Acórdão nº 3128/19.0T8PNF.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-04-21

Ano2022
Número Acordão3128/19.0T8PNF.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 3128/19.0T8PNF.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO
1. G..., Lda., instaurou a presente ação contra AA, e mulher, BB, bem como contra a C... Lda., pedindo:
ser declarado existir responsabilidade civil pré-contratual das 1.º e 2.º R.R., por violação dos preliminares e negociações tendentes à celebração do contrato definitivo de compra e venda do prédio urbano, constituído por casa de rés-do-chão e andar, com logradouro, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n. ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o n. ...;
E, condenarem-se as R.R., solidariamente, a pagar à Autora a quantia de € 352.780,00, acrescida de juros comerciais de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a data da venda à 2. Ré do imóvel, ocorrida em 20/07/2018, até efetivo e integral pagamento e no pagamento das custas de parte.
Resumidamente, alegaram a Autora dedica-se há mais de 20 anos à atividade de talho, com estabelecimento comercial no prédio da Rua .... Até 2018, esse prédio era propriedade dos primeiros Réus, pagando a Autora uma renda de € 38,00. Em fevereiro de 2018, esses proprietários enviaram uma carta registada à Autora a dar a preferência na aquisição do prédio, indicando também as condições de compra e venda que já tinham estabelecido por contrato-promessa com a Ré C.... A partir daí, a Autora encetou negociações com os proprietários com vista à aquisição do prédio na sua totalidade. Os senhorios foram sensíveis aos argumentos avançados pela Autora e confirmaram o negócio por ela proposto, aceitando aguardar 60 dias para que esta obtivesse financiamento. Depois de tudo tratado com o Banco de demais documentação, a Autora agendou a escritura pública. Esta não se pode concretizar porque os Réus proprietários informaram que já tinham efetuado a venda à Ré sociedade. Com esta rutura das negociações, os Réus provocaram danos à Autora, dos quais pretende ser ressarcida conforme peticionado.
Em contestação, os Réus proprietários/vendedores impugnaram motivadamente a factualidade alegada pela Autora; a Ré sociedade/compradora suscitou o “uso reprovável da justiça e dos tribunais” e impugnou também os factos articulados.
No despacho saneador, a M.mª Juíza decidiu: considerar a Ré C... parte ilegítima, absolvendo-a da instância; absolver do pedido os Réus proprietários quanto aos montantes que a Autora alega que eventualmente poderia realizar com o negócio; improceder a parte do pedido relativa aos danos não patrimoniais; que iria prosseguir para julgamento apenas a matéria atinente aos valores alegadamente despendidos/suportados pela Autora com horas de trabalho gastas (€ 300,00); deslocações, parques de estacionamento e certidões (€ 120,00) e avaliação (€ 260,00).
Inconformada, a Autora deduziu recurso de apelação que foi admitido em 02/10/2020, o qual foi circunscrito à parte decisória de conhecimento parcial do pedido. Sendo assim, a decisão de ilegitimidade da Ré C... transitou em julgado.
Nesta Relação, esse recurso foi conhecido, por acórdão de 22/03/2021, transitado em julgado em 04/05/2021, no qual se decidiu: «(…) julgar procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida na parte em que conhece do mérito da causa relativamente às parcelas indemnizatórias peticionadas pela autora a título de danos patrimoniais e ordena-se o prosseguimento dos autos para ser produzida prova sobre a factualidade controvertida que as sustenta, com a consequente reformulação dos temas da prova enunciados aquando da prolação do despacho saneador.».
Face ao decidido no acórdão, a M.mª Juíza da 1ª instância acrescentou os temas da prova pertinentes.
Instruídos os autos e realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os Réus do pedido.

2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. O Autor/Recorrente/Apelante apresenta Alegações de Recurso da Sentença proferida pelo tribunal a quo, que julgou inexistente a indeminização reclamada pela aqui Recorrente.
II. Entende a Apelante que a sentença deverá ser revogada, pois baseia-se, essencialmente, em pressupostos errados, posições pré-concebidas, e faz também uma errada apreciação dos factos, violando a lei adjetiva e substantiva.
III. O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1. A Autora G..., Lda. dedica-se à actividade de talho e exerce a sua actividade no rés-do-chão do estabelecimento comercial sito no prédio da Rua ..., freguesia ..., Porto, actividade que é exercida naquele espaço comercial há mais de 20 anos.
2. O prédio onde funciona o talho era, em 2018, propriedade de AA, casado com BB, residentes na Rua ..., ..., Paredes.
3. No ano de 2018 a Autora pagava de renda aos primeiros RR. a quantia mensal de € 38,00 (tinta e oito euros).
4. O prédio é constituído pelo estabelecimento comercial sito no rés-do-chão e por mais um piso de habitação que estava desocupado e em mau estado de conservação.
