Acórdão nº 30831/21.1YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-09-22

Ano2022
Número Acordão30831/21.1YIPRT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

M. D., intentou a presente ação contra M. C., pedindo que esta fosse condenada a pagar a quantia de €10.602,00, sendo € 7.000,00 de capital (rendas em atraso) acrescido de €3.500 de indemnização da mora e € 102,00 respeitante à taxa de justiça paga.
Alegou a celebração entre as partes de um contrato de arrendamento agrícola em 01/07/2015, pelo período de sete anos, correspondendo o crédito reclamado à renda agrícola em dívida referente aos anos 2019 e 2020, no valor anual de 3500,00€, que deveria ter sido paga em prestação única, respetivamente, até ao último dia do ano 2019 e até ao último dia do ano de 2020, adicionado do valor de 3500,00€ correspondente a 50% do valor da renda, e adicionado da taxa da justiça no valor de 102,00€, perfazendo um total de 10602,00€.
A ré deduziu oposição, negando dever qualquer renda à autora, em virtude da atempada denúncia do contrato nos termos e para os efeitos do art. 19.º, n.º 5 do Decreto-lei n.º 294/2009.
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A final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido formulado.
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Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões (transcrição):

1) A decisão recorrida resulta da soma de vários erros de apreciação da prova, nomeadamente na qualificação da credibilidade ou não credibilidade de testemunhas, do erro na análise da prova produzida, incluindo importante prova documental (nomeadamente do contrato de arrendamento, da missiva remetida pela Ré à Autora e da transacção judicial celebrada entre ambas no processo n.º 118626/19.0YIPRT) e, ainda, por consequência (mas não só), de vários erros de raciocínio e de aplicação do Direito aos factos.
2) Só uma tal sucessão de erros é que justifica que se tenha errado na interpretação de outra ação judicial; se tenha negligenciado a importante prova confessória da aqui Ré; entre tantos outros erros que infra se abordarão e que apenas poderiam desaguar numa sentença que é inaceitável em todos os aspetos, se nada mais fosse, por não corresponder minimamente à verdade dos factos nem atender aos interesses legítimos em causa.
3) Já o saudoso Antunes Varela, na sua clareza de pensamento, dizia que se uma decisão for, aos olhos de um leigo, intolerável, não poderá estar correta. E esta sentença não pode estar correta.

