Acórdão nº 2978/12.2 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-02-16

Ano2023
Número Acordão2978/12.2 BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, as juízas que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - RELATÓRIO

A Representante da Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o previsto no n.º 3, artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por J. S M. contra o processo de execução fiscal n.º …..454 e aps, originariamente instaurado contra a L., Lda., para cobrança coerciva de € 170.260,86, referente a IVA, IRC, IRS e IS dos anos de 2008 a 2010.
A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui recorrida padece de erro de julgamento, pois face à prova produzida, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o oponente foi efectivamente gerente da devedora originária no período a que respeitam os impostos em dívida.
B. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso sub judice, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução, encontrando-se demonstrada a gerência de facto por parte do ora recorrido.
C. Das declarações de parte, o ora Oponente identifica-se prontamente como gerente da sociedade “L., LDA” desde 2006 até “acabar”, isto é, 2010 (conforme o declarado entre os minutos 01:01 a 01:16 do seu depoimento).
D. Ao longo do depoimento de parte o Oponente afirmou o seguinte:
· “…a nossa empresa…” (minutos 04:21, 06:02 e 13:52 do seu depoimento)
· “…pedimos um apoio ao IAPMEI (minuto 06:01 do seu depoimento)
· “Em 2008 investimos num programa de informática analítica…” (minuto 07:05 a 07:12 do seu depoimento)
· “verificámos que havia ali falhas das declarações fiscais e decidimos depois repor essas declarações fiscais” (minuto 08:05 a 08:16 do seu depoimento)
· “…contratámos essa empresa GEST 7…” (minuto 08:26 do seu depoimento)
· “falámos em conjunto com o nosso contabilista que entrou, falámos com a Administração Fiscal, fizeram-se planos e acordou-se planos de pagamento…” (minuto 08:52 a 09:03 do seu depoimento)
· “…abrimos uma linha com a Caixa… uma linha de factoring…” (minuto 10:18 a 10:27 do seu depoimento)
· “tentámos reduzir todos os custos possíveis, mudámos de instalações… reduzimos os nossos salário…” (minuto 12:59 a 13:14 do seu depoimento)
· “Nós fizemos vários negócios com eles… pensámos pôr um processo de cobrança em tribunal… prescindimos cerca de € 100.000,00 na nossa fatura para eles nos pagarem rapidamente” (minuto 15:24 a 16:20 do seu depoimento)
· “Fizemos algumas injunções” (minuto 24:56 do seu depoimento)
E. No depoimento de parte o próprio Oponente identifica-se como gerente, pelo que não há margem para dúvidas que o mesmo era gerente da sociedade “L., LDA”, pois é o próprio a assumir tal qualidade.
F. Considerando os excertos supra citados do depoimento de parte, parece-nos claro que o oponente J. S. M. praticou actos de gerência, consubstanciados nas opções de gestão da sociedade “L., LDA” tomadas pelo próprio.
G. Conforme o próprio Oponente afirma, decidiu pedir apoio ao IAPMEI, pedir apoio aos bancos, mudar o programa informático analítico, contratar uma empresa de contabilidade, apresentar declarações fiscais de substituição, abrir uma linha de factoring com a Caixa, vinculando, com tais actos, a sociedade perante terceiros.
H. O ora Oponente realça que perante as dificuldades financeiras tomou medidas no sentido de tentar reduzir os custos dando como exemplo a mudança de instalações e redução dos salários.
I. O Oponente chega a dar um exemplo de uma situação concreta com um cliente em que depois de reuniões de negociação, decidiram prescindir cerca de € 100.00,00 da fatura.
J. O Oponente referiu, ainda, que abriram uma linha de factoring com a Caixa, cujo contrato de factoring foi assinado pelo Oponente.
K. Decidiu-se na douta sentença ora recorrida que a prova da gerência de facto resume-se à existência do referido contrato de factoring, no entanto, salvo o devido respeito, cremos que do depoimento de parte resulta claro que o ora Oponente tinha uma participação ativa na gestão da sociedade, decidindo o rumo e a estratégia a seguir pela mesma e não se limitou a assinar o referido contrato de factoring.
L. Ora, do depoimento de parte e conforme excertos supra evidenciados reflectem que o Oponente praticou típicos actos de gerência, essenciais ao exercício da actividade regular da sociedade originária devedora, pelo que comprova, sem margem para dúvidas, o exercício da gerência de facto por parte do Oponente que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fica juridicamente vinculada.
M. Fica, assim, demonstrado que o Oponente para além de gerente de Direito era gerente de facto da L., LDA”.
N. Destarte, sendo a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados exteriorizados pelo gerente, a Fazenda Pública fez a prova da prática de actos exteriorizadores dessa vontade que vincula a sociedade devedora originária perante terceiros.
O. Perante o exposto, não resta senão concluir que o oponente exerceu de facto a gerência da sociedade, pelo que, a douta sentença ao decidir como decidiu não fez uma correcta apreciação da matéria de facto.
P. Assim sendo, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que não ficou provada a gerência de facto da devedora originária por parte do Oponente, julgando-o parte ilegítima na execução, no entanto, como ficou demonstrado supra, o ora Oponente era gerente de direito e de facto da sociedade “L., LDA”, pelo que deveria ter sido considerado parte legítima na execução.
Q. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a actuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23.º e 24.º da LGT.
R. Ora, salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não se conforma com a decisão proferida, e isto porque, atento aos elementos probatórios juntos aos autos, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade do recorrido.
S. Daqui decorrendo que a Fazenda Pública, carreou toda a prova necessária que permite, com elevado grau de certeza jurídica, confirmar a gerência de facto do Oponente.
T. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, e de erro de interpretação de lei.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA.”
*
O Oponente, aqui Recorrido, apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição do recurso interposto pela Recorrente por incumprimento do ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC, mais pugnando, subsidiariamente, pelo não provimento de recurso interposto, porquanto, alega, a sentença recorrida não padece de qualquer vício ou erro de julgamento.
*
Notificado, o Ministério Público através do Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da baixa dos autos ao Tribunal a quo para renovação da produção de prova testemunhal e fixação do quadro factual suficiente para o julgamento da causa, porquanto, refere, a sentença padece de défice instrutório.
*

