Acórdão nº 2947/20.7T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-07-13

Ano2022
Número Acordão2947/20.7T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

RELATÓRIO

J. M., residente no Campo …, n.º … Barcelos, instaurou a presente ação declarativa, como processo comum, contra J. L., advogado, com domicílio profissional na Av. … Barcelos, e Seguradora X Company, SE, com representação em Portugal na Avenida … Lisboa, pedindo que se:

a) declarasse que o 1º Réu incumpriu as suas obrigações enquanto advogado para com o Autor;
b) declare que a 2ª Ré fosse solidariamente responsável com o 1º Réu, em resultado do contrato de seguro referente a responsabilidade civil profissional a que foi atribuída a apólice n.º …………..9A, pelo pagamento ao Autor da quantia correspondente a 300.000,00 euros, em resultado do parecer jurídico errado que o 1º Réu deu ao Autor, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo pagamento;
c) se condenasse solidariamente os Réus ao pagamento ao Autor da quantia de 300.000,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que o 1º Réu é advogado e que, em 10/11/2005, o Autor dirigiu-se ao escritório deste, a fim de lhe solicitar parecer sobre o modo seguro de conceder um empréstimo de 300.000,00 euros a A. S..
Nessa reunião, o Autor entregou ao 1º Réu uma minuta de contrato promessa de compra e venda para que o lesse e emitisse parecer se seria necessário aditar alguma cláusula ou elaborar um outro contrato.
O Autor explicou ao 1º Réu que conhecia A. S. desde 2005 e que este era sócio e gerente da sociedade “Y”, a qual tem por objeto a construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
Mais explicou que essa sociedade estava a construir um empreendimento, em propriedade horizontal, e que dos cinco blocos que integram o empreendimento, quatro estavam prontos e praticamente todos vendidos, e que apenas estava um bloco, constituído por cinco apartamentos destinados a habitação, em fase de acabamentos.
Também explicou que o empréstimo a fazer a A. S. se destinava a permitir o pagamento ao empreiteiro dos trabalhos de acabamento desses cinco apartamentos.
O Autor pretendia que o 1º Réu verificasse se pelo referido contrato promessa de compra e venda os cinco apartamentos que ainda não tinham sido vendidos, ficavam como garantia desse empréstimo a conceder a A. S. e se este último também garantia pessoalmente a restituição dos 300.000,00 euros.
Após ler o contrato promessa, o 1º Réu disse ao Autor que não havia riscos de não restituição dos 300.000,00 euros, na medida em que ao Autor eram prometidos vender quatro apartamentos e que o valor destes era superior ao do empréstimo, já que cada apartamento tinha um valor comercial superior a 95.000,00 euros, pelo que, em caso de incumprimento, o Autor receberia por parte do A. S. 380.000,00 euros e, bem assim, que este teria o prazo de um ano para concluir o pagamento do empréstimo e que o poderia fazer de duas maneiras: ou a sociedade vendia os quatro apartamentos e pagava ao Autor, por cada apartamento vendido, 80.000,00 euros, a que correspondia um lucro para o último de 5.000,00 euros por apartamento; ou a sociedade não conseguia vender os apartamentos no prazo de um ano e teria de efetuar a escritura de compra e venda a favor do Autor, no prazo de um ano a contar da assinatura do contrato promessa.
À pergunta do Autor sobre se era necessário efetuar algum contrato complementar ou registo sobre as frações, o 1º Réu disse-lhe que não era necessário, que o contrato promessa era o bastante.
Confiando nas palavras do 1º Réu, a quem pagou 400,00 euros pela consulta e análise do contrato-promessa, o Autor assinou esse contrato e entregou ao A. S. os 300.000,00 euros.
Acontece que o A. S. nunca mais contactou com o Autor, não atende os telefonemas deste e ausentou-se para parte incerta e não lhe restituiu os 300.000,00 euros.
Iniciadas as buscas no sentido de apurar a situação do empreendimento, o Autor apurou que as frações prometidas vender àquele estavam hipotecadas à Caixa … e que já tinham sido penhoradas pela Segurança Social no âmbito de processos de execução.
Mais apurou que a sociedade “Y” tem as suas instalações encerradas e foi declarada insolvente por sentença proferida em 12/11/2006.
Também apurou que A. S. e a mulher eram proprietários de um terreno, mas que este já se encontrava penhorado.
O Autor instaurou ação de condenação contra A. S. e mulher, em que estes, por sentença transitada em julgado, foram condenados a restituírem-lhes os 300.00,00 euros emprestados.
Acontece que o A. S. e a mulher nada restituíram ao Autor e desconhece-se o paradeiro daqueles e a existência de bens.
O 1º Réu deu uma consulta verbal ao Autor, em que emitiu um parecer errado e incompleto, com o lhe causou um prejuízo de 300.000,00 euros.
A responsabilidade civil profissional do 1º Réu, à data daquela consulta e emanação do dito parecer verbal, encontrava-se transferida para o 2º Réu, por contrato de seguro, até ao limite de 150.000,00 euros, com uma franquia de 5.000,00 euros.
O 1º Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para ser demandado para os termos da presente ação, alegando que, de acordo com os factos alegados pelo Autor, este não lhe conferiu qualquer mandato, não foi o 1º Réu quem elaborou o contrato promessa, nem o Autor o procurou para o patrocinar no assunto em questão.
Mais invocou a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório que o Autor exerceu nos autos, alegando que, atenta a relação jurídica alegada na petição inicial, esse pretenso direito indemnizatório fundava-se no instituto da responsabilidade civil aquiliana, pelo que, alegando o Autor que o pretenso parecer jurídico que o 1º Réu lhe terá prestado foi emanado em 10/11/2005, o direito indemnizatório a que aquele se arrogou titular há muito que se encontrava prescrito.
Em sede de impugnação, com exceção dos factos articulados nos pontos 1º e 2º da petição inicial, o 1º Réu impugnou, por falsa ou por desconhecimento, toda a restante facticidade alegada pelo Autor.
Concluiu pedindo que se julgasse a ação improcedente e se condenasse o Autor como litigante de má fé, em severa multa e em indemnização não inferior a 10.000,00 euros.
A 2ª Ré seguradora contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório a que o Autor se arrogou titular basicamente com os mesmos argumentos deduzidos pelo 1º Réu.
Em sede de impugnação, com exceção da facticidade alegada nos arts. 1º e 2º (o exercício da advocacia pelo 1º Réu a título profissional) e 52º a 55º (a existência de contrato de seguro, mediante a qual a responsabilidade civil profissional do 1º Réu decorrente do exercício da advocacia, à data dos factos descritos pelo Autor na petição inicial, encontrava-se transferida para a 2ª Ré, até ao limite de 150.000,00 euros e com uma franquia de 5.000,00 euros) da petição inicial, a 2ª Ré impugnou toda a restante facticidade alegada pelo Autor.
Concluiu pedindo que se julgasse procedente a exceção perentória da prescrição e se absolvesse aquela do pedido e, subsidiariamente, se julgasse a ação improcedente, por não provada, com igual consequência.
O Autor apresentou réplica em que conclui pela improcedência da exceção perentória da prescrição invocada pelos Réus, sustentando que, atenta a facticidade que alega na petição inicial, a sua pretensão indemnizatória se fundava na responsabilidade civil contratual, cujo prazo de prescrição ascendia a vinte anos, não estando, portanto, esse prazo ainda decorrido.
Concluiu pela improcedência do pedido de condenação como litigante da má fé formulado pelo 1º Réu.
Por despacho proferido em 20/09/2021, suspendeu-se a instância até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir no âmbito do Proc. n.º 1718/18.7T8BCL, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga, Juiz 2.

