Acórdão nº 304/21.9T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-27

Ano2023
Número Acordão304/21.9T8GRD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***
I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra

C..., S. A.” – posteriormente, “G..., S. A.” ([1]) –, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a pagar-lhe:

a) A título de indemnização por danos patrimoniais, o montante de € 10.000,00, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a citação e até integral e efetivo pagamento;

b) Como indemnização pela privação do uso do seu veículo, o montante de € 20,00 por dia, a contar da data do acidente e até efetiva e integral reparação – a liquidar, computando-se, à data da propositura da presente ação, em € 3.860,00.

Para tanto, alegou, em síntese:

- a existência de um acidente de viação, em que foram intervenientes um veículo automóvel propriedade do A. e por si conduzido (de marca «Mercedes Benz») e outro veículo automóvel, segurado na R. (de marca «Rover»), cujo condutor foi o responsável culposo exclusivo pelo sinistro, de que resultaram danos – os descritos na petição aperfeiçoada – para o demandante, que importa ressarcir integralmente, cabendo o dever indemnizatório à mesma R., por via de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ao tempo válido e em vigor.

Na sua contestação, a R., impugnando, no que ora importa, os factos alegados quanto à existência – e ao desenrolar – do acidente, bem como quanto aos danos invocados, concluiu pela improcedência da ação.

O A., na sequência, pronunciou-se pela improcedência da matéria de contestação.

A convite do Tribunal – no intuito de concretização fáctica quanto ao acidente e aos danos –, o A. juntou petição aperfeiçoada, a que a R. respondeu, mantendo tudo quanto alegado na contestação.

Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador ([2]), com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença ([3]), com o seguinte dispositivo:

«(…) julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré, “Tranquilidade, S. A.” a pagar ao Autor, (…) a título de danos patrimoniais, o montante de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal em vigor, desde a citação até integral e efectivo pagamento.».

Inconformada, recorre a R., apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([4]):

«1. O presente recurso visa, essencialmente, discutir a matéria de facto e de direito relativa à decisão proferida acerca da dinâmica do alegado “acidente” dos autos, com a qual a aqui recorrente não se conforma.

2. A recorrente não se conforma com a apreciação do conjunto da prova produzida nos autos levada a cabo pela Meritíssima Juiz de primeira instância, no que tange a factualidade vertida nos pontos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 14 e 15 dos factos provados, bem como na alínea I) dos factos não provados, visando este recurso a impugnação da decisão proferida sobre essas matérias de facto.

3. Fundam-se os presentes autos na responsabilidade civil extracontratual emergente de evento rodoviário imputado pelo autor ao condutor do veículo RQ, pelo que, impunha-se-lhe a demonstração dos factos por si alegados, também no que tange a dinâmica do acidente.

4. Ora, compulsada a matéria de facto julgada provada, logo se conclui que, na generalidade, o tribunal de primeira instância julgou demonstrada a versão dos factos alegados no articulado inicial.

5. Todavia, os factos julgados provados atinentes à dinâmica do acidente, são incongruentes e inconciliáveis com as leis da física e das regras da experiência de vida, tendo resultado provados à margem das evidências resultantes da prova documental e testemunhal constante dos autos, conjugadas com as sobreditas regras.

6. Compulsadas as imagens dos veículos após o suposto embate por elas protagonizado, é notório que os danos ostentados por ambos os veículos, nas respectivas frentes laterais esquerdas, são manifestamente insusceptíveis de terem decorrido do embate que foi julgado provado pelo tribunal recorrido!

7. A mera visualização das fotografias do veículo do autor (o OAL) e do veículo seguro na recorrente (o RQ), conjugada com as regras da física e da experiência de vida, é suficiente para concluir pela total desconformidade dos danos que supostamente decorreram para ambas as viaturas, em consequência do embate julgado provado entre as suas frentes esquerdas (cfr. fls. 35 a 52v e 212 e ss, através da visualização do relatório de investigação final).

8. De acordo com as fotografias do veículo seguro verifica-se que o embate julgado provado entre as frentes esquerdas de ambas as viaturas, provocou, exclusivamente, uma fractura no pára-choques do RQ, situada na zona frontal esquerda do veículo, sem que esta peça perdesse substância, bem como, provocou marcas de transferência de uma cor ... sobre o pára-choques e sobre as ópticas frontais esquerdas, aparentemente proveniente de deposição de borracha ou de algo similar.

9. Constata-se também que o alegado acidente não provocou qualquer fractura nos vidros das ópticas frontais do lado esquerdo do RQ, nem tão-pouco deformou a chaparia envolvente a essas peças da frente esquerda do veículo.

