Acórdão nº 3119/21.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23-11-2023
Data de Julgamento | 23 Novembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 3119/21.0T8FAR.E1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 3119/21.0T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:I – RELATÓRIO
1. Perfectcastle, Ld.ª, instaurou a presente ação, sob a forma de processo comum, contra Shiraz – Restaurants Unipessoal, Ld.ª, pedindo que a Ré seja condenada a entregar à Autora o imóvel urbano que identificou, e a pagar-lhe a quantia de 9.041,39€, correspondente ao valor das rendas vencidas até outubro de 2021, acrescida das rendas vincendas à razão mensal de 590,67€, até efetiva entrega da loja, e de uma indemnização pela mora, de 590,67€ por cada mês, desde o trânsito em julgado da sentença que declare resolvido o contrato, e até à sua efetiva entrega.
Em fundamento da respetiva pretensão invocou ter sucedido num contrato de arrendamento comercial que havia sido celebrado com a Ré, não tendo esta pago as rendas devidas na totalidade, desde abril de 2020, opondo-se ainda à renovação do contrato após o período inicial da sua duração.
2. Regularmente citada, a ré contestou e deduziu reconvenção, invocando que a falta de pagamento das rendas se deveu à situação de pandemia, tendo tido o restaurante fechado, e ainda que, no período inicial do contrato, levou 2 anos a realizar profundas obras de benfeitorias necessárias e úteis no locado porque este não estava em condições de abrir, tendo sempre avisado a Autora da sua situação, e pedido uma moratória no período da pandemia, havendo uma alteração das circunstâncias, pelo que, terminou pedindo que a presente ação seja julgada totalmente improcedente, por não provada, e que:
«a) Seja conferido à Ré o direito a ver modificado o contrato de arrendamento, segundo juízos de equidade, a definir por esse douto Tribunal, e nas condições que enumerou no artigo 151º da contestação;
b) Seja declarada nula e sem qualquer efeito a oposição à renovação unilateral do arrendamento exercida pela Ré, por mais 5 anos, com início em 01.01.2022, efetuada pela Autora, permanecendo o contrato válido para o novo quinquénio, e com términus a 01.01.2027;
c) Caso assim não se entenda, e venha o contrato de arrendamento a ser judicialmente resolvido, se condene a Autora a pagar à Ré uma quantia não inferior a 100.000,00€, a título de compensação pelas obras de benfeitoria, úteis e necessárias, efetuadas pela Ré no locado;
d) Seja ainda a Autora condenada a pagar à Ré o quantitativo de 25.478,47€, relativos a todos custos e lucros cessantes incorridos pela Ré, no período de 15.02.2021 a 15.06.2021, período no qual não pode a Ré exercer a sua atividade, por responsabilidade exclusiva da Autora».
3. A autora replicou, invocando constar do contrato de arrendamento que a Ré aceitou o imóvel nas condições em que se encontrava, reconhecendo que estava em bom estado de conservação, tendo aceite sucessivamente períodos de não pagamento das rendas, impostos unilateralmente pela Ré, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional, impugnando os valores peticionados e mantendo a posição vertida na petição inicial.
4. Realizada a audiência final foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Da ação
a) Julgar extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido de pagamento das rendas em atraso deduzido pela Autora Perfectcastle, Lda à Ré Shiraz – Restaurants Unipessoal, Lda por tais valores terem sido pagos na pendência da presente ação;
b) Absolver a Ré do demais peticionado pela Autora;
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Da reconvençãoc) Proceder à modificação do contrato de arrendamento de 10 de março de 2017 de fls. 9-vº a 12 dos autos em vigor entre a Autora Perfectcastle, Lda e a Ré Shiraz – Restaurants Unipessoal, Lda, alterando a cláusula 2ª, n.º 2, no sentido em que a falta de pagamento atempado das rendas não abrange a situação excecional provocada pela pandemia Covid-19, tendo a Ré direito a renovar unilateralmente o contrato de arrendamento por mais 5 anos, com início em 1 de janeiro de 2022, pelo que o contrato se mantém em vigor entre as partes, salvo incumprimento posterior por qualquer uma delas, por alteração das circunstâncias, na sequência da pandemia Covid-19.
d) Julgar extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido reconvencional deduzido pela Ré Shiraz – Restaurants Unipessoal, Lda contra a Autora Perfectcastle, Lda quanto à questão da indemnização por benfeitorias realizadas no locado e por custos da sua atividade em período que não a podia exercer por responsabilidade da Autora».
5. Inconformada, a Autora apelou, formulando as seguintes conclusões[3]:
«2.º O pagamento, atempado e integral das rendas durante a constância do período inicial do contrato, permitiria à Ré a renovação do mesmo por igual período de 5 anos, situação que a Ré bem sabia e não podia desconhecer! (…)
Objectivamente a Ré estava em incumprimento e tinha a perfeita noção de o estar.
