Acórdão nº 3078/19.0T8LRA-C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-01-18

Ano2022
Número Acordão3078/19.0T8LRA-C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:[1]

I - A) - 1) – A. , residente em ..., ..., instaurou, em 26/09/2019, com pedido de citação urgente, nos termos do art. 561º do CPC, contra a B. (1ª Ré) e C. (2ª Ré), acção declarativa, de condenação, com processo comum, para efectivação da responsabilidade civil emergente dos danos que sofreu, decorrentes de um acidente, ocorrido em 28/9/2016, e que consistiu na sua queda ao solo, provocada por um canídeo pertença da Ré C. , que, na ocasião, tinha segurada na co-Ré a responsabilidade emergente dos danos provocados pelo referido animal.

Pediu, por danos patrimoniais e não patrimoniais, a condenação solidária das Rés a pagarem-lhe a quantia de € 7 369,42.

[2]«[…]» fundamenta a sua pretensão, em síntese, que no dia 28 de Setembro de 2016 a A. e seu marido dirigiram-se para a Praia .... e quando aí se encontravam, “subitamente, vindo não se sabe donde, um cão de grande porte precipitou-se sobre a A. arremessando-a ao chão”, cão que a A. já antes tinha visto à distância de 50/80m junto ao lodo. Porém a sua dona, a aqui 2ª Ré, viera buscá-lo e tirá-lo junto ao mar e do risco que corria perante a possibilidade de sobrevirem ondas mais fortes que o assustassem. Foi algum tempo depois e enquanto a A. estendia na areia a sua toalha de banho que o animal se precipitou sobre ela. O Cão tinha peso superior a 50 kgs e, aparentemente, veio em corrida. A A. caiu de costas no chão de areia bastante consistente, eventualmente por, pouco antes, no local ter passado a água do mar, em maré-cheia. O cão não mordeu, nem tomou qualquer atitude para morder, mas o impacto do seu corpo na A. precipitou-a no solo.

Pouco depois apareceu a dona do cão dizendo que o animal não era perigoso, nem potencialmente perigoso, mas que se soltara, eventualmente porque a areia que prendia a trela ao solo não oferecer a consistência necessária e porque o animal na ansia de gozar de alguma sombra, se desenvencilhou da coleira, devido ao calor.

Disse a dona do cão, ora 2ª Ré: “se a senhora sofreu danos em virtude do impacto e queda deve contactar a minha seguradora (a ora 1ª Ré) porque eu tenho seguro” e indicou o nome da seguradora e a respetiva apólice.

A A., já não tirou proveito da tarde pois sentia enormes dores nas costas, alguma falta de ar, certa dificuldade em respirar e significativa ansiedade e “dirigiu-se ao Centro Hospitalar de ..., logo em 28/09/2016 e foi-lhe diagnosticada: “fractura da coluna lombar, fechada, sem lesão medular (duas incidências) tendo necessidade de ajudas técnicas por traumatismo dorso-lombar, através da fixação de dorso lombostato.” Da queda resultou “fractura da D12-AO A 3, sem lesão medular”, conforme documentos que junta, tendo ficado internada até ao dia 30-09-2016. Fez r/x e levou receita médica que determinou: “que usasse colete compressor até à consulta de controlo marcada para dois meses depois”.

Mais refere os medicamentos que teve que tomar, que teve que fazer fisioterapia, teve de usar quer de dia quer de noite, de pé, sentada ou deitada, durante mais de 4 meses um colete torácico e os transtornos e sofrimento que isso lhe causava.

Diz ainda que hoje, mesmo sem o colete, “ainda ocasionalmente a dor, insidiosa, aparece em circunstâncias que a A., mal consegue definir: um movimento, um gesto, uma mudança de tempo ou condições atmosféricas, às vezes uma simples manifestação de alegria ou pesar”. Por isso se reclama a título de danos não patrimoniais indemnização de 5.000,00€ (cinco mil euros) pois apesar de tal dor ser considerada moderada (de grau 4) era tão continuada que se tornava superior a 6 ou 7.

Mais diz que a A. que, antes de sofrer o sinistro, em sua casa, onde vive com o seu marido, fazia todos os trabalhos domésticos que melhor descreve, mas teve no período de absoluta incapacidade e mesmo durante o período de relativa incapacidade, de se fazer substituir nessas funções. Reclama, pagamento de danos patrimoniais emergentes: a) com o recurso a terceiros, até 13- 05-2017 (sete meses) para limpeza doméstica, a Autora despendeu 1.739,19€; b) por necessitar de terceiros para cuidar de certos aspetos da sua higiene pessoal gastou a Autora 49,50€; c) no Centro de Saúde de ... despendeu 9,00€; d) no Centro Hospitalar de ..., a título de taxas moderadoras, pagou 39,60€; e) Em sessões de fisioterapia pagou 57,00€; f)) Na Farmácia ... despendeu 75,13€; g) Em gasóleo para as várias deslocações a ... para consultas e tratamentos despendeu 200,00€; h) Em roupas que teve de adquirir, mais largas por via do uso do colete gastou 200,00€.

