Acórdão nº 3022/12.5 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 13-01-2022

Data de Julgamento13 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão3022/12.5 BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACÓRDÃO
I- Relatório
R …………….. deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada da liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2010, no valor total de €74.078,57.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.209 e ss. (numeração do sitaf), datada de 17 de Junho de 2020, decidiu nos seguintes termos: «[…] julga-se: - Parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da, na parte referente aos custos com a permuta do terreno: -Improcedente a impugnação, no remanescente […]». Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 235 e ss. (numeração do processo em sifat), o recorrente, R ……………., formulou as conclusões seguintes:
«A. Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, nos autos de processo de Impugnação Judicial com o n.º ………/12.5BELRS, que correu termos na 1.ª Unidade Orgânica daquele Tribunal, a qual julgou improcedente a Impugnação deduzida, referente a liquidação oficiosa de IRS com o n.º ………….., no valor de €74.078,57, proveniente de dívida de IRS, respeitante ao período de tributação de 2010;
B. A Impugnação Judicial deduzida tivera por fundamento a ilegalidade na desconsideração, por parte da Autoridade Tributária (doravante “AT”), de encargos em que o ora Recorrente incorreu com a construção de uma moradia, que deveriam ter sido tidos em conta para efeitos de cálculo e consequente tributação da mais-valia obtida por ocasião da posterior alienação do imóvel em causa, em razão de terem sido desconsideradas faturas, recibos e outros documentos comprovativos de tais encargos;
C. Com base e fundamento na factualidade apurada em sede de Sentença, julgou o Tribunal a quo como factualidade não provada, com interesse para a decisão da causa, que “o valor correspondente às facturas referidas nos factos provados 2), 3), 5) e 7) tenha sido entregue às respectivas sociedades emitentes”;
D. Segundo o Tribunal a quo, “fica abalada a capacidade probatória do extrato de conta junto pelo Impugnante – uma vez que a mera junção de faturas não tem a virtualidade de demonstrar o seu pagamento – não podendo estribar o facto que este pretendia demonstrar”, e ainda “não se considera as faturas e recibos emitidos pela sociedade M ……… e Filhos como prova bastante para demonstrar que o Impugnante incorreu em tais encargos, pelo que tal facto deve ficar como não provado”;
E. Tal decisão sobre a matéria de facto teve consequências no que diz respeito à decisão sobre a matéria de direito, pois concluiu o Tribunal a quo por considerar as despesas em que o Recorrente incorreu como não dedutíveis para efeitos de cálculo da mais-valia que obteve com a alienação do imóvel;
F. Ora, salvo o devido e reconhecido respeito, entende o Recorrente que a Sentença proferida, e aqui recorrida, enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter assim decidido com esses fundamentos, razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal, e substituída por outra que faça uma correta interpretação dos factos e do direito aplicável;
G. Com efeito, e contrariamente ao entendimento sufragado na Sentença recorrida, o Recorrente entende que julgou mal o douto Tribunal a quo como factualidade não provada que não foram efetuados os pagamentos descritos nas faturas e recibos apresentados, em contrapartida dos serviços prestados;
H. O Recorrente não declarou, por lapso, a mais-valia obtida em consequência da alienação de um imóvel; após ter sido notificado de liquidação oficiosa efetuada pela Autoridade Tributária, o Recorrente prontamente apresentou faturas, recibos e outros documentos que comprovavam os diversos gastos e encargos em que incorreu com a construção do imóvel, que, no seu entender, deveriam ter sido considerados para efeitos do cálculo da mais-valia sob pena de, caso contrário, resultar a tributação de um ganho irreal;
I. Na base da fundamentação da AT, entre outros argumentos, estiveram as disposições do artigo 23.º do CIRC (por remissão do artigo 32.º do CIRS), segundo o qual consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nos termos; todavia, o Tribunal a quo não teceu quaisquer considerações acerca desta fundamentação, não se tendo pronunciado em momento algum sobre a temática do artigo 23.º do CIRC, em clara omissão de pronúncia;