3º. Alega a Ré, sendo nisso seguida pela M.ª Juíza “a quo” que o incumprimento se ficou a dever ao período de pandemia, que ocorreu em todo o Mundo e nomeadamente no nosso País. (…)
Invocou a Ré em sua defesa que o IHRU não lhe tinha concedido tal apoio pelas razões que refere no seu articulado, matéria que, contudo, não ficou minimamente provada como consta das alíneas o) e p) (pág. 13 da sentença recorrida).
Consequentemente, o incumprimento da R. perante a A. no caso dos autos, não foi minimamente suprida, por essas medidas do Governo, antes foi duramente sentida pela Autora.
4º. Acresce que, apesar das facilidades concedidas pela Autora na reunião de 18 de Setembro de 2020 a fim de que a Ré viesse a cumprir a promessa de pagamento das rendas em falta, a mesma não cumpriu os pagamentos que prometera efectuar.
E de tal modo o não fez, que, se tornou evidente para os gerentes da Autora que a Ré no prazo por ela própria, Ré, livremente estipulado, as rendas acabaram por não ser pagas, como efectivamente o não foram!!!
Por esse motivo, a Ré tentou obter alegadas razões para esse incumprimento, como, designadamente, a queda da massa de esboço de uma sanca, invocando que a mesma impedia a entrada no restaurante dos autos!
O certo é que, como expressamente, o referiu a este Tribunal a testemunha AA, a queda que ocorreu não foi de nenhuma pedra, como falsamente referiram algumas das testemunhas da Ré, mas apenas da massa de esboço dessa sanca (que é bem diferente de pedra!) e cuja queda ocorreu não por cima da porta de entrada, mas na zona da esplanada, reparação que os gerentes da A. mandaram efectuar, logo que, obtiveram pessoal disponível para o efeito!
5º. Entretanto, alega a Ré que esteve impossibilitada de utilizar o locado desde 15 de Fevereiro de 2021 até ao dia 15 de Junho de 2021 por causa da questão da sanca, o que como já demonstrámos não corresponde à verdade, na medida em que tal situação da queda de parte da sanca na esplanada não impediu o uso do restaurante no seu interior.
6º. Todavia, o certo é que já depois de Junho de 2021 e sem qualquer razão justificada, a Ré não pagou à A. as rendas vencidas nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2021!!!
Sendo que nesse período o restaurante estava a funcionar livremente, numa época alta de Verão e na altura de um grande fluxo de turismo ao Algarve logo após a retoma pós pandemia! (…)
8º. Ora, ainda que se considerasse, por mera hipótese, que, por força da situação de pandemia ou da própria actuação demonstrada pela Autora na questão da sanca, estavam justificados os incumprimentos anteriores da Ré perante a Autora, nada justificava que após a retoma da actividade de restauração, e sobretudo no período de Verão que incluía os meses de Julho, Agosto e Setembro, a Ré não cumprisse com o pagamento atempado da renda nesses aludidos meses, sendo que tal incumprimento decorre no período em que a própria Ré se tinha, unilateralmente, como se reconhece na própria sentença recorrida, obrigado perante a Autora a cumprir escrupulosamente as obrigações por ela própria assumidas!!!
E, em face disto, e tal como o sócio maioritário da Autora, Sr. Dr. BB, afirmou em audiência de julgamento, a credibilidade da Ré, perante a Autora esvaiu-se completamente, tornando-se para a Autora evidente a total perda de confiança na Ré!!!
Tal situação está expressamente reconhecida pelo Tribunal no n.º 32 dos factos provados, donde se extrai que "Nos meses de julho, agosto, setembro de 2021, a atividade do restaurante não foi suficiente, contrariamente ao que a Ré expectava, razão pela qual não pode cumprir com o valor de 3.272,01 € referente ao conjunto desses meses (artigo 89.º da contestação)".
E mais se refere nos factos provados no ponto 33 "A Ré efetuou os seguintes pagamentos à Autora por conta das rendas:
a) 04-10-2021, 590,67 €;
b) 04-10-2021, 500,00 €;
c) 03-11-2021, 590,67 €;
d) 03-11-2021, 500,00 € (artigo 93º da contestação)."
Ou seja, de todas as rendas em dívida enunciadas na petição inicial da acção pela Autora a Ré apenas pagou as rendas atrás assinaladas!
9º. O pagamento da renda, sabia-o a Ré, era essencial à manutenção em funcionamento do seu estabelecimento comercial, sustentado no contrato de arrendamento a que se faz referência nestes autos.
Assim, a Ré deveria ter como primeira preocupação para prossecução da sua actividade o cumprimento desse contrato, e nomeadamente das rendas em dívida.
A invocação de que "a actividade do restaurante não foi suficiente contrariamente ao que a Ré expectava" não é motivo justificativo do não pagamento da renda, salvo o que muitos restaurantes deste País justificariam o seu incumprimento!!!
Tinha decorrido já o período mais transmissível da Pandemia e a Ré não cumpriu no que se relacionou com os meses de Julho, Agosto e Setembro de 2021, não cumprindo também, como já se disse, com a própria promessa que fizera à Autora de modo unilateral e absolutamente livre.
Consequentemente a Autora entendeu não protelar mais a situação, iniciando a presente acção judicial.
10º. Alega a...
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