I. Da credibilidade do depoimento das partes e suas testemunhas
4) O julgador a quo, antes de mais, mostrou inusitada benevolência e candura no exame crítico ao depoimento da Ré/Recorrida, que, como se admite na sentença sob recurso, apresentou um discurso “nervoso e emocionado” sobre questões fundamentais, tendo sido totalmente contraditório relativamente a uma questão fulcral: o momento a partir do qual a própria ficara convencida que o contrato terminara. Sobre esse ponto, ora afirmou que esse convencimento ocorreu aquando de uma conversa havida no ano de 2017 com a Autora, em casa desta, ora aquando da subscrição da missiva por si alegadamente remetida em 02.01.2018, ora aquando da celebração da transacção no âmbito do processo n.º 118626/19.0YIPRT. Ainda assim, a sentença recorrida, de forma surpreendente e contraditória, na sequência do exame do depoimento da testemunha T. M., ter afinal considerado que a Ré assumiu “uma postura bastante clara e inequívoca sobre a sua conduta contratual.”.
5) Diante de um discurso tão nervoso e emocionado, e tão contraditório, muito nos surpreende a sentença sob recurso quando, atribuindo credibilidade à Ré, dá como assente: que esta última havia transmitido verbalmente à Autora a sua intenção de abandonar a actividade agrícola e de denunciar o arrendamento; que, ainda assim, remeteu uma missiva elaborada com base em minuta retirada da internet; e que, através dela, transmitiu expressamente uma intenção que nem indiciariamente resulta da respectiva letra, conforme a própria sentença admite ao considerar que, independentemente disso, a Ré estava convencida de uma realidade alternativa, que já era conhecida da Autora, justificando o infeliz recorte jurídico da comunicação com base na falta de conhecimentos jurídicos da Ré! Ora, a ignorância da Lei não aproveita a ninguém, e, muito menos, deve originar um prejuízo grave de terceiros, no caso a Autora.
6) Recorde-se que a Ré não é analfabeta, antes detém o 12.º ano de escolaridade, frequentou um curso superior e esteve sempre representada por Advogado, mesmo na fase pré-judicial, em que houve negociações entre o seu ilustre mandatário, Dr. V. V., e o ilustre mandatário da Autora, Dr. B. S.. Já na fase judicial, a Ré teve o patrocínio do ilustre Advogado Dr. I. A..
7) Por outro lado, veja-se como se revela ilógico concluir que a Ré, aquando da transacção do processo n.º 118626/19.0YIPRT, já tinha plena consciência de ter operado válida e eficazmente a denúncia ou a resolução (nem o tribunal a quo conseguiu definir o que facto jurídico se efectivou, pasme-se!) e, mesmo assim, ter aceitado pagar a totalidade da renda referente ao ano de 2018. Então não ficara “convencida” que o contrato tinha terminado no final do mês de fevereiro de 2018?! O tribunal, sensibilizado com o teatro de comoção da Ré, perdeu discernimento e não raciocinou diante da documentação autêntica e dos depoimentos dos intervenientes processuais (partes e testemunhas). Aliás, tresleu essa documentação, mormente a missiva datada de 30 de Dezembro de 2017 e a sentença que homologou a transacção do processo n.º 118626/19.0YIPRT, para ir de encontro à versão da Ré.
8) Sobre o depoimento da Ré, e atento o supra exposto, o tribunal a quo foi ainda ao ponto de considerar que “a versão da Ré mereceu-nos mais credibilidade, quer pela coerência intrínseca do seu relato, quer pela sua corroboração através da prova documental carreada” (o destaque a negrito é de nossa autoria). (Cfr. Depoimento prestado pela Ré perante o Julgador no dia 03.12.2021 e gravadas em CD, através do sistema integrado da gravação digital (H@bilus Media Studio), desde 00.01.30 a 00.02.30, desde 00.02.40 a 00.02.45, desde 00.03.55 a 00.04.45, desde 00.05.50 a 00.07.29, desde 00.07.50 a 00.08.13, desde 00.10.30 a 00.12.15, desde 00.12.25 a 00.16.02, e desde 00.16.10 a 00.17.13, que aqui se considera por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
9) No tocante ao depoimento da testemunha arrolada pela Ré, seu marido e subarrendatário, o tribunal a quo considerou-o, a partir de determinado momento, profundamente equívoco e contraditório, mormente ao asseverar que “entendeu que a partir da missiva o contrato se encontrava terminado, dizendo depois que afinal tal convicção só surgiu em si aquando da transação na 1.ª injunção”. Ora, dada a sua qualidade de sub-arrendatário, dada a relação familiar à própria Ré e por ter sempre acompanhado esta última no desenrolar da factualidade, não podemos deixar de verificar que se mostra absolutamente inverosímil e contrário ao norma devir que o entendimento desta testemunha fosse distinto do da Ré, que, por sinal, relativamente a essa matéria, também se mostro titubeante, ora afirmando que o seu convencimento relativamente ao término do contrato se produzira aquando da conversa com a Autora, em 2017, ora aquando da subscrição e endereço da missiva, ora aquando da transacção alcançada pelas partes no processo n.º 118626/19.0YIPRT.
10) A sentença recorrida considerou ainda o facto desta mesma testemunha ter confirmado que na conversa mantida com a Autora em finais de 2017, uma semana antes de lhe enviarem “a carta”, lhe tinham transmitido que queriam “deixar de arrendar”. Ora, a pergunta impõe-se: deixar de arrendar quando? A partir daquele preciso momento? A partir de Fevereiro de 2018? Ou a partir de 30.06.2022? Não foi esta testemunha esclarecedora, mas o tribunal, sem suporte probatório, concluiu que a Ré teria a intenção, disso estando convencida, de consumar uma denúncia ou resolução com efeitos imediatos, o que, na verdade, não resulta da declaração escrita integrada na missiva subscrita a 30 de Dezembro de 2017 e efectivamente endereçada a 2 de Janeiro de 2018. Aliás, dessa comunicação resulta literalmente o oposto. Ou seja, a Ré alude especificamente à Cláusula 4.º do contrato de arrendamento e garante, preto no branco, que irá pagar a renda até ao final do contrato, gerando na Autora essa legítima expectativa que o tribunal a quo desfez, produzindo uma decisão contra legem, assente em interpretação correctiva, injusta e violadora do princípio da segurança jurídica.
11) A sentença recorrida vem, ainda, “desculpar” o depoimento profundamente contraditório desta testemunha, justificando que a mesma não era parte na relação contratual. O facto é que era, por ter sub-arrendado o locado à Ré, que pediu autorização, em 19.01.2016, à Autora, tendo tido o conhecimento jurídico para o fazer nos termos legais, conforme se vê do Doc. C, que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
12) Além disso, o facto de ser o marido da Autora fez nascer nele o interesse em que a decisão a exarar nestes autos lhe fosse favorável.
(Cfr. Depoimento prestado pela testemunha da Ré, T. M., perante o Julgador no dia 03.12.2021 e gravadas em CD, através do sistema integrado da gravação digital (H@bilus Media Studio), 00.00.05 a 00.02.00, e desde 00.06.30 a 00.18.28, que aqui se considera por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
13) O tribunal a quo voltou a errar na apreciação que fez do depoimento da Autora, que considerou ter sido inflamado e com pouca credibilidade, o que não corresponde à verdade. A Autora, naturalmente, mostrou-se genuinamente agastada por não ter recebido o valor das rendas, por ter ficado sem os vinhedos (destruídos pela Ré), e por ter visto o seu prédio entregue ao abandono. Isso não a impediu, porém, de depor com verdade,...

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