Acórdão nº 2992/22.0T8OAZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-26

Ano2023
Número Acordão2992/22.0T8OAZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação / processo n.º 2992/22.0T8OAZ.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis

Autor: AA
Ré: A..., Unipessoal, Lda.
_______

Nélson Fernandes (relator)
Jerónimo Freitas (1.º adjunto)
Rita Romeira (2.ª adjunta)



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A..., Unipessoal, Lda., pedindo o seguinte:
- A declaração de que foi ilicitamente despedido; e
- A condenação no pagamento da quantia de €2.660 a título de indemnização em substituição da reintegração e a quantia de €4.281,97 correspondente a créditos laborais vencidos, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato, no montante de €260,18 e vincendos até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese: que em 14 de setembro de 2021 foi surpreendido com uma carta com uma denúncia por abandono, mas os seus fundamentos eram falsos, pelo que estava a trabalhar e assim continuou até final de setembro e, a partir de final de setembro, o patrão deixou de o ir buscar à sua residência e disse-lhe que não tinha mais trabalho para ele e que se fosse embora; por isso, considera que foi despedido ilicitamente, tendo direito à indemnização pedida em substituição da reintegração; acresce que a Ré não procedeu ao pagamentos dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal do ano de 2021 no montante de €1.492,14, nunca lhe pagou os períodos de férias nos montantes de €474,55 [2018], €600 [2019], €635 [2020] e €665 [2021] e, por fim, não lhe forneceu formação profissional, pelo que tem direito à quantia de €114,79.

Contestou a Ré alegando, em síntese, que existiu denúncia por abandono, pois o Autor esteve mais de 10 dias úteis sem comparecer e sem dar qualquer justificação; acresce que, por força disso, tem ela Ré direito a uma indemnização de €1.330, a que acrescem os prejuízos decorrentes do abandono, pois ficou sem motosserrista, só conseguiu contratar outro passados seis meses, deixou de aceitar trabalhos e de concluir outros nos prazos, sofrendo prejuízos de €7.000.
Respondeu o Autor alegando, em síntese, que a própria Ré declarou à Segurança Social retribuições que lhe foram pagas no mês de setembro de 2021. Sustentou, ainda, que a Ré deve ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização, por impugnar genericamente, sem sequer tomar posição quanto aos autos, sem juntar recibos de vencimento e faz um pedido indemnizatório sabendo que se baseia em factos falsos.

Fixado o valor da ação em €15.532,15 e admitida a reconvenção deduzida pela Ré, foi proferido de seguida despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se enunciaram os temas de prova.

2. Seguindo os autos os seus posteriores termos, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta (transcrição):
“III – Decisão.
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de €2.786,22, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada parcela das prestações referidas, até integral pagamento.
Para além do reconhecimento e consideração da compensação, julgo improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, dele absolvo o autor.
Julgo improcedente o pedido de condenação da ré como litigante de má-fé.
Custas por autor e ré, na proporção do decaimento e sem prejuízo da isenção de que eventualmente beneficiem.
Registe e notifique.”

