Acórdão nº 31/20.4TNLSB-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-01-2023

Data de Julgamento10 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão31/20.4TNLSB-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Processo n.º 31/20.4TNLSB-A.L1
7ª Secção

Apelante/Requerido: NFL.
Apelada/Requerente: MMRPTL.”.

I. Relatório
1.1. Pretensão sob recurso: revogação da decisão recorrida, tudo com as legais consequências.
1.1.1. Pedido: venda antecipada da embarcação X….
A requerente alegou, em síntese, que:
O X... está arrestado à ordem destes autos desde 21/05/2020 e imobilizado desde 27/05/2020, encontrando-se amarrado nos dois locais de amarração na Marina de ..., sem navegar e sem ser objeto de qualquer uso. O X... está a nado e não a seco e não opera desde a data do arresto, o que impede que o motor e a hélice sejam colocados a funcionar de forma plena. O depositário informou a requerente que o Skipper está com cerca de €20.000,00 de salários em atraso e a requerente já suportou cerca de €36.635,36 de custos com a manutenção do arresto e outros, para além de honorários com advogados. O X... encontra-se a desvalorizar-se, pois que em 20/12/2021 foi avaliado em €2.680.000,00 e em julho de 2022 o valor comercial já era de €2.200.000,00. O valor comercial do X... já não será suficiente para satisfazer o crédito da requerente.
Notificados os requeridos para se pronunciarem sobre a requerida venda antecipada, nada disseram.
Foi proferida decisão do seguinte teor:
Nestes termos, e com tais fundamentos, determino a venda antecipada do X..., registado em … com a matrícula nº … e o indicativo de chamada ….
Atenta a última avaliação efectuada, o valor base pelo qual deve ser promovida a venda da embarcação X... é de €2.200.000,00, a efectuar por negociação particular pelo depositário nomeado nos autos, Eng.º JP
Notifique (Requerente, Requeridos, Depositário e Marina de ...).”.
1.2. Inconformado com esta decisão, veio o requerido NFL apelar, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido de fls… de 30.09.2022 deve ser revogado;
2. Inexiste fundamento legal para autorizar a venda antecipada de bens arrestados em procedimento cautelar de arresto, sendo que tal instituto, previsto para o processo de execução, é estruturalmente incompatível com a natureza do arresto;
3. A remissão empreendida pelo atual n.º 2 do artigo 391.º do CPC para o regime da penhora - correspondente ao anterior n.º 2 do artigo 406.º do CPC pregresso -, visa apenas a aplicação ao arresto das normas relativas à penhora respeitantes à admissibilidade, limites e forma da apreensão judicial de bens;
4. Verificando-se, assim, no caso em apreço, que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 391.º do CPC;
5. Pelo que deve revogar-se o douto despacho de fls., dado não ser legalmente admissível a venda antecipada de bens no âmbito do procedimento cautelar nominado de arresto, carecendo, assim, de fundamento legal, a venda antecipada da embarcação arrestada nos presentes autos, o X...;
6. Ainda que assim não fosse, que é, a venda antecipada de bens é sempre uma solução de exceção, seja na execução, onde está especificamente prevista, seja no arresto, caso se admitisse, por mera hipótese académica, a sua aplicabilidade neste último caso;
7. E de exceção porquanto só nos casos em que se verifique uma anormal deterioração do bem - e sempre em função da sua natureza (especialmente) perecível -, é que tal venda poderia ser autorizada;
8. Compulsada a materialidade de facto sobre a qual o Tribunal estribou a sua análise, tem de concluir-se que da mesma não decorre uma situação de facto, quanto à embarcação X..., que transcenda a normal deterioração a que, pelo decurso do tempo, está sujeita (qualquer...) uma embarcação;
9. Tanto mais que se trata de um bem duradouro e não especialmente perecível;
10. Pelo que sempre deve revogar-se o douto despacho de fls., com as legais consequências.
A requerente contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A decisão de venda antecipada deve manter-se nos exatos termos em que foi proferida devendo o recurso ser julgado improcedente.
2. O crédito da Recorrida deriva de mútuo acordado com o Recorrente da quantia de £1.200.000 (um milhão, duzentas mil libras esterlinas), garantido por hipoteca sobre o X... concedida pela sua Proprietária, nos termos do qual o Recorrente se obrigou a restituir o capital mutuado, acrescido de juros compensatórios vencidos até dia 31 janeiro de 2020 à taxa GBP LIBOR a 6 meses, acrescido de 1%, e, ainda, em caso de incumprimento, de um juro moratório calculado à taxa G…P … a 6 meses, acrescido de 1% + 5%.
3. O Recorrente não pagou nada à Recorrida por conta do mútuo, ascendendo o montante de capital em dívida na presente data à quantia de £ 1.200.000, a que se adicionam os juros vencidos até hoje de £ 247.004,44, perfazendo tudo um total de £1.447.004,44 / €1.653.001,49 à taxa de conversão do Banco de Portugal vigente em 14/11/2022.