J. Resulta da moldura jurídico-fiscal atual que existem dois requisitos necessários para que os gastos das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal, nomeadamente: a) que tais gastos sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais; b) e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos;
K. No entender da AT, não são de considerar os gastos em que o Recorrente incorreu por não estar preenchido o primeiro requisito acima enunciado – o da comprovação dos gastos realizados, uma vez que além de as faturas apresentadas serem segundas vias, têm em falta certos elementos descritivos, nomeadamente, “não têm indicação do local de descarga dos bens nem vêm acompanhadas das respetivas guias de remessa, pelo que se desconhece o destino das mercadorias”;
L. Sucede que, de acordo com a doutrina e jurisprudência mais recente, a nível do Supremo Tribunal Administrativo e também do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, o conceito de documento de suporte é mais amplo do que o da “fatura” strictu sensu, e pode abranger uma qualquer forma externa de representação da operação, sem as específicas solenidades da fatura, não havendo as mesmas exigências de forma e prova para efeitos de IRS/IRC que se verificam para efeitos de comprovação de IVA;
M. Assim, ao contrário do que se passa no IVA, no IRC as exigências formais quanto à comprovação dos custos serão menores, bastando que o documento justificativo explicite de forma clara, as principais características da operação, isto é, os sujeitos, o preço, a data e o objeto da transação, admitindo-se mesmo que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito;
N. O que se verificou, in casu, uma vez que os documentos apresentados pelo Recorrente e que servem de suporte aos gastos em que incorreu, reuniam todos os requisitos para se considerarem devidamente documentadas, nomeadamente: o descritivo/objeto de cada transação efetuada; os sujeitos envolvidos; as datas; os respetivos valores/montantes das faturas;
O. Neste sentido, ao desconsiderar todas e quaisquer faturas com base nestes argumentos, a AT pretende tributar o Recorrente num valor absolutamente irreal, atuando numa atitude claramente atentatória dos princípios da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da proibição do excesso;
P. Poderia admitir-se uma solução em sentido diverso caso as faturas apresentadas pelo Recorrente se tratassem meramente de documentos internos, emitidos pelo próprio, por exemplo notas de lançamento; o que não aconteceu aqui, pois foram apresentados não documentos próprios, mas sim diversas faturas, emitidas por entidades externas a quem foram contratados os serviços de construção e/ou fornecimento de materiais de construção;
Q. Relativamente ao facto de serem segundas vias, entende o Recorrente que a AT invoca argumentos que se afigurariam razoáveis se de uma liquidação de IVA se tratasse, já que, efetivamente, para comprovar despesas em sede de IVA, a apresentação de segundas vias de faturas reveste-se de caráter excecional; todavia, estamos perante uma liquidação de IRS, e nada na moldura jurídico-legal atual e à data dos factos sugere que não se possam apresentar segundas vias de faturas para efeitos de comprovar os gastos suportados em sede de IRS ou de IRC;
R. Em relação ao segundo requisito – o da indispensabilidade dos gastos – os referidos gastos revelaram-se também indispensáveis para a obtenção da mais-valia, na medida em que adicionaram valor ao imóvel em causa, viabilizando a rápida revenda do mesmo;
S. Acresce também, ainda que por mera hipótese académica se admitisse que as faturas, recibos, guias e outros documentos apresentados pelo Recorrente não contêm todos os elementos necessários para comprovar os gastos, seria de pressupor que as mesmas não tivessem sido aceites previamente, sequer, para efeitos de IVA;
T. Todavia, observamos que, para efeitos de IVA e IRC, as faturas que comprovam os gastos foram aceites pela Autoridade Tributária; porém, vem agora contradizer-se em sede de IRS em relação aos mesmos documentos que anteriormente considerou admissíveis para a dedução de gastos em IVA e em IRC;
U. Com tal atuação, a AT incorreu em abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium, que se verifica quando alguém exerce uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente;
V. Por fim, relativamente ao facto de as faturas se encontrarem ainda em dívida, qualquer que seja a razão que...

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