Acórdão nº 3124/21.7T8CSC.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-12

Ano2023
Número Acordão3124/21.7T8CSC.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO

HERANÇA ILIQUÍDA E INDIVISA aberta por óbito de “MF”, representada por todos os seus herdeiros JF, viúvo, portador de cartão do cidadão nº … e contribuinte fiscal nº …, residente na Avenida … Covilhã MSF, solteira, …, contribuinte fiscal nº … residente na Avenida … Covilhã; TF, solteiro, …, contribuinte fiscal nº …, na Avenida … Covilhã, intentaram a presente AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO SOB A FORMA DE PROCESSO COMUM contra:
O… COMPANHIA DE SEGUROS SA, sociedade anónima aberta, pessoa coletiva nº …, com sede na Avenida … Porto Salvo.
O pedido consiste na condenação da Ré a:
A) Reconhecer que celebrou com a falecida MF um contrato de seguro de acidentes pessoal, titulado pela apólice: AP…9 e com o número de cliente58 e no qual se encontrava contratualizado uma cobertura indemnizatória, por dano morte, com o capital seguro de €74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos).
B) Pagar á Autora a quantia de €74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos), a título de indemnização contratual por dano de morte em virtude do falecimento da titular do seguro MF, em 31 de Dezembro de 2020.
C)Pagar ainda sobre a indemnização pedida ou a que vier a ser fixada, os juros legais vencidos e vincendos, contados a partir da citação, tudo com as legais consequências.
Para tanto, alega o seguinte:
Em 01-11-1995 a falecida MF celebrou no representante da ré, banco …, sucursal Covilhã Prestige, um contrato de seguro de acidentes pessoais, titulado pela apólice: AP…9 e com o número de cliente …58. Cfr. Doc.º nº 2.
Tal contrato de seguro de acidentes pessoais, titulado pela apólice nº…79, tinha a duração de um ano e seguintes, encontrava-se plenamente em vigor e com o prémio pago. Cfr. Doc.º nº 3.
No dia 31 de Dezembro de 2020, faleceu MF.
Um quadro de pneumonia bilateral cujo agente etiológico não se conseguiu identificar e que condicionou uma síndrome de dificuldade respiratória aguda e sepsis grave que não reverteu com todas as medidas de suporte e terapêutica e evoluiu para disfunção multiorgânica irreversível e morte. Como se observa do certificado de óbito nº … da DGS. Cfr Doc.º nº 4.
A falecida MF foi, pois, vítima de acontecimento fortuito, súbito e anormal devido a causa exterior e estranho à sua vontade e que, infelizmente, causou a sua morte.
Após o óbito da referida MF a herança ilíquida e indivisa, representada pelos seus herdeiros, participou aos funcionários do banco …, sucursal Covilhã Prestige, local onde tinha sido celebrado o seguro, o referido óbito para que fosse ativado o seguro.
No dia 31 de maio de 2021 a autora interpelou a Ré, por carta registada, com aviso de receção, a informar, novamente, o óbito da falecida MF e requereu uma segunda via das condições gerais e particulares do referido contrato de seguro de acidentes pessoais. Cfr Doc.º nº 5.
A Ré, não obstante, ter recebido a referida interpelação escrita, não disponibilizou os documentos solicitados, só o tendo vindo a fazer na sequência do processo especial de apresentação de coisas ou documentos (Processo nº 2363/21.5T8OER do Juízo Local Cível de Oeiras – Juiz 2). Cfr. Doc.º nº 6.
A Ré, no dia 03 de junho de 2021, via balcão do banco…, sucursal Covilhã, enviou uma carta aos herdeiros legais da falecida MF comunicando a anulação do contrato de seguro com efeitos a 1-01-2021 em virtude de falecimento do titular de seguro. Cfr Doc.º nº 7.
A Ré, não obstante ter conhecimento do óbito da falecida segurada MF e ter resolvido o contrato de seguro (apólice) com fundamento no falecimento da titular do seguro, não assume a responsabilidade indemnizatória emergente do referido contrato de seguro de acidentes pessoais quanto ao dano da morte da titular do seguro e que se encontrava contratualizado na quantia de € 74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos), sem franquia.
A Ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção, invocando a falta de personalidade judiciária da Autora, dizendo o seguinte:
Na acção, a Autora peticiona a indemnização contratual prevista nas condições particulares do contrato de seguro do ramo acidentes pessoais celebrado com MF, titulado pela apólice n.º AP…79, conforme condições que junta sob documento n.º 1.
Nos termos do referido contrato, em caso de morte, são beneficiários os herdeiros legais da pessoa segura.
Assim, têm legitimidade para propor a presente ação os herdeiros legais de MF.
A falta de personalidade judiciária de alguma das partes constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, conforme disposto nos artigos 278.º, n.º 1 al. c), 576.º, n.º 2, 577.º al. c), e 578.º do CPC.
