Acórdão nº 3032/12.2BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 04-04-2024

Data de Julgamento04 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão3032/12.2BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acórdão


I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 27.03.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por S… Lusitana, Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2007.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“i. A Impugnante pretende através da presente impugnação ver sindicadas as liquidações adicionais de IVA, referentes aos períodos de 0703, 0704, 0705 e 0708, bem como os respetivos juros compensatórios, no valor total de €23.066,77.

ii. No essencial, a Impugnante sustenta que as faturas desconsideradas pela Administração Tributária e que determinaram as correções que deram origem às liquidações impugnadas, correspondem a serviços efetivamente prestados à Impugnante pelas sociedades constantes das faturas em causa.

iii. Apurou a AT, em sede de procedimento inspetivo, existirem indícios sérios, objetivos e consistentes de que as faturas emitidas à impugnante, pelas sociedades P…, Lda. e F…, Lda., não titulam operações reais.

iv. Estatui o artigo 75º da LGT que: "1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. 2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo...".

v. In casu, em sede de relatório de inspeção tributária, a Administração Tributária elencou uma série de indícios, que, em seu entender, permitiram pôr em causa tal presunção de veracidade, no que respeita às faturas em causa e descritas no referido relatório – cfr. 13 e 14 dos factos provados.

vi. Desde logo, o facto de o fornecedor em causa não ter uma estrutura técnica e recursos humanos, não se conseguir encontrar alguém responsável pela sociedade nem na sede da mesma, nem se logrando encontrar o gerente da mesma no seu próprio domicílio, aliado ao facto das missivas enviadas para essas duas moradas virem devolvidas com menção “mudou-se”, são indiciadoras de faturação falsa.

vii. Assim como o facto de indicar ter um responsável pela elaboração da sua contabilidade cujo contacto se mostra impossível, ainda que o mesmo se anuncie como marido da TOC indicada como responsável pela escrita dessa sociedade, não apresentar contabilidade, não estar na morada indicada nas faturas nem no domicílio fiscal, não existir documentação relativa a pagamentos efetuados no âmbito da sua atividade (exceto as declarações de IVA e IRC referentes ao exercício de 2007) no exercício de 2007, nem qualquer outro registo de desenvolvimento de atividade por esta sociedade configuram-se como factos que, não tendo sido postos em causa pela Impugnante, se consubstanciam como indícios suficientes para se concluir pela probabilidade séria de inexistência de correspondência entre o que teor das faturas e a realidade. Pois que os mesmos se mostram aptos a sustentar de forma fundada o juízo de que esta sociedade de facto não exerceu qualquer atividade no ano de 2007

viii. Refira-se, ainda, que a Impugnante referiu na sua petição que a inexistência de uma estrutura técnica e de recursos humanos seria natural, uma vez que a F… funcionaria como mera intermediária entre a Impugnante e os efetivos prestadores de serviços. No entanto, tal facto não resultou provado.

ix. Nessa decorrência, consequentemente, nos termos que já supra enunciámos, passa a correr sobre a Impugnante o ónus de demonstrar que as operações tituladas pelas faturas foram efetivamente realizadas

x. Ora, face à prova produzida no presente processo e o consequente acervo factual que conforma o mesmo, é de se concluir que a Impugnante não logrou provar tal efetividade das operações tituladas pelas fatura emitidas pela F….

xi. De facto, a prova testemunhal produzida foi demasiado vaga, para assegurar a materialidade das faturas, revelando apenas um conhecimento indireto sobre os factos em causa.

xii. A prova produzida centrou-se em demostrar a realização dos projetos que a impugnante tinha em mãos, mas esse facto não é controvertido.

xiii. O que está em causa é a efetiva concretização dos serviços titulados pelas faturas emitidas pela F… e isso, conforme se demonstrou, não resultou provado.

xiv. Ora, tal como já evidenciámos, em correções como as que estão em causa nos presentes autos, é fundamental a Impugnante alegar e provar a efetividade das operações cujas faturas que as titulam foram desconsideradas.

xv. Contudo, isso não ocorreu, tendo-se revelado, salvo melhor entendimento, inconclusiva a prova produzida.

xvi. Assim, não tendo a impugnante logrado demostrar, em termos concretos, a efetiva prestação dos serviços pela F…, não poderia o Tribunal ter concluído que se tratam de operações reais.

xvii. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o disposto no art.º 74º e 75º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente Fazenda Pública, não se conformando com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a Impugnação parcialmente procedente e, em consequência, determinou a anulação das liquidações do IVA relativas às facturas emitidas pela sociedade F…, Lda., veio da mesma interpor Recurso.

2. Invoca a Recorrente, que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 74.° e 15° da Lei Geral Tributária (LGT).

3. Considera a Recorrente que a Autoridade Tributária (AT) em sede de procedimento inspectivo, apurou existirem indícios sérios, objetivos e consistentes de que as facturas emitidas à Recorrida pela sociedade F…, Lda., não titulam operações reais, tendo assim cessado a presunção de veracidade referida no artigo 75.° da LGT, a favor da Recorrida.

4. E uma vez cessada a referida presunção de veracidade, passou a caber à Recorrida o ónus de demonstrar que as operações referidas no ponto anterior foram efectivamente realizadas.

5. Alega ainda a Recorrente que a ora Recorrida, não logrou demonstrar a efectiva prestação dos serviços pela F…, Lda., pelo que não poderia o Tribunal ter concluído que se tratam de operações reais.

6. Tal alegação da Recorrente não deve merecer qualquer acolhimento por parte do Venerando Tribunal.

7. Desde logo, o Tribunal a quo não concluiu pela veracidade das operações, não tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 15° da LGT.

8. O Tribunal concluiu, e bem, no entender da Recorrida, que a AT não logrou cumprir o seu ónus probatório, não tendo assim cessado a presunção de veracidade referida no artigo 15° da LGT.

9. E uma vez não cessada a presunção, não cabia, pois, à Recorrida a demonstração da veracidade das operações.

10. Pelo que é forçoso concluir que não houve qualquer violação dos artigos 74.° e 75° da LGT.

11. Nos termos do artigo 75.° da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramento inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

12. No entanto, a presunção de veracidade cessa nos termos da alínea a) do n.° 2 do mesmo artigo 75.°, quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo...”.

13. Alega a Recorrente ter ilidido a referida presunção de veracidade ao ter demonstrado a existência de indícios sérios da falsidade das operações em causa.

14. No entanto, tal alegação não deve merecer qualquer acolhimento por parte do Venerando Tribunal.

15. Relativamente às faturas referentes aos serviços prestados pela sociedade F…, Lda., cfr. Página 27 da douta sentença, a AT apurou os seguintes indícios para sustentar a desconsideração das mesmas:

- É declarante em sede de IRC e IVA, em 2006 e 2007, encontrando-se sempre, no que respeita a IVA, em crédito de imposto, por valores residuais, e estando o lucro apurado em sede de IRC em execução fiscal, passou a não declarante em 2008;

- Nenhum contribuinte declarou ter recebido rendimentos pagos por esta sociedade, nem foi mencionada como adquirente de bens e serviços no anexo P;

- A TOC juntou documento emitido por R… (seu marido e que, segundo a TOC, fazia a contabilidade da sociedade), referindo que devolveu toda a documentação à sociedade e que os registos contabilísticos da empresa foram apagados devido a um problema informático.

16. Considera ainda a Recorrente que o prestador em causa não tem estrutura física nem técnica para a prestação dos serviços em análise.

17. Nos termos do Acordão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07.06.2018 - Processo 813/11.8, “quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74. ° da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a...

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