Acórdão nº 3134/21.4T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-08

Ano2024
Número Acordão3134/21.4T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:3134/21.4T8AVR.P1





Acordam no Tribunal da Relação do Porto


1. Relatório
AA, residente habitualmente em 512, ..., Estados Unidos da América instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB e CC, residentes na Travessa ..., ... - ... ..., Águeda, União de Freguesias ..., ... e ..., concelho de Águeda, onde concluiu pedindo que os Réus sejam condenados:
a) a reconhecer que o Autor, através do seu irmão e pai e sogro dos RR, lhes fez entrega em 4/10/2013 da quantia total de €53.363,45, sendo €35.000,00 em euros e $USA dólares 25.000,00, que convertidos em euros naquela data corresponderam a €18.363,45, a título de empréstimo, para os mesmos solverem responsabilidades de ambos perante entidades bancárias e posteriormente lha restituírem;
b) a reconhecer que tal empréstimo é nulo por falta de forma, nos termos do disposto no artigo 1143º do Código Civil, e, por força disso e do disposto no artigo 289º do mesmo Código,
c) a restituírem ao Autor a quantia de € 53.363,45, acrescida de juros moratórios à taxa legal de 4% que sobre ela se vençam desde a data da citação até à data de efectivo e integral restituição da quantia.
Alega, em síntese, que os Réus, sobrinhos do Autor, solicitaram-lhe, através de seu pai e sogro e irmão do Autor, DD, que o Autor lhes emprestasse algo mais do que cinquenta mil euros, o que o Autor fez, em Setembro de 2013.
Acrescenta que, não obstante o Autor tenha solicitado já por diversas vezes aos Réus a restituição da totalidade da quantia emprestada, os mesmos não o fizeram até ao presente.
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Citados, os réus contestaram.
Invocaram que os Réus e, em particular, a Ré são partes ilegítimas e que o mútuo é nulo por falta de forma.
Acrescentaram que foi por necessidade de proteger o seu pai das constantes ameaças e pressões do autor que o réu assinou a declaração de dívida.
Mais alegaram, que os Réus solicitaram a quantia de cerca de € 60.000,00 ao pai e sogro, respectivamente, sendo este que anuiu ao pedido, desconhecendo os Réus a proveniência do referido valor.
Concluem pedindo que seja declarada a ilegitimidade passiva dos réus e, consequentemente, estes sejam absolvidos da instância, ou, caso assim não se entenda, a acção seja julgada improcedente e os Réus absolvidos do pedido.
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Dispensou-se a realização de audiência prévia, elaborando-se despacho saneador que determinou a improcedência da excepção de ilegitimidade, fixando-se o objecto do litígio e os temas de prova.
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.
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Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, consequentemente:
a) Declarou nulo por falta de forma o mútuo descrito nos pontos 5 a 13 dos factos provados;
b) Condenou os Réus BB e CC a restituírem ao Autor AA a quantia de €53.363,45, acrescida de juros moratórios à taxa legal, desde a data da citação até à data de efectiva e integral restituição de tal quantia.
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Não se conformando com a sentença proferida, os recorrentes BB e CC vieram interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações concluem da seguinte forma:

“I.O presente recurso tem por objeto a matéria dada como provada nos pontos 6, 7, e 13 da sentença recorrida.

II. Foi dado como provado pelo tribunal que: “6 - Os Réus sabiam que o Autor dispunha da quantia de que necessitavam, pelo que lhe solicitaram, através de seu pai e sogro e irmão do Autor, DD, em fins de Setembro de 2013, que o Autor lhes emprestasse algo mais do que cinquenta mil euros (€ 50.000,00).”

III. Foi dado como provado pelo tribunal que: “7 - O Autor acedeu a tal pedido dos Réus fazendo-lhes, por duas vias ou em duas formas de entrega, a entrega do dinheiro que os Réus, seus sobrinhos, lhe pediram.”.

IV. E, por fim, com interesse para o presente recurso que: “13 - Quantias essas (€ 35.000,00 e € 18.363,45) que, por sua vez, o pai e sogro dos Réus e irmão do Autor, DD, mandou transferir de seguida daquela sua conta no Banco 1... para a conta de ambos os Réus naquele mesmo Banco 1... com o nº ...37....”

V. Quanto ao ponto 6 e ao ponto 7 eles estão interligados, apenas sendo o 7 possível por causa do 6, tendo em conta que o 7 relata a aceitação de um pedido feito em 6, que, portanto, não se dando o 6 como provado, não poderá, por consequência, ser dado como provado o 7.

VI. A prova produzida no julgamento obriga a uma decisão diferente quanto aos pontos enunciados, isto tendo em conta os depoimentos prestados, não só pela Ré, mas como pela testemunha DD.

VII. A história carreada para os autos pelo A. é no sentido de que a certa altura, em Setembro de 2013, o seu irmão, a testemunha DD, lhe pediu, em nome dos RR., o empréstimo do dinheiro que se discute nos autos.

