Acórdão nº 3132/21.8TBBRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-10-12

Ano2023
Número Acordão3132/21.8TBBRG-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

I.
1. Através de requerimento apresentado no dia 30 de janeiro de 2023, AA propôs a presente ação tutelar cível, contra BB, pedindo a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos, CC, nascido a .../.../2005.
Alegou, em síntese, que: as responsabilidades parentais relativas ao jovem CC foram reguladas por acordo entre requerente e requerido, homologado por sentença de 14 de junho de 2021, transitada em julgado; nos termos desse acordo, a residência do jovem foi fixada junto da requerente, foi previsto um regime de convívios com o requerido e a obrigação deste prestar alimentos, a qual contempla uma parte fixa, no montante mensal de € 225,00, atualizável anualmente em € 4,00, e uma parte variável, correspondente a metade das despesas médicas extraordinárias, bem como das despesas com a aquisição de material escolar, livros e futuras propinas; concomitantemente, à margem daquele acordo, requerente e requerido acordaram, verbalmente, que o segundo entregaria à primeira as quantias que recebesse do abono de família destinado ao jovem, pago pelo Estado Suíço; tal abono de família constitui uma poupança para o jovem, devendo servir para fazer face a situações de necessidade presentes e futuras, tanto no caso de o jovem vir a ingressar num curso superior, como para fazer face às necessidades que possam surgir; é, de resto, pacífico, na jurisprudência, tanta na portuguesa como na suíça, que o abono de família deve ser entregue ao progenitor com o qual o filho que dele beneficia tem a sua residência fixada; a requerente tem tentado, desde a data do acordo, obter do requerido a entrega das quantias recebidas a título de abono de família, sem qualquer sucesso; a requerente aufere um salário líquido de € 686,00; vive em casa dos seus pais; suporta as despesas de alimentação e comparticipa nas despesas correntes da habitação, como luz, aquecimento; por seu turno, o requerido tem um rendimento mensal de cerca de € 5 000,00; está ainda a beneficiar, em seu proveito, do referido abono de família, que é, atualmente, de 250,00 CHF, o que configura um enriquecimento à custa do jovem; o requerido e a mandatária por ele constituída entendem que o primeiro não tem o dever de entregar o abono uma vez que a questão não foi contemplada no acordo escrito sobre que recaiu a sentença homologatória.

Concluiu com a formulação dos seguintes pedidos:

“A – Pedido principal: Determinar-se que qualquer apoio social a que os progenitores da criança ou jovem tenham direito, por via e em consequência do jovem, designadamente o abono de família ou seu correspondente, seja entregue ao progenitor que tem a sua guarda ou diretamente ao jovem, com efeitos retroativos ao trânsito em julgado do Acordo de Regulação das Responsabilidades parentais ou, se assim não se entender, à data da propositura da presente alteração”;
“B – Pedido subsidiário: se se entender que não pode uma sentença de regulação do poder paternal portuguesa prever e solucionar este problema, face aos rendimentos auferidos pelo progenitor ao qual se soma o abono de família do qual beneficia por ter um filho menor de 25 anos e a estudar e em face das necessidades supra invocadas, deverá o tribunal proceder ao aumento da pensão de alimentos para o montante nunca inferior a 500,00€, com efeitos retroativos à data da propositura da presente alteração.”
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2. Citado, o requerido apresentou alegações em que disse, também em síntese, que: para a obtenção do abono era necessária a apresentação de documentação relativa à frequência escolar pelo jovem; apesar das várias insistência da sua parte, a requerente nunca lhe apresentou essa documentação; não pode, por essa razão, solicitar o pagamento do abono junto do Estado Suíço; tem de suportar todas as despesas inerentes à sua estadia num país estrangeiro; paga cerca de € 2 000,00 só de renda da habitação.
Concluiu que não existe fundamento para o aumento da prestação de alimentos fixada, que assim deve ser mantida.
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3. O Ministério Público, em vista, promoveu o arquivamento, considerando que o pedido é manifestamente infundado, por a requerente não alegar o incumprimento do acordo por parte de ambos os progenitores nem a alteração superveniente de qualquer circunstância relacionada com o montante da prestação alimentícia.
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4. Por sentença de 29 de março de 2023, o pedido da requerente foi considerado manifestamente infundado, o que determinou o arquivamento do processo, nos termos do disposto no art. 42/4 do RGPTC.
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5. Inconformada, a Requerente apresentou recurso, em que formulou as seguintes conclusões:[1]

