celebrado em 2/11/2010 com aquela e a ora insolvente, tendo alegado ter pago a título de sinal, a quantia total de 100.000,00 €. O A.J. não reconhece o respetivo crédito porque não ter provas de tal pagamento efetuado por OM. a quantia referida a título de sinal, não tendo ainda sido proferido qualquer sentença no referido processo. Além do mais, a mesma naquela data se encontrava em situação de insolvência, não tendo qualquer capacidade de pagamento da referida quantia.”

OM., invocando o disposto no art. 130º, n.º 2 do CIRE, apresentou no dia 9/11/2020 impugnação à lista de credores reconhecidos, nos seguintes termos:
1º–Foi apresentada pelo Senhor Administrador, nos termos do art. 129º, n.º 1 do CIRE, a lista de credores por si reconhecidos, bem como a lista dos não reconhecidos, por referências aos autos supra mencionados.
2º–Da lista dos credores não reconhecidos, constando a identificação da aqui credora, natureza do crédito e montante no Proc. 706/19.0T8FNC - Juízo Central Cível do Funchal - Juiz 3.
3º–Não obstante constar da lista de créditos não reconhecidos o Sr. A.I., passou a tomar conhecimento da causa de pedir e do pedido daqueles autos.
4º–Por economia processual e não obstante, e sem prejuízo da eventual ação para ulterior reconhecimento do seu crédito, certo é que o Sr. A.I. substituiu-se ao Tribunal onde correm os autos atrás referidos, proferindo decisão da competência dos Tribunal.
5º–Com o devido respeito, o Sr. A.I. não pode julgar, nem decidir sobre aqueles autos pendentes, com os fundamentos que alega para não reconhecimento do crédito da aqui impugnante.
6º–Releva-se que o Sr. A.I. omite a confissão dos ali Réus, de quitação do recebimento de parte do sinal recebido (10.000,00€).
7º–Pretende a aqui impugnante invocar a falta de competência jurisdicional ao Sr. Administrador, ao julgar e decidir a ação pendente, ao não reconhecer o crédito da impugnante, de forma conclusiva e sumária, apreciando o mérito daqueles autos para não reconhecer o seu crédito.
8º–Pelo que o motivo da impugnação do crédito não reconhecido à aqui impugnante, conforme prova que se protesta juntar (contrato promessa de compra e venda).
9º–Nestes termos, impugna-se a lista de credores não reconhecidos, mais concretamente o crédito da impugnante, devendo o Sr. A.I., relegar para decisão judicial transitada em julgado, o reconhecimento ou não do crédito da impugnante.
10º–Além do mais, da lista de credores reconhecidos não consta a C.G.D., como credora hipotecária, conforme resulta da certidão predial do imóvel melhor identificado, como património conjugal da insolvente.
11º–Da lista de credores reconhecidos encontra-se a credora Lx Investement Partners II, S.A.R.L., sendo certo que, na consulta do registo predial do referido imóvel, consta a C.G.D. como credora das referidas hipotecas.
12º– Pelo que, se impõe que o Sr. A.I., faça prova do registo das referidas hipotecas a favor da referida credora.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente impugnação ser considerada procedente por provada, corrigindo-se a lista de credores não reconhecidos, nos termos aqui invocado.
Prova:
1- Requer-se que o Sr. A.I.., junte aos autos, a reclamação de créditos da credora atrás identificada, bem como, certidão predial do referido imóvel, onde conste a credora como cessionária do crédito da C.G.D..
2- Requer-se que o Sr. A.I., junte aos autos, certidão da PI do processo nº 706/19.0T8FNC - Juízo Central Cível do Funchal - Juiz 3, com informação do estado dos autos.
3- Testemunhas a notificar: (…)
Protesta juntar 1 documento”.

A impugnante juntou aos autos um documento contendo o contrato promessa de compra e venda.
O administrador da insolvência apresentou resposta à referida impugnação, alegando que:
“Quanto à impugnação do crédito de OM., a mesma não é aceite pelo A.I., nem no crédito não reconhecido, no montante de 100.000,00 €, nem no montante de 10.000,00 € de um sinal pago, que entretanto se converteu em rendas vencidas;
Aliás, OM. não é credora, mas devedora num montante superior a 120.000,00 €, a título de rendas vencidas e não pagas”.

