Acórdão nº 3/21.1T8FER.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10-02-2022
Data de Julgamento | 10 Fevereiro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 3/21.1T8FER.E1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. O Ministério Público instaurou contra (…) e (…), residentes na Avenida (…), n.º 20, 1.º-Esq., em Tavira, ação de impugnação de paternidade.
Alegou, em resumo, que no dia 17 de junho de 2020, no Centro Hospitalar do Algarve, a R. deu à luz uma criança do sexo masculino, que veio a ser registada como filho de ambos os Réus com o nome de (…).
O recém-nascido foi sinalizado junto da CPCJ e no âmbito de processo de promoção e proteção, a mãe do menor referiu à técnica da Segurança Social que quinze dias antes de vir para Portugal, em Outubro de 2019, fora agredida e violada por dois indivíduos na localidade onde residia, tendo conhecimento de que estava grávida quando se encontrava no nosso país, referindo que nesse período não teve relações sexuais com o marido.
Alegou ainda que o R. comentou na CPCJ que a criança não seria sua filha e que posteriormente os Réus se apresentaram na Conservatória do Registo Civil de Tavira e efetuaram o registo da criança.
Concluiu pedindo que seja declarado que o menor (…), nascido em 17 de Junho de 2020, não é filho do réu.
Os Réus contestaram por exceção e por impugnação; excecionaram o erro na forma do processo e a ilegitimidade do Ministério Público para intentar a ação.
O A. respondeu às exceções por forma a defender a sua improcedência.
2. Findos os articulados, foi proferida decisão a julgar improcedente a exceção do erro na forma do processo e procedente a exceção da ilegitimidade do A. absolvendo os Réus da instância.
3. O recurso
O A. recorre desta decisão e conclui assim a motivação do recurso:
“- A criança nasceu a 17-6-2020.
- A senhora técnica da Segurança Social, no relatório do processo de promoção e proteção, disse que a criança nasceu fruto de uma violação ocorrida no estrangeiro.
- Mais disse a progenitora que não teve relações com o marido e que este fez uma vasectomia há vários anos.
- O indigitado progenitor disse na CPCJ que na realidade não era o pai da criança.
- Todavia, o Réu registou a criança como se fosse seu filho biológico, sabendo que não o era.
- O MP pediu certidão a 19-08-2020 e instaurou processo de averiguação oficiosa, que seguiu os seus normais termos.
- Em ação de averiguação oficiosa de impugnação de paternidade, o MP declarou ser viável a presente ação, cfr. artigo 62.º, n.º 1, do RGPTC.
- Em consequência, no prazo legal, instaurou a ação de impugnação oficiosa de paternidade, cfr. artigo 62.º do RGPTC.
- A sentença recorrida entende que só o progenitor pode ser impugnada a paternidade. Ora, se foi o Réu/progenitor quem violou a lei (registou como seu filho, sabendo que não o era), é, óbvio, que não vai pedir a impugnação.
- Caso se entenda como a sentença recorrida, se a impugnação de criança nascida num casal não puder ser impugnada, estaríamos a abrir a porta aos mais diversos esquemas de ilegalidades (como o recurso a sistemas paralelos de registo de crianças como filhos, sabendo que não o são).
- Esta situação viola os mais elementares direitos fundamentais à identidade pessoal, consagrada no artigo 26.º da Constituição, como a jurisprudência assim se tem pronunciado.
Nestes termos, a sentença recorrida deverá ser anulada e substituída por outra que ordene o normal prosseguimento dos autos, conforme pedido na petição inicial.
No entanto, como sempre, V. Exas. farão a costumada Justiça”.
Responderam os Réus por forma a defender a improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, importa decidir se o Ministério Público tem legitimidade para impugnar a paternidade presumida, nos casos em que tal não lhe foi requerido pelo pretenso progenitor biológico.
III. Fundamentação
1. Factos
Embora não os haja discriminado, a decisão recorrida fundamentou-se nos seguintes factos que se mostram provados por documento:
a) … e … casaram entre si no dia 13/03/2014.
b) … nasceu no dia 17 de junho de 2020 e mostra-se registado como filho de … e de ….
2. Direito
2.1. Se o Ministério Público tem legitimidade para impugnar a paternidade presumida, nos casos em que tal não lhe foi requerido pelo pretenso progenitor biológico
A decisão recorrida julgou verificada a exceção dilatória da ilegitimidade do Ministério Público para propor a ação considerando o seguinte:
“O Ministério Público intenta a presente ação de impugnação da paternidade ancorando-se no artigo 1859.º do C. Civil (cfr. art. 24º da petição inicial), cujo n.º 1 estatui que «a perfilhação que não corresponde à verdade é impugnável em juízo mesmo depois da morte do perfilhado», dispondo o n.º 2 que «a ação pode ser intentada, a todo o tempo, pelo perfilhante, pelo perfilhado, ainda que haja consentido na perfilhação, por qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência ou pelo Ministério Público».
Tal preceito reporta-se aos casos em que a paternidade foi estabelecida por via da...
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