Acórdão nº 3077/05.9 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-03-24

Ano2022
Número Acordão3077/05.9 BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por, M…, contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitante ao exercício de 2003, no valor total de € 5.089,60, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

I. Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou a presente impugnação procedente e em consequência condenou a Fazenda Pública ao pagamento de custas e, com a qual não concordamos.

II. Salvo o devido respeito pela decisão sufragada, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto, considera existir erro de julgamento, quanto à interpretação do artigo 20.° da por errada valoração dos elementos constantes dos autos, os artigos 11.° da LGT e o 9.° do CC, “ex v/” do art. 2.°, al. d) da LGT.

III. A fundamentação da Sentença recorrida assenta, em síntese, no seguinte entendimento «(...) entendemos que o período máximo de dois anos diz, sim, respeito à duração da isenção, e não ao período da deslocação, não só porque a norma não o diz expressamente, com também tal contrariaria a "ratio" da CDT.

IV. Concluindo, assim, que «(…) verifico que tem razão o Impugnante, e que o mesmo tem direito à isenção de tributação durante o ano de 2003, sendo o ato de liquidação ilegal por violação do artigo 20.º da CDT, norma que vigora e prevalece na nossa ordem jurídica ex vi do artigo 8 da CRP, razão pela qual deve o mesmo ser anulado».

V. Ora, ressalvando o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença incorreu em erro de julgamento, nomeadamente na interpretação do artigo 20.º da CDT, como a seguir se argumentará e concluirá.

VI. Face ao teor da predita norma em primeiro lugar a duração da deslocação para leccionar nunca pode ultrapassar o período dos 2 anos, em segundo lugar a deslocação, tem de ser, exclusivamente para leccionar.

VII. O ora recorrido celebrou com a entidade patronal três contractos, contudo, quando apresentou a p.i. só juntou um dos três contractos e quando formulou pedido de informação vinculativa à AT, juntou os outros dois contractos diferentes do primeiro,,.!

VIII. Quer pela prova documental, quer pela prova testemunhal, concluiu a Fazenda Pública que o ora Recorrido para além de exceder os dois anos previstos na CDT, também, exerceu outras funções para além do ensino, contrariando, claramente o espírito do legislador.

IX. Entende a Fazenda Pública que o benefício de isenção é limitado a dois anos, uma vez que se trata de uma norma de natureza excepcional, temporária e exclusiva do trabalho docente.

X. Pelo que, tendo a sentença recorrida decidido com base no entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, entende a Fazenda Pública que foram violados os artigos 11.° da LGT e o 9.° do CC, “ex vi" do art, 2º, al. d) da LGT.

XI. Por último e, tendo presente que o ora Recorrido solicitou junto da AT informação vinculativa e, sabendo que aquelas aproveitam aos casos em concreto que as originaram e, vinculam a AT ao seu cumprimento (art. 68° n.° 2 da LGT e n.°1, do art. 57 do CPPT), não compreende a Fazenda Pública, como é que o tribunal "a quo" não se pronunciou sobre a mesma.

XII. Tendo presente que as informações vinculativas garantem aos contribuintes, naquele caso concreto, estabilidade e confiança, colocando à sua disposição todos os meios necessários ao correcto cumprimento das suas obrigações fiscais, proceder de forma diferente seria violar os princípios da legalidade e da igualdade entre o universo dos contribuintes.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando- se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.


Não foram apresentadas contra-alegações.


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


O Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, o que implica responder à pergunta sobre se o no caso estão ou não reunidos os pressupostos de que depende o benefício de isenção de tributação em sede de imposto sobre o rendimento sobre as remunerações recebidas em consequência desse ensino ou investigação, prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) respetiva.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) O Impugnante é brasileiro e residia no Brasil – cfr. fls. 99 (confissão);

B) O Impugnante é professor de judaísmo – cfr. fls. 100 a 102, 105 a 110 (admissão por acordo);

C) A Comunidade Israelita de Lisboa é uma “associação religiosa, sem fins lucrativos” - cfr. fls. 105 a 110;

D) Por existir uma lacuna no Departamento de Educação para o Judaísmo, a Comunidade Israelita de Lisboa decidiu contratar o Impugnante para dar aulas de judaísmo;

E) Em 01/01/2002, o Impugnante e a Comunidade Israelita de Lisboa celebraram um acordo denominado “promessa de trabalho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para que o mesmo exercesse as funções de professor de judaísmo na Comunidade Israelita de Lisboa – cfr. fls. 100 a 102;