“17. A principal questão a decidir e aquela que está na base do incidente de alteração das responsabilidades parentais é o seguinte: em caso de atribuição do Abono de Família para Crianças e Jovens ou de prestação social equivalente, atribuído em virtude dos encargos familiares com o jovem CC, a quem compete administrar essa mesma prestação.
18. O tribunal a quo entendeu que esta matéria não compreende o conteúdo das responsabilidades parentais, porém entendemos que o tribunal não decidiu bem.
19. Determina o n.º 1 do artigo 1878.º do Código Civil que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
20. Se é certo que, como refere a sentença recorrida, o Abono de Família não engloba a prestação alimentícia, também é certo que faz parte do conteúdo das responsabilidades parentais administrar os bens do menor, tal como faz parte das responsabilidades parentais administrar o Abono de Família das crianças ou jovens.
21. Acresce que, o referido normativo legal fala em velar pelo sustento do menor, a definição sobre a quem compete zelar pelo abono de família é também velar pelo sustento do menor, pois que o mesmo se destina (como refere o próprio MP) a compensar encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens.
22. Até que este atinja a maior idade, compete aos pais ou a quem tenha o poder paternal fazer a administração dessa mesma prestação social, que no caso é uma quantia monetária. Ora, é disto que se trata.
23. A progenitora alegou que o progenitor está ou pelo menos esteve a receber o abono de família atribuído pelo sistema de Segurança Social da Suíça, não o entregando ao filho ou à mãe — que é quem tem a guarda do menor.
24. Mais alegou que, desde que o progenitor foi trabalhar para a Suíça, o casal (que à data ainda estava casado) acordou que seria mais vantajoso receber a prestação social daquele país por ser substancialmente superior. O casal optou assim por não receber o Abono de família atribuído pelo estado Português, visto não ser cumulativo.
25. A requerente alegou que, enquanto eram casados, o progenitor sempre enviou para Portugal o Abono de Família e que, desde que casal se divorciou o progenitor deixou de o fazer.
26. A requerente alegou que o progenitor, através da sua mandatária, remeteu várias cartas à progenitora, numa das quais (que a requerente juntou aos autos) a mandatária do requerido refere que a mãe não tem de receber o Abono de Família (que na Suíça se designa por “Allocation Familiale”), uma vez que a sentença Portuguesa tão pouco o prevê.
27. A posição adotada pelo progenitor (veiculada pela sua advogada suíça), diverge da posição que o progenitor adotou nos presentes autos.
28. Nos presentes autos o requerido opta por dizer que atualmente não se encontra a receber o Abono mas não nega que, caso o mesmo seja atribuído deve ser entregue à mãe.
29. No nosso modesto entendimento, ao Tribunal de 1ª Instância competia marcar uma conferência de pais ou até uma mediação, evitando-se uma decisão liminar contrária aos normativos legais.
30. Outros Tribunais portugueses foram chamados a decidir a mesma questão não negando a sua pronúncia.
31. O tribunal a quo indefere a pretensão da requerente por entender que esta não alega o incumprimento do acordo ou circunstâncias supervenientes à celebração do acordo que fundamentem a alteração ao mesmo.
32. A requerente alegou que antes da sentença que homologou o divórcio e, simultaneamente, as Responsabilidades Parentais, o pai enviava para a mãe o abono de família da Suíça e que, desde aquela data, deixou de o fazer, ora este facto consubstancia uma circunstância supervenientes à celebração do acordo.
33. Acresce que, os factos alegados pela requente no seu requerimento inicial enquadram-se, de forma indubitável, no âmbito das circunstâncias supervenientes que tornam necessário alterar o que foi estabelecido, introduzindo a matéria relativa à atribuição do abono de família.
34. Enquanto o pai se encontrar a trabalhar a Suíça estamos a falar de um valor consideravelmente elevado, para ser menosprezado.
35. Assim, se entendermos que a administração do abono de família integra o conteúdo das Responsabilidades parentais relativas ao menor CC, a circunstância de o pai não se encontrar a entregar o abono de família ao filho ou à mãe guardiã, cuja circunstância é superveniente ao acordo celebrado em Tribunal, torna necessário e até exigível proceder-se à alteração do que foi estabelecido, de forma a que passe a constar qual dos pais deve administrar o abono de família, independentemente do estado que o atribui.”
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6. O Requerido e o Ministério Público responderam, sem formularem conclusões, mas pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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7. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal ad quem.
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II.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento...

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