2.1. Com data de 26 de janeiro de 2023, apresentou a Ré requerimento com o seguinte teor:
“Há alguns dias, o mandatário da R requereu lhe fosse disponibilizada pela secção deste tribunal a gravação dos depoimentos das testemunhas, a fim de apresentar recurso da decisão proferida nos autos e poder contar também com essa gravação desse depoimento, na medida em que pretende recorrer da matéria de facto dada como não provada e requerer a sua modificabilidade, nos termos em que tal pretensão é legal e processualmente admissível.
Para esse efeito considera a R que a gravação, audição e transcrição do depoimento da testemunha BB, que respondeu a toda a matéria dos temas de prova, sendo que tal depoimento encontra-se gravado em suporte digital/CD, no contador de 00:00:01 a 00:27:36, em pista com a sua identificação, é essencial para a reapreciação de parte dos factos não provados, que, na opinião da R foram incorrectamente julgados como tal.
Ora tendo procedido à audição da gravação do depoimento dessa testemunha verifica o mandatário da R que é completamente impossível ouvir-se o que essa testemunha disse em julgamento, considerando que houve problema de natureza técnica que não permite ouvir-se de todo as suas declarações
A referida deficiência da gravação dessas declarações e dessa prova determina a imperceptibilidade de toda a inquirição da testemunha, cujo depoimento, como se disse, a R considera decisivo ou importante pois pode constituir causa suficiente para ser alterada a decisão proferida pelo tribunal sobre a matéria de facto e compromete a possibilidade do Tribunal Relação proceder à reapreciação dessa decisão.
Ou seja, a R considera ter o direito de concluir que a deficiência da gravação, nessa parte, constitui nulidade processual e pode e deve por causa disso exigir a repetição do ato viciado e dos actos posteriores que dele dependam.
Em conformidade com a jurisprudência que se tem pronunciado sobre matéria idêntica, a nulidade da gravação deve ser conhecida oficiosamente, designadamente o acórdão do TRG 3268/17.0T8BRG.G1, de 28.03.2019, publicado no site da DGSI ...
“Ora, é certo que a deficiência da gravação dos depoimentos prestados em audiência influencia o exame e a decisão da causa, nomeadamente a apreciação conveniente desses depoimentos para aferir se eles foram ou não devidamente apreciados pelo tribunal recorrido para fixar a matéria de facto pelo que a verificar-se este vício não oferece duvidas estarmos perante a omissão de um ato prescrito por lei (já que a deficiência da gravação equivale, na prática, à sua omissão) suscetível de influir no exame e na decisão da causa; o que importa a nulidade do ato e dos subsequentes que dele dependam absolutamente (arts. 195.º e 196.º do CPC)….”
No sentido de que se trata de nulidade de conhecimento oficioso veja-se para além do acórdão citado nas alegações de recurso, o acórdão do TRC de 19-122017 e o Ac. RL de 12/11/2013 (ANA RESENDE) 1400/10.3TBPDL.L1(também disponível em www.dgsi.pt) “…” as anomalias na gravação das provas se podem considerar como uma irregularidade especial a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que de resto se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência.”
Além disso, não parece sequer ser impeditivo do conhecimento oficioso dessa nulidade a eventual preclusão do direito das partes de arguirem a nulidade da deficiência da gravação, pois mesmo que tal se verificasse neste caso concreto (e não é o caso) tal não impede o conhecimento oficioso dessa mesma nulidade pelo tribunal de recurso, à luz da parte final do art.º 196.º do CPC» se pronunciaram os citados acórdão do TRG e do TRC
Na jurisprudência citada sustenta-se que
….Podemos por isso afirmar que continua atual o decidido no Ac. STJ de 16/12/2010 (disponível em www.dgsi.pt), de que o “…art. 9.º do DL 39/95, de 15-02, aponta no sentido de se poder considerar as anomalias na gravação das provas como uma irregularidade especial, a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que de resto se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência (…).
“A especialidade mais saliente deste regime legal traduz-se, justamente, na circunstância de a Relação poder ordenar por sua iniciativa a repetição das provas que se encontrem impercetíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, essencial ao apuramento da verdade (…). A inaudibilidade de um ou mais depoimentos – facto que sempre terá de ser constatado pela 2.ª instância – equivale praticamente, quando esteja em causa reapreciar as provas em sede de apelação, à inexistência da prova produzida; e se a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto.”
Nestas circunstâncias, muito respeitosamente, deverá ser considerada procedente a nulidade alegada, anulando-se a sentença proferida por este Tribunal e mandar-se repetir-se a Audiência de Discussão e Julgamento pelo menos no que respeita à audição da testemunha acima indicada e dessa forma ser assegurado o registo efectivo do seu depoimento.”

2.2. Em 1 de fevereiro de 2023, apresentou a Ré / reconvinte requerimento de interposição de recurso, que finalizou com as seguintes conclusões:
1- Com o devido respeito, a decisão recorrida não valorou totalmente os factos com os quais a R sustentou a sua reconvenção e o seu pedido reconvencional e considera que, face à factualidade provada, deveria ter sido adequadamente indemnizada pelo A devido aos prejuízos que lhe provocou a conduta deste.
2- Nos termos do disposto no art. 640.º do Cpc, os recorrentes consideram que, de forma incorrecta, na sentença recorrida, não resultou provado o que consta dos factos não provados, designadamente:
(7. Em consequência da falta inesperada do autor, a ré não conseguiu contratar um motosserrista para os trabalhos que estava a executar em setembro de 2021 e nos meses subsequentes.
8. O que determinou atrasos e constrangimentos relevantes no trabalho que a ré estava a efectuar nessa data.
9. A ré ficou pelo menos durante 6 meses sem motosserrista.
10. Apesar de ter tentado contratar trabalhador não o conseguiu
...

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