Acórdão nº 3063/20.9T8VFR-G.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 23-11-2023

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão3063/20.9T8VFR-G.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 3063/20.9T8VFR-G.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha histórica do processo
1. Em 12 de agosto de 2021 foi decretado o divórcio entre AA e BB.
Desse casamento, tiveram 2 filhas, CC e DD
No apenso A, instaurado pelo progenitor, em 07 de dezembro de 2020, foi proferida decisão de regulação provisória das responsabilidades parentais. Em 12/08/2021 foi acordado entre os progenitores, e homologado por sentença, a decisão definitiva sobre as responsabilidades parentais, em termos de, para o que releva para este recurso,
● Foi fixada a residência das menores com a progenitora; os atos da vida correntes ficariam a cargo do progenitor que tivesse as menores; os atos de particular importância, por ambos, de comum acordo.
● O progenitor teria direito de visitas com as filhas em fins de semana alternados.
Em 18 de julho de 2021 (no decurso do processo de divórcio), foi instaurado um processo de promoção e proteção (apenso B), relativamente às menores, sinalizado por “exposição a conflitos parentais”. Em 12/08/2023 foi determinado o arquivamento dos autos, face ao acordado na ação de divórcio e no apenso A.
No apenso C, instaurado em 27 de julho de 2021, o progenitor requereu a alteração das responsabilidades parentais (ainda relativamente à regulação provisória), tenso sido proferida a decisão definitiva já atrás referida no apenso A.
Existiram ainda 2 apensos de incumprimento de responsabilidades parentais e um apenso E (processo tutelar, falta de acordo).
Em 31 de janeiro de 2023, o progenitor volta a requerer alteração das responsabilidades parentais (apenso D). Em 15 de maio de 2023, aí foi proferida nova decisão provisória, fixando a residência das menores em alternância, tendo as partes acordado retomar a terapia familiar. Em 13 de junho de 2023, o progenitor vem dar nota ao processo que a progenitora tem obstaculizado às consultas de terapia. A progenitora respondeu não ter condições económicas para suportar o respetivo custo.

2. Em 08 de setembro de 2023, proferiu-se decisão provisória, nos seguintes termos:
«Nesta conformidade, a título provisório, decide-se alterar o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais das crianças CC e DD, fixado por sentença de 12 de agosto de 2021 nos seguintes termos:
1) As crianças CC e DD fixam residência com ambos os progenitores em regime de alternância semanal, fazendo a troca à sexta-feira, no final das atividades letivas, nos respetivos estabelecimentos.
2) Caso as crianças não tenham atividades escolares à sexta-feira a troca ocorrerá, entre as 18h e as 18h30m, na casa do progenitor que tiver a residência da criança, cabendo a recolha ao progenitor que iniciar a semana.
3) Cada um dos progenitores conviverá com as filhas às segundas-feiras nas semanas nas quais as crianças estão a residir com o outro progenitor, com recolha no estabelecimento escolar, no final das atividades letivas, e entrega pelas 21horas, já jantadas, com banho tomado e trabalhos de casa realizados, na casa do progenitor que tem a residência da criança nessa semana.
4) O progenitor que não tiver consigo as crianças poderá contactar o outro progenitor entre as 19h e as 19h30m por via de chamada telefónica ou videochamada, sem prejuízo das crianças manifestarem vontade de estabelecer contacto com o progenitor não residente, contacto que deve ser realizado e promovido pelo progenitor que estiver com as crianças nesse momento.
5) As responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente das crianças serão exercidas por cada um dos progenitores que em cada momento estiver com as filhas.
As responsabilidades parentais relativas aos atos de particular importância para a vida das crianças serão exercidas por ambos os progenitores de comum acordo.
6) Cada um dos progenitores deve informar o outro da marcação de todas as consultas médicas da CC e da DD logo que delas tenha conhecimento, bem como de todas as reuniões escolares, ou outras relacionadas com as filhas, por forma a que o outro progenitor, querendo, possa também estar presente, comprometendo-se, ainda, a remeter ao progenitor cópia de todas as informações escolares no fim de cada período letivo.
7) O cargo de encarregado de educação das crianças será exercido anualmente, iniciando-se o ano letivo de 2023/24 com a progenitora.
8) Relativamente às festividades: Mantém-se o regime já fixado
9) Cada um dos progenitores assumirá o sustento das filhas nas semanas em que com os mesmos residam.
10) Cada um dos progenitores contribuirá na proporção de metade nas despesas médico- medicamentosas e escolares, o custo da atividade extracurricular da dança e de outras eventuais atividades extracurriculares relativamente às quais haja acordo de ambos os progenitores.
11) O progenitor que realizar a despesas deve enviar o comprovativo ao outro progenitor no prazo de cinco dias a contar da realização da despesa, devendo o pagamento da comparticipação ocorrer no prazo de cinco dias a contar da receção do email do progenitor que realizou a despesa.
12) O meio de comunicação entre os progenitores sobre assuntos relacionados com as filhas deverá ser por email, salvo casos de manifesta urgência.»