4. O montante do crédito de juros irá subir exponencialmente, atenta a atual pressão inflacionista e a subida das taxas de juro que os Bancos Centrais têm operado.
5. O X... está arrestado à ordem do processo de arresto desde maio de 2020 (há cerca de dois anos e seis meses), a nado ou a flutuar, amarrado aos seus dois locais de amarração sitos na Marina de ..., com a hélice presa com correntes, fechado, com avisos ou anúncios de arresto afixados, em risco de se perder por incêndio, sem operar ou sequer ser utilizado pelo Recorrente, Recorrida ou por terceiro e sem auferir qualquer rendimento, estando entregue a fiel depositário que o mantém em termos mínimos e da forma possível.
6. A atual condição do X... impede que se proceda a vistorias às obras vivas (abaixo da linha de água) do X..., sendo os trabalhos de manutenção sobre o X... os possíveis, mas de pouca monta, sendo expectável que o casco do X... esteja a ganhar vegetação ou vida marinha.
7. O Skipper ou o Capitão do X... abandonou-o no outono de 2021 e tem salários em atraso de cerca de Euros 28.000.
8. A Recorrida já incorreu em despesas de manutenção do arresto e em despesas de manutenção do X... na ordem dos Euros 40.000, despesas essas que irão subir exponencialmente em cerca de Euros 9.000 mensais a partir de janeiro de 2023 atento que o aluguer dos locais de amarração vai passar a ser cobrado junto da Recorrida pela Marina de ....
9. A colocação do X... em condições de operacionalidade logo que seja vendido a terceiro ou logo que o Recorrente pague o que deve à Recorrida envolverá certamente a necessidade de o colocar a seco ou em doca e a realização de uma revisão geral de todos os seus sistemas, podendo até envolver alguma recertificação, o que acarretará ainda mais custos consideráveis, a suportar pelo seu comprador ou pelo Recorrido.
10. O X... não tem seguro de danos próprios e seguro de responsabilidade civil pelo que a Recorrida está a obter cotações para segurar a embarcação, rondando as cotações do prémio de seguro anual a pagar os €20.000.
11. A Recorrida custeou até hoje quantias avultadas com honorários de advogados que exercem no Reino Unido (jurisdição de bandeira do X...), na Suíça (onde corre a ação de mérito) e em Portugal (onde está pendente o arresto).
12. O Recorrente e a Proprietária foram citadas no âmbito do procedimento cautelar de arresto da decisão que decretou o arresto e da efetivação do mesmo, e não deduziram qualquer oposição, ou sequer apresentaram recurso, quanto à decisão que o decretou; e não prestaram qualquer caução e nem requereram a substituição do bem arrestado por qualquer outra garantia ou caução, mantendo-se em silêncio nos autos de arresto desde que o arresto foi decretado e efetivado. Mas o Recorrente mantém representação legal nos autos desde cedo no procedimento.
13. O Recorrente e a Proprietária estão também citadas na ação de mérito que corre termos na Suíça, tendo-se já feito representar por advogado numa tentativa de conciliação que ocorreu em 30/06/2022, mas depois falhado sem qualquer justificação com a sua presença numa audiência seguinte que foi agendada naquela primeira audiência com vista a permitir às partes negociar.
14. O Recorrente e a Proprietária foram notificadas do requerimento de venda antecipada apresentado pela Recorrida e, dispondo de prazo para o fazerem, não se opuseram ao teor do mesmo ou sequer se pronunciaram sobre o conteúdo do mesmo, aceitando-o tacitamente por falta de contestação.
15. Em 20 de dezembro de 2021, o X... valia comercial mente cerca de Euros 2.680.000, sendo o seu valor de liquidação ou venda sem demora inferior e de apenas €1.700.000.
16. Em julho de 2022, o X... apresentava os seguintes valores revistos: (1) valor comercial de Euros 2.200.000 (2) valor de liquidação de €1.480.000.
17. Em apenas seis (6) meses o valor comercial e de liquidação desceram substancial mente (de €2.680.000 para €2.200.000, de €1.700.000 para €1.480.000), a saber, €480.000 (e não €480! como se alega) e €220.000, respetivamente.
18. O valor de liquidação atualizado do X... já não chega sequer para satisfazer o crédito da Recorrida, muito menos as despesas já incorridas e as que se esperam vir a ser necessário incorrer a partir desta data (que se estimam vir a ser ainda mais elevadas e a prolongar-se por alguns anos caso a venda não seja desde já autorizada).
19. A prolação de uma qualquer decisão judicial no processo pendente desde junho de 2020, que a Recorrida ainda não dispõe, ainda que não contestada e a tomar pelo Tribunal Suíço, demorará sempre o seu tempo a ser emitida e a transitar em julgado, realidade que se agudiza e prolonga no tempo porque se trata de decisão, judicial a tomar em jurisdição que não a Portuguesa, como é a da Suíça, com necessidade de, ainda, ser reconhecida no nosso País para neste valer como título executivo.
20. O tempo normal esperado para que a Recorrida disponha de título utilizável em sede de processo executivo próprio, ou em sede de reclamação, verificação e graduação
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