Transitado em julgado essa decisão final, em 03/03/2022, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue:

“O Tribunal pondera conhecer de mérito a ação já no saneador uma vez que, analisando as posições das partes nos respetivos articulados, pensamos não estarem reunidos os pressupostos para a condenação do Réu com base na responsabilidade civil contratual.
Concedo o prazo de 3 dias para que as partes informem se pretendem a marcação de audiência prévia com a finalidade prevista no artigo 591º, n.º 1, al. b) do CPC, ou se optam pela dispensa da audiência prévia, sendo, nesse caso, fixado pelo Tribunal um prazo ulterior de 10 dias para pronúncia por escrito quanto a essa possibilidade”.

Autor e Réus declararam expressamente optarem pela segunda alternativa ou nada terem a opor que se dispensasse a realização de audiência prévia.
Nessa sequência, a 1ª Instância concedeu às partes o prazo de dez dias para se pronunciarem “quanto à possibilidade de se proferir decisão de mérito a indeferir a pretensão do Autor pela não verificação dos requisitos inerentes à responsabilidade civil contratual de advogado”.
Pela Ré seguradora foi dito não se opor “à possibilidade de o Tribunal proferir decisão de mérito a indeferir a pretensão do Autor pela não verificação dos requisitos inerentes à responsabilidade contratual de advogado”.
Pelo 1º Réu foi dito concordar com a posição assumida pelo tribunal.
Finalmente, pelo Autor foi dito, em síntese, que, na sua perspetiva, alegou matéria de facto suficiente para se concluir estarem reunidos todos os pressupostos legais da responsabilidade civil de advogado em que fundou a sua pretensão indemnizatória.

Em 30/03/2022, a 1ª Instância proferiu saneador-sentença, fixando o valor da presente ação em 300.000,00 euros e julgando a ação improcedente, absolvendo os Réus do...

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