3. Inconformada com tal decisão, dela apelou a progenitora, formulando as seguintes conclusões:
«1. A factualidade constante dos autos, com relevo para a decisão provisória, é a supra vertida em A) OS FACTOS, para onde se remete e cujo teor se reproduz, a qual impunha decisão diversa, devendo ter-se mantido a guarda exclusiva das menores com a recorrente, e o regime convivial alargado fixado por acordo em 12.08.2021, assim se salvaguardando o superior interesse da CC e DD.
2. A residência do menor deverá ser decidida de acordo com o seu interesse; é o interesse do menor que deverá estar sempre subjacente a qualquer decisão do tribunal relativa ao seu projeto de vida. O superior interesse da criança não pode ser um conceito abstrato, enformado por soluções idênticas para uma multiplicidade de casos, mas um juízo concretizado pelas particularidades de cada situação, às quais se pergunta qual a solução mais adequada para a progressão do crescimento integral daquela criança ou crianças em concreto.
3. A lei não elenca todos os fatores que o Tribunal deverá para determinar aquele interesse, entrando aqui, inevitavelmente, uma dose de subjetivismo judiciário que se deve estribar, mesmo assim, na ponderação e criação de alguns subcritérios destinados a densificar aquele conceito, e que tenham assento no caso concreto.
4. Maria Clara Sottomayor, In “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de Divórcio”, 4ª ed., Almedina, págs. 39 e segs., agrupou as circunstâncias a serem atendidas pelos tribunais em dois fatores - os relativos à criança e os relativos aos pais, e que aqui se passam a transcrever: “Os primeiros englobariam as necessidades físicas, religiosas, intelectuais e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a adaptação da criança ao ambiente extra familiar de origem (escola, comunidade, amigos, actividades não escolares), assim como os efeitos de uma eventual mudança de residência causadas por uma ruptura com este ambiente, o seu comportamento social e a preferência por ela manifestada. Os segundos abrangem a capacidade dos pais para satisfazerem as necessidades dos filhos, o tempo disponível para cuidar destes, a saúde física e mental dos pais, o sexo destes (a preferência maternal ou o princípio da atribuição da guarda ao progenitor que tem o mesmo sexo da criança), a continuidade da relação de cada um dos pais com a criança, o afecto que cada um dos pais sente pela criança, o seu estilo de vida e comportamento moral, a sua religião, a sua situação financeira, a sua ocupação profissional, a estabilidade do ambiente que cada um pode facultar aos filhos, a vontade que cada um deles manifesta de manter e incentivar a relação dos filhos com o outro progenitor. Existem, ainda, outros factores, não ligados à pessoa dos pais ou da criança, que contribuem para a decisão final. São eles, por exemplo, condições geográficas, como a proximidade da casa de cada um dos pais da escola dos filhos, condições materiais, como as características físicas de cada casa, a possibilidade de criação de um espaço próprio para a criança, o número de ocupantes da casa e condições familiares, a companhia dos outros irmãos e a assistência prestada a um dos pais por outros membros da família, por exemplo, os avós”.
5. Todos os fatores devem, pois, ser ponderados dentro do quadro factual, deixando de lado conceções que tendem a fazer a contabilidade dos cuidados primários, fazendo uma hierarquização das ligações afetivas mais profundas, no confronto entre o pai e a mãe, para depois chegar-se à conclusão, qual daqueles se encontra no topo dessa hierarquia: será sempre o progenitor que obrigatoriamente se apresenta como o melhor colocado para garantir a estabilidade do filho e o seu equilíbrio emocional.
6. A fixação da residência do menor mais não é do que a escolha da pessoa com quem ficará a residir habitualmente, sendo fixada de harmonia com o seu interesse, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor com quem não fica a residir habitualmente (artigo 1906º, nº 6 do CC).
7. Neste contexto, deve dar-se prevalência à regra de que o menor deve ser confiado à figura primária de referência, por constituir a solução mais conforme ao interesse da criança, por permitir desenvolver, em regra, a continuidade do ambiente e da relação afetiva principal – autora e obra ora citadas, a págs. 46 e 47.
8. De acordo com entendimento expresso, entre outros, por HELENA GOMES DE MELO, são as seguintes situações que justificam a exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais:
a) Situações de “grande
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