F) Em 09/01/2002, o Impugnante e a Comunidade Israelita de Lisboa celebraram um acordo denominado “contrato de trabalho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido a fls. 105 e 106:

“(…)”


CONTRATO DE TRABALHO

Entre,

C…, com sede na Rua Alexandre Herculano, n.º 59, 1250- 010, em Lisboa, registada como Associação Religiosa, sob o n.º 154, na Secretaria Geral do Ministério da Justiça em 7 de Agosto de 1986, com o n.° de contribuinte 501…, como ramo de actividade Associação sem fins lucrativos, de ora em diante designada por PRIMEIRA CONTRAENTE;

E

M..., casado de nacionalidade brasileira, portador do passaporte nº C H 7…, emitido em 15/JUL/96 por SRIDPFISP – Serviço de Policia Marítima Aérea e de Fronteiras São Paulo e válido até 14/JUL/06, de ora em diante designado por SEGUNDO CONTRAENTE;

É livremente, de boa fé e em plena consciência celebrado um contrato de trabalho, o qual se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes:


PRIMEIRA

O PRIMEIRO CONTRAENTE contrata o SEGUNDO CONTRAENTE para, sob a sua direcção. prestar todos serviços inerentes à actividade de Professor do Judaísmo da Comunidade Israelita de Lisboa, sendo este modo admitido ao serviço do PRIMEIRO CONTRAENTE com a categoria profissional de Professor de Judaísmo da Comunidade Israelita de Lisboa

SEGUNDA

(LOCAL DA PRESTAÇÃO DE TRABALHO)


A actividade do SEGUNDO CONTRAENTE será desenvolvida principalmente nas Instalações do PRIMEIRO CONTRAENTE.

TERCEIRA

(RETRIBUIÇÃO)


1. A remuneração do SEGUNDO OONTRAENTE será de EUR 2.250 (dois mil duzentos e cinquenta) mensais líquidos (12 meses/ano).

2. O SEGUNDO CONTRAENTE tem direito a receber um subsídio de férias de montante igual a retribuição mensal, bem como um segundo subsidio, no fim de cada ano, que será igual a um mês de retribuição mensal nos termos da legislação aplicável.

3. À retribuição referida será acrescido o respectivo subsídio de alimentação.


QUARTA

(PERIODO NORMAL DE TRABALHO)


1. O SEGUNDO CONTRAENTE submete-se ao regime de isenção de horário de trabalho predeterminado, de acordo com o disposto no art.º 13, parágrafo 1, da lei 409/71 de 27 de Setembro.

QUINTA

(INÍCIO E VIGÊNCIA)


1. 0 presente contrato tem início no dia 1 de Janeiro de 2002 e vigorará até 31 de Dezembro de 2003.e poderá ser renovado por períodos de um ano, por mútuo acordo a definir até 30 de Setembro do ano em que termina.

2. É estabelecido um período experimental inicial de 6 meses, com possibilidade de rescisão recíproca, mediante aviso máximo de 30 dias


SEXTA

O motivo justificativo do presente contrato baseia-se no facto de o SEGUNDO CONTRAENTE de se tratar de um pedagogo de formação académica e experiencia profissional de grande nível imprescindíveis e essenciais para a formação e desenvolvimento da vida judaica em Lisboa contribuindo de forma inestimável para a transmissão da cultura, língua e tradições judaicas através de um elaborado programa educacional e recreativo dedicado a toda a Comunidade israelita de Lisboa.

SÉTIMA

1. O SEGUNDO CONTRAENTE compromete-se a manter válidos os seus documentos comprovativos do cumprimento das disposições legais relativas à entrada e à permanência ou residência, para efeitos laborais em território português.

2. O SEGUNDO CONTRAENTE deverá informar o PRlMEIRO CONTRAENTE, caso lhe seja retirada, temporária ou definitivamente, a autorização de permanecer em Portugal, para efeitos de trabalho.


OITAVA

Tudo o que não estiver expressamente disposto neste contrato será regido pelas Leis aplicáveis ao contrato individual de trabalho.

0 presente contrato é em quadruplicado, composto por duas páginas que vão assinadas pelos dois contraentes e sendo a sua celebração datada de 09 de Janeiro de 2002.

G) Entre 2002 e até 2004, o Impugnante trabalhou na Comunidade Israelita, exercendo apenas as funções de professor, ensinando educação judaica às crianças e adolescentes, elaborou...

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