Acórdão nº 3047/22.2T8FNC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-04-18

Data de Julgamento18 Abril 2024
Número Acordão3047/22.2T8FNC.L1-2
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

A. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou procedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, contra si foi intentada por B. e C.
Os autos tiveram início em 03-06-2022, com a apresentação de Petição Inicial, em que os Autores peticionaram que fosse:
a) declarada D. como senhoria do contrato de arrendamento para fins habitacionais sub judice;
b) declarada a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre D. e o Réu, por morte da senhoria usufrutuária e extinção do respetivo usufruto, nos termos dos artigos 1051.º, al. c), 1443.º, 1.ª parte, e 1476.º, n.º 1, al. a), do Código Civil;
c) o Réu condenado a restituir aos Autores a fração designada por “1BC” do prédio urbano localizado à (…), livre e devoluto de pessoas e bens e, consequentemente;
d) fixado para o efeito um prazo não superior a tinta dias a partir da “notificação da sentença definitiva”.
Para tanto e em síntese, alegaram os Autores que:
- Os Autores são os atuais donos e legítimos proprietários do prédio urbano supra identificado, composto por 3 (três) frações/andares suscetíveis de utilização independentes: 1BB, 1BC e 1BD;
- No dia 08-01-1973, a anterior proprietária, D., deu de arrendamento para habitação a fração 1.º BC do prédio urbano supramencionado a E., na qualidade de arrendatário;
- No dia 20-11-1997, no Cartório Notarial de Câmara de Lobos, D. doou, em comum e em partes iguais, aos ora Autores, o prédio urbano supra identificado, reservando para si o usufruto;
- O arrendatário, E., permaneceu com o filho, ora Réu, nesta fração até à data da sua morte, a 14-02-1999;
- O falecimento daquele arrendatário não foi comunicado à senhoria D.;
- Pelo falecimento do seu pai, E., o Réu assumiu a posição de arrendatário no contrato de arrendamento;
- Com o óbito de D., verificado a 14-07-2021, os Autores adquiriram a propriedade plena do prédio urbano supra identificado;
- Na qualidade de comproprietários do aludido prédio urbano, os Autores comunicaram ao Réu, o falecimento da senhoria D., bem como a caducidade do contrato de arrendamento por extinção do usufruto, e requereram ao Réu a restituição do imóvel devoluto e livre de ónus e encargos no prazo de 6 meses;
- Em resposta, no dia 14-09-2021, o Réu opôs-se à desocupação do imóvel, invocando já ter completado a idade superior a 65 anos e o facto de residir no prédio há mais de 15 anos;
- Os Autores exigiram novamente a restituição do imóvel pelo ora Réu no prazo de 6 meses contados a partir do dia 26-08-2021;
- O imóvel não foi entregue pelo Réu, mantendo-se no locado com a oposição dos proprietários, ora Autores;
- Com o óbito da usufrutuária e a inerente extinção do direito de usufruto, deu-se a consolidação da propriedade plena e a caducidade do contrato de arrendamento, uma vez que “o arrendamento foi originariamente celebrado com base no direito de usufruto constituído a favor desse primitivo locador”, nos termos dos artigos 1051.º, al. c), 1443.º e 1476.º, n.º 1, al. a), do CC;
O Réu apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, e por exceção, alegando, em suma, que:
- Os Autores não são parte legítima, porque o Autor carece de estar acompanhado em juízo pela sua mulher;
- O contrato de arrendamento não caducou por morte da anterior proprietária, pois houve transmissão do direito ao arrendamento por óbito do arrendatário, pai do Réu, cujo contrato de arrendamento foi celebrado pela anterior proprietária em 08-01-1973, portanto, não na qualidade de usufrutuária, como alegam os Autores.
- O Réu reside há mais de 15 anos no locado e tem mais de 65 anos de idade.
Os Autores apresentaram articulado de Resposta, pronunciando-se pela improcedência da exceção.
Realizou-se audiência prévia, em que não foi possível obter a conciliação das partes.
Foi proferido despacho saneador por escrito, julgando improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa.
Realizou-se a audiência final de julgamento, com produção de prova testemunhal.