Alega de direito dizendo, em síntese, que o dever de indemnizar, quer com fundamento na violação de danos patrimoniais quer não patrimoniais, acha-se consagrado no artº 483º e 496 ambos do C. Civil. Por outro lado, a obrigação de vigilância sobre animais e coisas ou atividades acha-se consagrada no artº 493º do Cód. Civil. “Todavia, como se trata, no caso presente dos cuidados impostos à proprietária do animal, o artigo aplicável seria o artº 502º do C. C. já que os danos resultaram do perigo especial que um animal como o referido, pode causar a uma pessoa (Vaz Serra, in Bol.86-5), não sendo de arredar o principio de que a responsabilidade não depende da violação de quaisquer regulamentos que disciplinem a utilização dos animais (P. de Lima in anot. ao artº 502º do C. Civil)”.

Diz ainda que a 2ª Ré tinha a responsabilidade por danos causados pelo seu animal transferidos para a 1ª Ré por contrato de seguro titulado pela apólice nº 784. 777.17. Conclui que do exposto resulta a legitimidade das Rés.


*

Citadas, contestaram ambas as Rés.

A ré C. invoca a sua ilegitimidade pois o cão referido pela Autora é da sua filha D. , a quem a Ré e o marido o ofereceram em maio de 2015, sendo a D. quem se assumiu como dona, proprietária, cuidadora e responsável pelo cão, realidade esta que torna a Ré parte ilegítima.

Mais diz que é casada com o pai da D. sob o regime da comunhão de adquiridos pelo que estaríamos perante bem/coisa comum do casal, em consequência do que sendo demandada sozinha também seria parte ilegítima.

Como “segunda causa de ilegitimidade” diz que em 28-09-2016, a responsabilidade civil atinente aos danos eventualmente provocados pelo referido cão encontrava-se – como se encontra atualmente –, transferida para a ré B. , S.A., mediante contrato de seguro, da modalidade “Responsabilidade Civil – Pétis – Animais Domésticos”, titulado pela apólice n.º RC..., com uma cobertura até 50.000,00€ (Doc. n.º 5) pelo que também este motivo é causa de ilegitimidade da Ré.

Também a interveniente principal D. invocou a existência deste contrato de seguros, como causa da sua ilegitimidade.

Notificada para exercer o contraditório quanto às referidas exceções a A. veio fazê-lo, dizendo, além do mais que invoca (mormente voltando a pronunciar-se quanto à exceção de prescrição também invocada pelas Rés), dizendo que não sabe quem pode ser considerado responsável pela peticionada indemnização, pois que a referida Ré na circunstância ocorrida na praia intitulou-se dona do animal, vinda agora dizer que a dona é a filha. Todavia, mesmo pertencendo o cão à D. estava sob a vigilância da ré C. pelo que também esta será responsável, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte”. Caso contrário a responsabilidade recairá sobre a filha, ou caberá, cumulativamente, a todas as Rés.

Deduziu incidente de intervenção provocada da referida filha da ré C. , nos termos do art. 316º do CPC, como “associada” da Ré (cfr. ainda requerimento da A. de 25/05/2020).

Tal intervenção foi admitida nos termos do disposto no art. 316º, nº2, 1ª parte do CPC, por despacho de 21/12/2020.

(…)

A ré C. invocou também a exceção de prescrição.

Alega, para tanto, em síntese, que a causa de pedir da ação assenta na alegada responsabilidade civil extracontratual da Ré, ancorando-se no regime dos artigos 483º, 496º, 493º e 502º do Cód. Civil.

A ocorrência do evento lesivo é situada no dia 28/09/2016, à tarde. A presente ação foi instaurada no dia 26/09/2019.

E a Ré foi citada em 30/09/2019.

O n.º 1 do artigo 498º do Cód. Civil fixa em 3 anos o prazo de prescrição dos direitos indemnizatórios reclamados pela A. Logo, na data em que se concretizou a citação, encontrava-se verificada essa exceção, extintiva dos direitos invocados pela Autora, devendo a Ré ser absolvida do pedido (artigo 576º, n.ºs 1 e 3 do CPC).

Mais diz ser irrelevante a requerida citação urgente, posto que os efeitos interruptivos desse ato só se produzem no estrito condicionalismo do n.º 2 do artigo 323º do Cód. Civil o que, in casu, não aconteceu.

A ré B. , S.A. também invocou a prescrição dizendo, em síntese, que nos termos do art. 498º, nº1 do Cód. Civil “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.”

A Autora teve conhecimento do seu eventual direito na data em que ocorreram os factos que alega – 28/09/2016.

Nos termos do Art.º 323, n.º 2 do CC devia ter proposto a ação e requerido a citação, pelo menos, cinco dias antes do dia 28/09/2019.

Em consequência, no momento da sua citação, a 30/09/2019, já tinham decorrido mais de 3 anos.

Também a Interveniente Principal ao contestar invocou a prescrição do direito da Autora, atenta a data do evento lesivo - 28/09/2016 -, a data da instauração da ação - 29/09/2019 -, a data do requerimento da sua intervenção – 08/01/2020 –, a data da sua citação - 28/12/2020 -, e o disposto no art. 498º, nº1 do Cód. Civil.

Mais diz ser irrelevante ter sido requerida a citação urgente, posto que os efeitos interruptivos desse ato (ou de notificação) só se produzem no estrito condicionalismo do n.º 2 do artigo 323º do Cód. Civil, tal como é irrelevante, supostamente, a A. desconhecer identidade da Interveniente, já que, à luz do regime do artigo 498º, n.º 1 do Cód....

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