Por impugnação, alega:
A ora Ré confirma a existência de um contrato de seguro do ramo acidentes pessoais celebrado com MF, titulado pela apólice de seguro n.º AP…79, conforme condições particulares anteriormente juntas sob documento n.º 1.
Para que a morte da pessoa segura esteja coberta pelo contrato de seguro em apreço, cabe aos beneficiários demonstrar que se encontram verificados, cumulativamente, os seguintes pressupostos:
- A morte da pessoa segura dever-se a um acidente, ou seja, a um acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade da Pessoa Segura e que nesta origine lesões corporais;
-A existência de nexo de causalidade entre o evento e a lesão, e entre esta última e a morte.
De acordo com o certificado de óbito da pessoa segura, junto com a petição inicial sob documento n.º 4, o falecimento da pessoa segura (MF) deveu-se a causa natural e não traumática.
Resulta da documentação junta aos autos pela Autora que a morte da pessoa segura deveu-se às seguintes causas:
“a) Falência multiorgânica;
b) Choque Refratário;
c) Síndrome de dificuldade respiratória aguda;
d) Pneumonia interstício-alveolar extensa bilateral a agente não identificado.
Pelo que, resulta claro que não estamos perante qualquer acidente, para efeitos do contrato de seguro em discussão.
De facto, o evento participado não se encontra coberto pela cobertura Morte contratada pela pessoa segura, motivo pelo qual, a aqui Ré declinou a responsabilidade de proceder ao pagamento de qualquer indemnização aos beneficiários do contrato aqui em apreço.
Todas as causas de morte referidas no certificado de óbito, supra melhor identificadas, configuram causas de morte endógenas, muitas vezes relacionadas com patologias clínicas já previamente diagnosticadas ao doente.
A falecida MF já previamente sofria de diversos problemas de saúde, os quais terão contribuído, naturalmente, para as causas de morte identificadas no certificado de óbito.
Ademais, não podemos ignorar que a pessoa segura, à data do óbito, já tinha 72 anos. Sendo que, o próprio envelhecimento é, entre outros, um fator de risco para o desencadeamento de distúrbios como os que conduziram à morte de MF.
Assim, teremos forçosamente de concluir que a falecida pessoa segura tinha doenças pré-existentes e uma predisposição natural para o quadro clínico que se veio a desencadear e do qual resultou a sua morte.
Face ao que supra se expôs, podemos desde logo concluir que a morte da pessoa segura, in casu, tratou-se de uma causa de morte natural e não acidental.
A morte da pessoa segura pelo contrato de seguro em apreço nos presentes autos não resultou de qualquer acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade da mesma, condição necessária para o enquadramento do evento ocorrido no âmbito da presente apólice. Tanto mais que, de acordo com a “informação clínica sobre a causa de morte”, anexa ao certificado de óbito, o quadro respiratório da falecida foi interpretado como pneumonia bilateral, cujo agente etiológico não se conseguiu identificar.
Ora, não tendo sido possível identificar o agente, não podemos concluir pela existência de qualquer causa externa à pessoa segura.
De facto, e ainda que a pneumonia da pessoa segura possa ter tido origem infecciosa (o que se desconhece), o agente infeccioso em causa podia fazer parte da flora endógena da pessoa segura e em situação de debilidade manifestar-se e dar origem a quadros graves.
Muito pelo contrário, para a evolução do quadro respiratório da pessoa segura foram determinantes as causas também elencadas no Ponto II das causas de morte referidas no certificado de óbito, nomeadamente, patologias debilitantes do sistema imunitário e do estado geral, já conhecidas pela pessoa segura e de longa data.
Uma vez que, foi não só a condição de saúde da pessoa segura à data do acidente, como também as suas características, causalidade adequada para o desencadeamento do evento em apreço.
Não tendo a morte da pessoa segura resultado de qualquer acidente (entendido como tal, qualquer acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade da pessoa, conforme expressamente previsto na apólice), sempre terá de concluir-se que o falecimento de MF não se encontra coberto pelas garantias da apólice.
Tendo sido o falecimento da pessoa segura consequência de doença / causa natural e não de acidente, nos termos e para os efeitos da apólice de seguro em apreço nos autos e tal como aí se encontra definido, não poderá a ora Ré ser responsável pelo pagamento da indemnização peticionada pela Autora nos presentes autos.
Neste sentido, a Ré impugna, nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º 3 do CPC, quer por desconhecimento, quer por falsidade, toda a matéria factual vertida pela Autora nos artigos 5.º; 6.º; 8.º; 12.º; e 13.º a 15.º da petição inicial.
Ademais, a Ré impugnou, nos termos gerais, todos os documentos juntos pela Autora que não sejam da lavra ou da autoria da aqui Ré.
A Autora herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de “MF
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