No dia 7/05/2021 foi apensado aos autos de insolvência a acção n.º 706/19.0T8FNC, que passou a correr os seus termos sob o apenso E).
Nessa acção, instaurada por OM. contra EG. e S., peticiona-se:
A.)- Condenar os Réus a reconhecerem a A. com o legítimo direito na compra do imóvel em causa e supra identificado em 1º, nos termos da referida Clausula 5ª, tendo já pago a título de sinal 100.000,00€.
B.)- Condenar os Réus a reconhecerem o legítimo e tempestivo exercício do referido direito de compra do imóvel em causa e supra identificado em 1º.
C.)- Condenar os Réus na celebração da respetiva escritura de compra e venda a favor da Autora, pelo valor remanescente, ou seja, 350.000,00€
D.)- Condenar os Réus a celebrar a predita escritura pública de compra e venda no prazo de trinta dias após a data da douta Sentença condenatória.
E.)- Condenar os Réus na obrigação de avisarem a Autora com a antecipação mínima de oito dias em relação à data agendada, do dia, hora e local, bem como de disponibilizarem toda a documentação necessária ao pagamento, do respetivo IMT.
F.)- Condenar os Réus no pagamento em multa diária de € 50,00, por cada dia de atraso na realização da escritura após os preditos 30 dias seguintes à data da douta Sentença condenatória. Ou:
G.)- Na impossibilidade de se realizar a venda do imóvel à Autora nos termos previstos na acima referida e invocada, condenar os Réus no pagamento do dobro do valor entregue a título de sinal, acrescido de juros, à taxa legal desde a citação.
H.)- Atribuindo à A. o direito de retenção do imóvel até ao cumprimento das cláusulas C.) a H.) deste pedido.
Por despacho de 9/03/2023 foi ordenada a notificação da impugnante “para, querendo, se pronunciar sobre a eventual ineptidão do requerimento de impugnação da Lista Definitiva de Credores. Prazo: 5 dias.”

Esta veio então dizer que:
1.º- O Sr. A.I. compreendeu e pronunciou-se sobre a matéria controvertida no processo apenso “E”, ou seja, considerou que o sinal pago pela credora se converteu em rendas vencidas, substituindo-se à decisão judicial do referido apenso.
2º- Mais considera e decide de que a ora credora é devedora de rendas vencidas e não pagas.
3º- Com o devido respeito, esta matéria está controvertida no apenso “E”, pelo que, não tem legitimidade para se pronunciar sobre o mérito dos factos alegados no referido apenso.
4º- Pelo que, deverá o Sr. Administrador aguardar por decisão judicial sobre este assunto.
5º- A PI apenas é inepta por falta de causa de pedir, falta de núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível a sua pretensão.
6º- E se a PI é deficiente, deverá este Tribunal proferir despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art.º 6º e 590º do n.º 4 do CPC.
7º- Se o Sr. A.I. a compreenderam, tal vicio ficou sanado, cfr. art.º 186º n.º 3 do CPC.
Nestes termos e com o devido respeito, a petição inicial não deverá ser julgada inepta, pelos motivos expostos.”
Por decisão proferida dia 24/04/2023 decidiu-se: “julga-se inepto o requerimento de impugnação à Lista de Credores Reconhecidos deduzida por OM. e, consequentemente, não se reconhece qualquer crédito sobre a Insolvente.”

Essa decisão fundou-se, além do mais, nos seguintes considerandos:
“(…) todos os credores que pretendam ver o seu crédito reconhecido no processo de insolvência têm que reclamar o mesmo ou, caso não o tenham reclamado e o mesmo não tenha sido reconhecido pelo Administrador da Insolvência, têm que impugnar a lista de credores reconhecidos e alegar todos os factos que demonstrem as circunstâncias e elementos previstos na norma vinda de referir.
Ou seja, constitui ónus do credor que pretende ver o seu crédito reconhecido nos autos de insolvência, reclama-lo em conformidade com o disposto nos artigos 90.º e 128.º do CIRE ou impugnar a Lista de Credores Reconhecidos e alegar todos os factos que sustentam a existência do referido crédito, independentemente de existir, ou não, qualquer acção declarativa pendente que o vise reconhecer.
Tanto mais que, as acções pendentes à data da declaração da insolvência, que visem reconhecer créditos sobre a insolvência encontram-se abrangidas pelo Acórdão Uniformizador 1/2014. Em processo de insolvência a impugnação da lista de credores reconhecidos configura-se, em termos processuais, como uma oposição por embargos, iniciada precisamente pelo requerimento de impugnação, e em que a decisão será proferida com base no que vier alegado no requerimento de impugnação da lista e na resposta a essa impugnação, já que os requerimentos de reclamação de créditos, que são dirigidos ao administrador da insolvência, nem sequer são presentes ao juiz – cfr. artºs 128º/2) e 132º do CIRE. Neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 20.04.2017, disponível in www.dgsi.pt. Tendo presente o vindo de expor, vemos que o credor impugnante da Lista de Credores Reconhecidos, de crédito que não foi reconhecido, ou seja, com fundamento na indevida exclusão do seu crédito, tem
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