5. No final do mês de Fevereiro de 2018 os então proprietários do prédio enviaram uma carta registada à Autora a ‘dar a preferência’ na aquisição do prédio onde labora o talho, conforme doc. n.º 3 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, estabelecendo as condições para a compra e venda, designadamente: A) Promitente-comprador: C... Lda.; B) Valor de venda: 200.000,00 euros; C) A título de sinal a quantia de 75.000 euros; D) O remanescente do preço a ser pago no dia da escritura que se estima até ao dia 25/06/2018; E) No caso de a escritura não ser realizada nessa data, existirá um reforço de sinal no valor de 50.000,00 euros; F) Ónus que se transmitiam com o contrato: Contrato de arrendamento com a sociedade G..., Lda., relativo ao R/C do mesmo imóvel.
6. A Autora sociedade inquilina entregou em mão ao R., em 08/3/2018, carta de resposta à opção de preferência, conforme documento 4 da PI cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. O gerente da A., CC, contactou o Banco com que habitualmente a A. trabalhava, “O Banco 1..., S.A.”, da agência ..., no Porto, nas pessoas de DD e EE, no sentido de os sócios se financiarem para a aquisição do prédio, a título particular.
8. EE ligou para os RR., designadamente a pedir documentos, que lhe foram negados.
9. A pedido de CC foi realizada uma avaliação do imóvel pelo Banco, em 24/04/2018, no valor de € 200.200,00, conforme documento 7 da PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10. Foram emitidos avisos de cobrança de seguros de vida em nome de FF e CC, com as datas de 22/08/2018, conforme documentos 9 e 10 da PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11. Os RR. venderam o prédio à empresa C... Lda., por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 20/07/2018, no Cartório Notarial .... GG, sito na Rua ..., ..., ..., V.N.Gaia, conforme Doc. n.º 11 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Em 25/09/2018, a empresa que adquiriu o prédio comunicou à A. a aquisição por escritura pública e que a partir daquela data teria de pagar a renda a essa empresa para a conta com IBAN indicado na carta, conforme Doc. n.º 12 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. A sociedade C... aceitou comprar o imóvel sito na Rua ..., ..., no Porto, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na CRP com o n.º ..., no estado em que o mesmo se encontrava, a necessitar de obras e com o arrendamento existente no R/C em relação à A., pelo valor de € 200.000,00, que seria superior no caso de o imóvel estar em melhor estado de conservação e/ou não estar arrendado.
14. Os RR. estavam erroneamente convictos que a A. tinha direito de preferência e comunicaram-lhe as condições de venda, que a mesma declinou, tendo os RR. reunido os documentos necessários à celebração da escritura com a sociedade C....
IV. E, como não provados, indicou os seguintes factos:
a) A Autora tem como funcionários os seus 2 únicos sócios e gerentes, CC e FF, que se dedicam de corpo e alma, a tempo inteiro à empresa.
b) Sendo um talho sobejamente conhecido e granjeando de fama na zona, quer entre habitantes do ... quer entre os comerciantes da zona.
c) Na sequência da carta recebida, os gerentes da A., desassossegados, contactaram via telefone os proprietários do prédio e, nos dias seguintes, por várias vezes, tiveram longas conversas e encetaram negociações no sentido de adquirirem para a sociedade inquilina o prédio na sua totalidade.
d) Via telefone, chegaram a um entendimento para a compra do imóvel.
e) A carta enviada aos proprietários mais não era do que o formalizar uma proposta e opção de compra por €.: 135.000,00 euros anteriormente aceite e acordada por telefone conforme se mencionou supra.
f) As razões apontadas na carta enviada aos proprietários para justificar a aquisição do prédio por um preço abaixo dos 200.000,00 euros eram perfeitamente justificadas, aceitáveis e entendíveis ao senso comum de qualquer mortal pois, na verdade, nos últimos 20 anos toda e qualquer manutenção do prédio foi realizada exclusivamente a expensas da inquilina, aqui Autora.
g) Ao longo dos últimos 20 anos, o telhado do prédio necessitou de várias reparações de fundo, manutenções a cada Inverno que passava e a inquilina sempre efectuou os arranjos e reparações que o prédio necessitava, quer exteriores quer interiores.
h) E não era menos verdade que o prédio necessitava de uma profunda e urgente reforma estrutural, cujo orçamento seria certamente superior a 150.000,00 euros e, por esse motivo, desvalorizava o prédio, naquele momento.
i) A justificar a diminuição do preço de aquisição seria o facto de o valor da renda à data ser de valor muito baixo (€ 38,00) o que, em termos de rentabilidade financeira, atirava o valor de aquisição para níveis bastante inferiores aos 200.000,00 euros.
j)
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