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (artigo 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Por outro lado, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida efectuou errado julgamento e apreciação da prova, por resultar das declarações de parte e da restante prova produzida, a prova de que o Oponente ora recorrido exerceu as funções de gerente de facto da sociedade executada.
*

III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
A) Do Registe de Constituição da Sociedade com a denominação social L., Lda, com objecto social a prestação de serviços de consultadoria e instalação de redes de telecomunicações, instalações eléctricas, informática e publicidade, comércio de equipamentos informáticos e telecomunicações, onde consta, designadamente:
Ap/20061006 – Contrato de Sociedade e Designação de Membro(s) de Órgão(s) Social(ais)
(…).
Sócios e quotas:
Quota: 2.550,00 Euros
Titular: C. – C. I., Lda
(…).
Quota: 2.450,00 Euros
Titular: N. R. C. M. R.
(…).
Forma de obrigar: pela assinatura de dois gerentes ou de um procurador com poderes para o acto.
Órgão(s) designado(s)
J. s. M.
(…).
N. R. C. M.
Cargos: gerentes
Data da deliberação: 20060925
(…).
Ap 114/20101216 Cessação de Funções de Membro de Órgão(s) Social(ais)
Gerência:
Nome/Firma: J. S. M.
(…).
Nome/Firma: N. R. C. M. R.
(…).
(…).
Ap 115/20101212 – Designação de Membro de Órgão(s) Social(ais)
(…).
Gerência:
Nome/Firma: M. J. T. p. O.
(…)
Data da deliberação: 2010-12-12
(…).
B) Contra a sociedade identificada em A) foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal:

N° processo
Período tributação
Data limite pagamento
Tributo
Valor
….454
2008-01-01 2008-12-31
2008-10-20
...

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