Em 23-11-2023 foi proferida a sentença (recorrida) cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, e, em consequência:
a) declaro D. como senhoria do contrato de arrendamento para fins habitacionais da fracção designada por “1BC” do prédio urbano localizado na (…) Funchal, em propriedade total com três andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, designadamente as fracções ”1BB”, “1BC” e “1BD”, de três pisos, inscrito na matriz predial respectiva com o artigo (…) da freguesia de Santa Maria Maior (Funchal), concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número (…) da freguesia de São Gonçalo;
b) declaro a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre D. e E. (a quem sucedeu na posição de arrendatário o réu A.), por morte da senhoria usufrutuária e extinção do respectivo usufruto, nos termos dos artigos 1051.º, al. a), 1143.º, 1.ª parte, e 1476.º, n.º 1, al. a), do Código Civil;
c) condeno o réu A. a restituir aos autores B. e C. a fracção designada por “1BC” do prédio urbano localizado na (…) Funchal, em propriedade total com três andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, designadamente as fracções ”1BB”, “1BC” e “1BD”, de três pisos, inscrito na matriz predial respectiva com o artigo (…) da freguesia de Santa Maria Maior (Funchal), concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número (…)da freguesia de São Gonçalo., livre e devoluto de pessoas e bens, no prazo de 60 (sessenta) dias a partir da data do trânsito em julgado da presente decisão.
Condeno o réu A. no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2UC.
Registe e notifique.»
É com esta decisão que o Réu não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
A) Com o presente recurso visa, o Recorrente, questionar sobre matéria de direito, normas jurídicas interpretadas e aplicadas, a cuja apreciação feita do que resultará ser posta em crise a douta decisão na parte respeitante aos Recorridos, visando, ver reapreciados e alterada a decisão.
B) Foi celebrado entre D. e E. um contrato de arrendamento em 08 de Janeiro de 1973, nas respectivas qualidades de proprietária/senhoria e arrendatário.
C) Foi celebrado por escritura pública entre D. um contrato de doação em 20 de Novembro de 1997 e B. e C., ora Recorridos, com reserva de usufruto, do prédio referenciado nos autos, objecto do contrato de arrendamento celebrado em 08 de Janeiro de 1973.
D) A transmissão, do prédio arrendado, por parte do senhorio os adquirentes do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucedem nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo, artigo 1057.º do Código Civil.
E) A D., passou a ser senhoria/usufrutuária do prédio, objecto dos autos, desde a data de 20 Novembro de 1997, data da doação do prédio.
F) Por óbito de E., ocorrido em 14 de Fevereiro de 1999, foi transmitido ao A., Réu, ora Recorrente, seu filho, o respectivo direito ao arrendamento, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 85.º do RAU, Lei em vigor à data do óbito.
G) Houve a transmissão da posição de arrendatário, não foi celebrado novo contrato de arrendamento com a D., senhoria/usufrutuário na data do óbito de E..
H) Posteriormente, em 14 de Julho de 2021, faleceu a senhoria/usufrutuária D..
I)O Recorrente reside no arrendado desde 1973, tem mais de 65 anos.
J) A douta sentença recorrida, interpretou e aplicou em sentido diverso, no entender do Recorrente, o disposto nos artigos, 1476º, nº 1, alínea a), 1051º, alínea c) e 1057.º, todos do Código Civil, devendo ser revogada.
K) É de conhecimento do Tribunal e feita a prova, de que não houve celebração de novo contrato de arrendamento entre a D., na qualidade de Senhoria/usufrutuária e E., nem entre a D. e A., ora Recorrente, pelo que o contrato de arrendamento não caducou pela morte da senhoria usufrutuária, por consequência extinção do usufruto, mantendo-se o mesmo válido e em vigor.
Terminou o Apelante requerendo que seja concedido provimento ao recurso e alterada em conformidade a decisão recorrida.
Foi apresentada alegação de resposta, em que os Apelados defendem que se mantenha a sentença recorrida, concluindo, no que ora importa, nos seguintes termos:
(…) i. Ao contrário do que é alegado pelo Recorrente, cumpre realçar que a Decisão Recorrida, nem os próprios Recorridos colocam em causa a transmissão da posição de arrendatário para o ora Recorrente, após a morte do seu pai em fevereiro de 1999;
j. Assim, não se verificou qualquer celebração de novo contrato entre a Sra. D., na qualidade de senhoria usufrutuária, com o ora Recorrente ou com o seu pai, arrendatário primitivo, mas sim uma mera transmissão da posição de arrendatário;
k. De realçar que a transmissão do imóvel, por doação, com a reserva usufruto a favor da Senhoria não implica a celebração de novo contrato de arrendamento após a doação do imóvel com reserva de usufruto, ou o conhecimento do Recorrente relativamente à transmissão imóvel;
l. A transmissão da propriedade, por doação, acima indicada para os Recorridos não afetava a validade do contrato de arrendamento, não sendo necessário a celebração de um novo contrato, verificando-se, a caducidade do contrato de arrendamento quando ocorre a extinção do usufruto por morte da senhoria-usufrutuária, aplicando-se, independentemente, da transmissão da posição de arrendatário ou da falta de conhecimento do mesmo, ao contrário do que é alegado pelo Recorrente;
m. De notar que a Decisão Recorrida, conforme acima exposto, pronuncia-se sobre a celebração do contrato de arrendamento inicial, a
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