Acórdão nº 2996/20.7T8CSC-D.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 15-03-2023

Data de Julgamento15 Março 2023
Ano2023
Número Acordão2996/20.7T8CSC-D.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I – Relatório.


Notificado o despacho proferido pela Mm.ª Juiz a quo na presente acção declarativa, com processo comum, que AAA (e outros) intentaram contra BBB (e outros), acerca do protesto que aquela lavrara na acta da sessão da audiência de julgamento que decorrera no dia 20-09-2022, dele veio a mesma apelar, pedindo que seja revogado, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"1. Vem o presente recurso interposto do despacho da M.ª Juíza a quo que, perante o requerimento de protesto apresentado pela mandatária da A., conclui inexistir fundamento legal ao exercício do direito de protesto por parte da mesma mandatária, exercício que considerou abusivo. Ora,
2. A M.ª Juíza a quo permite-se no mesmo despacho insinuar a existência de uma hipotética – e realmente de todo inexistente – infracção disciplinar, com uma referência que se revela não só de todo injustificada e despicienda, como até excedendo os limites do dever, que é relacional e recíproco, de urbanidade e correcção.
3. Dever esse a que a mesma magistrada se encontra obviamente vinculada. Por outro lado,
4. É preciso ter presentes as circunstâncias particulares – que precisamente a mesma Sra. Juíza a quo oblitera por completo – da presente acção, que é daquelas que justificam um ainda rigoroso controlo por parte dos Tribunais (visto respeitar, no entender da A. a uma sofisticada operação jurídico-formal de fraude à lei, v.g as relativas à transmissão de empresas ou estabelecimentos e aos despedimentos colectivos, e à necessidade de protecção dos direitos dos trabalhadores atingidos),
5. Exigindo do julgador uma ainda maior preocupação com a protecção do contraente mais débil, como forma de garantir a igualdade substancial das partes, com a busca da verdade material dos factos e com o predomínio da materialidade sobre a formalidade.
6. Havendo a mandatária da A., no exercício do seu mandato e em defesa dos direitos e legítimos interesses dos seus constituintes, entendido não apenas poder, mas até dever protestar contra a forma como a Sra. Juíza a quo não lhe tinha permitido colocar pedidos de esclarecimento ao depoente que acabara de prestar depoimento e em contrapartida tinha anuído aos pedidos de esclarecimentos apresentados pelo Ilustre Mandatário BBB
7. Indicando explicitamente – ao contrário do que erradamente refere o despacho impugnado – que os seus próprios pedidos de esclarecimentos se reportavam ao grupo …, ao modo como as diversas empresas se interligavam e sobretudo como a Fundação era a dona, a beneficiária e a dirigente efectiva do mesmo grupo,
8. Do mesmo passo que as questões colocadas pelo mesmo Ilustre mandatário se reportavam a factos sobre as quais o depoente não depusera e nomeadamente quanto às relações das RR. dos presentes autos com outras empresas de outros grupos que nada têm que ver com o objecto deste processo e a matérias a este totalmente estranhas.
9. Para a A., se já é errado tentar-se impedir a descoberta e a demonstração de factos instrumentais, complementares ou acessórios relativamente aos essenciais, mais errado é obstaculizar a dilucidação daqueles que interessam à A. e anuir à colocação de esclarecimentos e à suscitação daqueles outros que convêm à posição das RR. mas que nenhuma natureza de 'instância' ou de pedido de esclarecimento têm.
10. Essa é a convicção da mesma A., ainda que a M. Juíza a quo a possa considerar errada e até injusta, mas tal não pode ser sinónimo da atribuição à mandatária de reprováveis intuitos que manifestamente aquela não tem.
11. Mesmo que se pudesse aceitar o entendimento de que o requerimento apresentado pela mandatária da A., constituindo um protesto contra a situação criada, não corresponderia ao direito de protesto do art.º 80.º do EOA, o certo é que tal questão é completamente inócua já que é inequívoco que, por ele, a mandatária requereu/reclamou aquilo que, em benefício do patrocínio, entender reclamar.
12. O exercício de protestar ou reclamar contra aquilo que se considera injusto ou errado não é apenas um direito, mas um basilar dever deontológico de todo o Advogado,
13. Competindo-lhe fazê-lo com correcção – tal como a mandatária da A. aqui fez, pois em nada atingiu a pessoa a honorabilidade da pessoa da Sra. Juíza a quo, mas antes lhe censurou condutas – mas também com a plena liberdade que a consagração do papel do mandatário que pela CRP (art.º 208.º), que pelo ponto 20 aprovado no '8.º Congresso das Nações Unidas para a prevenção e tratamento dos delinquentes' necessariamente exige e impõe.
14. O Advogado tem que ouvir, tem que ver, tem que falar, e não metade, mas tudo o que, em consciência, entenda para defender, de forma correcta como foi aqui o caso, os interesses dos seus constituintes.
15. Não tem, pois, o despacho recorrido qualquer fundamento quer de facto, quer de Direito, sendo até susceptível de ser interpretado como uma ameaça, ética e legalmente inaceitável, sobre um Advogado no exercício das suas funções, e como tal deve ser integralmente revogado".