10. Já as fotografias do OAL constantes dos autos, nomeadamente as constantes do relatório de investigação final constante de fls. 212 e ss dos autos, verifica-se que o embate que a mesma sofreu na sua frente esquerda provocou fractura e perda da totalidade da óptica frontal esquerda, provocando, bem assim, a fractura e perda do pára-choques frontal esquerdo e a deformação do respectivo suporte em metal.

11. Tal embate provocou também a perda total do guarda-lamas frontal esquerdo do veículo, que foi literalmente obliterada/rasgada pelos seus pontos de suporte, restando apenas uma pequena porção dessa peça junto a esses pontos de suporte.

12. É, pois, notória a desproporção de danos evidenciada nas frentes esquerdas de ambas as viaturas, podendo dizer-se, sem margem para dúvidas, que à luz das regras da física e da experiência de vida, os danos existentes na frente esquerda do RQ não decorreram do embate que provocou os danos constatados na frente esquerda do OAL.

13. O embate da frente esquerda do RQ na frente do OAL, nos termos descritos no facto provado n.º 8, teria provocado deformações na chaparia do RQ, que não se verificaram, teria de ter fracturado as respectivas ópticas frontais esquerdas, o que tão-pouco sucedeu, do mesmo modo que a frente esquerda do RQ teria de apresentar uma transferência de cor ..., proveniente da cor do OAL, e não uma cor ..., própria do contacto de uma superfície escura, do tipo pneumático.

14. Tais circunstâncias, por si sós, permite formar um juízo de censura sobre o julgamento acerca da matéria de facto provada no ponto 8 da sentença, na medida em que, ao julgar provado que o veículo seguro colidiu com a frente esquerda (do RQ), na frente esquerda do OAL, que circulava em sentido contrário, pela respectiva hemifaixa de rodagem, o Tribunal recorrido ofendeu notoriamente as mais elementares regras da física e da experiência de vida.

15. Decorre dos factos instrumentais apreensíveis pela mera observação das fotografias de ambos os veículos, constantes do processo e obtidas após o alegado embate entre elas, que os danos apresentados pelas frentes esquerdas de ambas as viaturas não resultaram do embate descrito no ponto 8 dos factos provados.

16. O que se torna ainda mais evidente se se tomar em consideração que resultou provado que ambas as viaturas circulavam, no local, a uma velocidade situada entre os 50 km/h e os 70 km/h, não havendo notícia ou alegação de que qualquer dos respectivos condutores travou ou diminuiu a sua velocidade.

17. A ser verdade que os danos patenteados pelo RQ emergiram de um embate entre ambas as citadas viaturas, isso implica a afirmação de tais danos tiveram origem num embate que envolveu forças opostas, correspondentes à soma da velocidade a que cada uma das viaturas vinha animada, o que manifestamente não sucedeu.

18. Por outro lado, as fotografias constantes dos autos, obtidas pelo serviço de assistência em viagem que se deslocou ao local aquando do alegado acidente, exibem uma total ausência de vestígios do despiste do RQ, julgado provado, o que não foi considerado pelo julgador e contraria a factualidade julgada provada.

19. Não obstante as evidências acabadas de referir, o Tribunal a quo deu como provada a dinâmica do sinistro, tal como emerge dos factos provados 1 (excepto o contrato de seguro), 2, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 14 (apenas na parte em que refere “provocados pelo sinistro em questão” e 15 da sentença.

20. Além dos factos instrumentais apreensíveis pela mera análise das fotografias acima referidas, o processo contém ainda outros elementos de prova que impõem decisão diversa da proferida, pelo menos no que tange a dinâmica do acidente, mormente quanto ao embate relatado no ponto 8 dos factos provados.

21. Os depoimentos do autor e do condutor do veículo seguro na aqui apelante, no que tange a dinâmica do acidente foram julgados credíveis pelo Tribunal recorrido, o que não se aceita.

22. Tais depoimentos, conjugados com os demais elementos probatórios constantes dos autos, bem como com as regras da física e da experiência de vida, não merecem a credibilidade que o tribunal recorrido lhes emprestou, com vista a julgar provada a dinâmica do acidente.

23. Para além dos sobreditos elementos probatórios, existem outros elementos no processo que permitem colocar em irresolúvel dúvida a ocorrência do despiste do veículo seguro para a berma da via, o seu retorno à faixa de rodagem e o subsequente embate entre a sua frente esquerda e a frente esquerda do OAL, o que impõe decisão diversa da proferida.

24. No caso, premente se torna convocar a...

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