VIII. No entanto essa versão mudou em julgamento, relativamente à contestação dos RR., durante o depoimento do A., que disse ter estado numa reunião com a Ré e o seu irmão, a testemunha DD, onde a Ré (e desta feita já não o seu irmão) lhe pediu o dinheiro emprestado.

IX. Para além desta alteração da versão em relação ao vertido na P.I., que não deveria ser admitida e dada como provada pelo tribunal; não deveria ter sido dada como provada tal reunião, nem tal pedido, isto porquanto as declarações da Ré, assim como do irmão do A., desmentem, também, esta versão.

X. O depoimento da testemunha DD é claro. Não teve nada a ver com o pedido de dinheiro. Não presenciou nem conhece nenhuma reunião onde a Ré tenha pedido dinheiro ao A.. Contraria, cabalmente, a versão carreada para os autos pelo A..

XI. O mesmo se retira das declarações da Ré.

XII. Tal prova implica decisão de facto diferente da que foi tomada.

XIII. Para além dos factos 6 e 7, também o facto 13 foi incorretamente julgado, tendo em conta que há no processo prova dos cheques que a testemunha DD passou aos RR, no valor de 30.000,00€, ao passo que a sentença dispõe que esses valores foram enviados por transferência.

XIV. Tal facto é importante para desconstruir a convicção do tribunal a quo, que sem provas consistentes pretende que o dinheiro teve de passar, primeiro, pela testemunha DD por motivos ligados aos RR. que não podiam ter o dinheiro nas contas, no entanto o dinheiro foi exatamente, direto para as contas dos RR., pelo que poderia, perfeitamente, ter sido movimentado diretamente da conta do A. para as contas dos RR., isto, claro, se na verdade os RR. tivessem pedido alguma vez alguma coisa ao A., que nunca pediram.

XV. No fundo, a versão que deve vingar é a versão dos RR., em como pediram o dinheiro à testemunha DD, pai e sogro, e nunca ao A..
Portanto, foram incorretamente julgados os pontos 6, 7, e 13, da matéria de facto dada como provado, devendo, na sua vez, ter sido dados como provados os b) e c) dos factos não provados. Tudo isto tendo em conta as declarações do A., da Ré, do Réu, da testemunha DD e da testemunha EE, passagens assinaladas com exatidão nos locais próprios, com as transcrições.
Ainda que não se dê como provado os factos b) e c), deverão os 6, 7, e 13, ser dados como não provados o que levará, certamente, à absolvição dos Réus do pedido.
Assim como a sentença viola a norma dispostas no art.º 615/1/c.”.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. O Autor é emigrante nos Estados Unidos da América do Norte (USA), sendo portador do cartão de cidadão nº ....
2. É irmão de DD, residente na Estrada ..., ... - ... ..., União de Freguesia ..., ... e ..., concelho de Águeda,
3. Os Réus são casados entre si e o Réu marido é sobrinho do Autor, sendo filho do seu irmão identificado no artigo anterior, DD,
4. O Autor possuía e possui conta bancária no Banco 2... com o IBAN ...05, de que é exclusivo titular, mas que pode também ser movimentada pelo seu irmão.
5. Em Setembro de 2013 os Réus necessitavam de mais de cinquenta mil euros (€50.000,00) para solverem dívidas de que ambos eram responsáveis perante entidades bancárias.
6. Os Réus sabiam que o Autor dispunha da quantia de que necessitavam, pelo que lhe solicitaram, através de seu pai e sogro e irmão do Autor, DD, em fins de Setembro de 2013, que o Autor lhes emprestasse algo mais do que cinquenta mil euros (€50.000,00).
7. O Autor acedeu a tal pedido dos Réus fazendo-lhes, por duas vias ou em duas formas de entrega, a entrega do dinheiro que os Réus, seus sobrinhos, lhe pediram
8. Para tanto, o Autor acedeu a que o seu irmão DD;
- procedesse previamente à liquidação de uma aplicação de €25.000,00 que o Autor tinha no Banco 2..., afecta à sua conta à ordem identificada no ponto 2 dos factos provados
- E ordenasse igualmente a venda de obrigações afectas àquela mesma conta que renderam € 12.152,50 para que tais quantias passassem a estar na sua conta à ordem,
9. E de seguida e de imediato o mesmo seu irmão sacasse sobre essa mesma sua conta bancária pessoal no Banco 2... um cheque do montante de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), emitido a favor dele próprio para, de seguida, em representação do Autor entregar aos filho e nora, isto é, aos Réus.
10. O que veio a acontecer, após requisição de cheques feita em 30/09/2013 pelo seu irmão DD, através do cheque nº ...56 de €35.0000,00 (trinta e cinco mil euros), datado de 30/9/2013, e que veio a ser depositado por ele, pai e sogro dos Réus e irmão do Autor, na sua conta do Banco 1... em Águeda com o nº ...52 e que foi debitado na conta do Autor em 4/10/2013.
11. Para além disso, em 3/10/2013 o Autor, como não dispunha do total do montante pretendido pelo seu sobrinho naquela sua conta bancária no Banco 2..., ordenou uma transferência bancária duma sua conta bancária nos Estados Unidos da América do Norte (USA) para a conta bancária com o nº ...52 que o seu irmão
...

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