Nenhuma das rés contra-alegou.

Admitido o recurso na 1.ª Instância para subir imediatamente e em separado dos autos e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público,[1] tendo o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto sido do seguinte parecer:
"(...)
A autora AAA vem interpor recurso desse despacho, alegando que 'Vem o presente recurso interposto do despacho da MJ Juíza a quo que, perante o requerimento de protesto apresentado pela mandatária da A., conclui inexistir fundamento legal ao exercício do direito de protesto por parte da mesma mandatária, exercício que considerou abusivo' (conclusão 1) e requerendo que o despacho recorrido seja integralmente revogado (conclusão 15).
No designado protesto apresentado pela mandatária da autora, pode ler-se o seguinte:
'(...) exercer o seu direito de protesto relativamente à forma como efectivamente a audiência de julgamento correu termos, relativamente aos critérios quanto aos esclarecimentos, que no seu entender, não que não se mostraram iguais relativamente às partes. A Mandatária dos autores viu-se impedida de colocar diversos esclarecimentos, ou uma manifesta má vontade que a mandatária colocasse esses mesmos pedidos de esclarecimentos sendo esta a sua função a exercer neste douto Tribunal. Incluindo-se as referências às declarações da autora a instâncias do ilustre mandatário da Fundação BBB, que não viu tal tratamento ser dado em igualdade de circunstâncias, o que no entender da mandatária subscritora consubstancia um tratamento diferenciado com potencial influência no resultado do presente litígio (...).
E, no momento em que se pretende evidenciar esse 'tratamento diferenciado' entre as partes, invoca-se no referido requerimento de protesto que:
'Em vista estão os pedidos de esclarecimentos concretos feitos quanto ao empregador e a companhia do Grupo … com outras empresas de outros grupos que não são parte neste processo e que nada têm a ver com este processo nem são arguidos factos relativamente a essas circunstâncias ou foram feitos esclarecimentos relativamente a essa matéria. Contudo já os pedidos de esclarecimentos feitos pela mandatária subscritora quer quanto à autonomia das empresas do grupo … quanto a empresas do grupo … ou até mesmo relativamente a outros temas, a mesma viu-se impedida de os fazer, ou sendo colocados pedidos de esclarecimentos os mesmos nunca o foram nos termos ou com os efeitos que eram pretendidos.'.
Ou seja, embora não mencione os concretos esclarecimentos que a mandatária da autora entende que deveria ter sido admitida a suscitar, bem como os que o mandatário da ré não poderia ter sido autorizado a formular, apresenta, ainda assim, os temas relativamente aos quais manifesta a sua discordância e que se prendem com as relações entre as empresas dentro do grupo …e com outras fora do mesmo grupo.
Todavia, importa perceber se o protesto tinha um efectivo efeito útil e qual seria.
Ora, manifestamente, não estando especificadas no protesto as concretas questões que a mandatária da autora pretendia que fossem colocadas à declarante, não se vislumbra qual o resultado efectivo que se pretendia alcançar com o mesmo.
E a este propósito, pela sua similitude com a situação que se aprecia neste recurso, traga-se à colação o que se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-07-2009 (p. 2/03.5TAESP-B.P1):
...

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