Acórdão nº 293/20.7T8SXL-B.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-03-22

Ano2022
Número Acordão293/20.7T8SXL-B.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório:


O MINISTÉRIO PÚBLICO (em representação da menor M…) intentou ACÇÃO DE REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS, relativamente a seus pais M... e S..., requerendo a fixação de um regime provisório que colocando a menor a cargo e aos cuidados de V... (avó materna), lhe atribua a sua representação nas questões de maior importância e nas decisões correntes do seu dia-a-dia, estabelecendo que a criança continue a residir com a avó materna e determine a limitação das saídas da criança de território nacional.

Em suma, estava em causa a circunstância de a mãe da menor ter sofrido um acidente que a incapacita, de a avó ter vindo do Brasil para ajudar, vivendo com pai e menor assumindo o papel de cuidadora, sendo certo que, cerca de 9 meses depois, a avó V... formalizou denúncia contra o pai imputando-lhe maus-tratos físicos e psicológicos contra si (também com ameaças e intimidação) e a menor, que levaram a que ambas fossem colocadas em centro de acolhimento de emergência.

Foi de imediato determinado que a menor só pudesse sair do país com autorização judicial e, depois de 30.06.2020 com autorização da avó materna.

Foi ouvida a avó da menor.

Foi ouvido o pai da menor.

A 18.03.2020 foi determinado que a menor só saísse do país com autorização de pai e avó ou autorização judicial e alterado o regime provisório, permitindo o contacto telefónico com o progenitor (progressivo) e um contacto presencial semanal supervisionado.

Na sequência de várias diligências e do arquivamento do processo crime que corria contra o pai da menor, o Ministério Público veio promover, a 29/10/2021, a «entrega imediata da menor ao seu progenitor, por não existirem fundamentos da permanência da mesma com a avó».

A 15/11/2011 o Tribunal a quo proferiu decisão, no sentido de fixar um novo regime provisório, assim definido:
“As responsabilidades parentais em questões de particular importância e quanto aos atos da vida corrente ficam a cargo do pai, com quem a menor residirá.
O pai deverá manter a avó V... informada dos factos mais relevantes da vida da menor.
A menor conviverá com a avó V... num dos dias do fim-de-semana desde a hora do almoço, incluindo este, até às 18:00.
A menor contatará diariamente com a avó V... por telefone e internet.
O pai deverá fomentar os convívios da menor com toda a família materna e paterna”.
É desta decisão que a Requerida V... apresentou Recurso lavrando as seguintes Conclusões:
A)–As competências parentais do progenitor não se aferem de per si pelo arquivamento do processo crime que impende sobre o mesmo, e que não está findo.
B)–As competências parentais aferem-se por meios probatórios, designadamente relatórios, que o demonstrem e que in casu não existem.
C)–Tendo sido fixado um regime provisório de visitas no CAFAP entre a menor e o progenitor de Dezembro de 2020 a Março de 2021, uma vez por semana com a duração de 30 minutos, e de Março de 2021 até Outubro de 2021 estendidos aos 50 minutos, a técnica do CAFAP ouvida em juízo limitou-se a atestar como decorreram curtos tempos semanais explicando que as visitas decorriam na sua presença dentro de uma sala com recurso ao manuseamento de brinquedos que compõem o equipamento e outros levados pelo pai, o que de per si não permite aferir das competências parentais do progenitor, porquanto não permite aferir das competências necessárias para o dia-a-dia, como sejam, assegurar os cuidados básicos da menor, garantir as rotinas da criança e, em simultâneo, estabelecer uma relação com a mesma por meio de tempos lúdicos prazerosos para a menor.
D)–Resultou das declarações prestadas pelo progenitor que está a trabalhar em horário repartido, entre o almoço e jantar, incluindo os fins de semana, e que não pode estar com a menor nem assegurar os seus cuidados após a saída da menor do período escolar, i.e., período noturno e fins-de-semana, dizendo ainda que os cuidados com a menina serão assegurados por terceiros caso a filha fique a residir com ele, o que é revelador de ausência não só de competências parentais, mas também de falta de noção do que implica ter uma filha a cargo.
E)–Retira-se das declarações do progenitor que as condições de vida que tem hoje são muito semelhantes, senão iguais, às que tinha há 3 anos quando chamou a avó que vivia no Brasil para vir para Portugal cuidar da menor porque ele estava a trabalhar e não podia assegurar os seus cuidados, estando na altura a menor entregue aos cuidados de terceiros.
F)–Daqui se infere que o Tribunal a quo retirou a menor dos cuidados da avó para colocar sobre o cuidado de terceiros que nem sabe quem são, afetando inevitavelmente o bem-estar e equilíbrio da criança.
G)–A avó em momento algum atuou ilegalmente porquanto se limitou a pedir ajuda a uma organização que a recebeu e acolheu juntamente com a menor, sendo que foi essa mesma organização que apresentou denúncia ao abrigo de um dever jurídico em obediência ao disposto no arts. 242º do C.P.P. e 386º do C.P.
H)–O acolhimento em casa abrigo da requerida e da menor foi efetuado de acordo com o respeito pela legislação em vigor, mormente o disposto no Decreto Regulamentar nº 2/2018, de 24 de janeiro, que estabelece as condições de organização e funcionamento das estruturas de atendimento, respostas de acolhimento e das casas de abrigo que integram a RNAVVD prevista na Lei nº 112/2009, de 16 de setembro na sua atual redação.
I)–Após ter concedido à residência da menor com a avó pelo período de 3 anos, o Mmº Juiz a quo entende agora que só a mesma deve ser submetida a uma perícia, quando já estava decretada para ambos avó e progenitor - e pela qual não esperou para tomar a decisão de alteração abruta da residência da criança, fazendo perigar também por esta via o bem-estar e equilíbrio da menor.
J)–No despacho de arquivamento do processo crime, também lá consta a perícia a que a avó se submeteu voluntariamente por indicação do Ministério Público e que atesta a credibilidade do seu testemunho e que o Mmº Juiz teve conhecimento e ignorou por completo.
L)–A menor ficou abruta e repentinamente sem a mãe colhida por um comboio e que a colocaram em estado vegetativo - e agora o mesmo sucedeu em relação à avó, pessoa que cuidou dela nos últimos 3 anos e que é a sua figura de referência e que só passou a poder estar com a menor 1 dia na semana, durante algumas horas e sem pernoita.
M)–Sendo que a menor nunca manifestou em predisposição natural de privar mais tempo com o progenitor, tendo sido revitimizada e absolutamente ignorada na sua vontade vertida aquando da sua audição, não se dignando o Mmº Juiz a quo sequer a estabelecer um regime progressivo de adaptação ao progenitor.
N)–O Mmº Juiz a quo e o Ministério Público que não anteviram o perigo de fuga do progenitor, de nacionalidade brasileira, com a menor porque ele, sim, estando com um processo crime pendente desta gravidade e tendo-lhe sido atribuído este poder relativamente à menor pode bem fugir com ela para onde entender sem nunca mais se saiba nada sobre a vida desta criança, o que representa a falência total e absoluta do sistema judicial no que tange à proteção dos menores.
O)–Ao ter decidido como decidiu o Mmº Juiz a quo precipitou-se e violou frontalmente o princípio do superior interesse da criança e, bem assim, o disposto nos arts. 4º, 5º, 38º, 40º, 42º do R.G.P.T.C., art. 2004º, nº 1 do C.C., art. 5º, 8º e 12º da Convenção dos Direitos da Criança, e, bem assim, todas as orientações da Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e combate da violência contra as mulheres e violência doméstica, aprovada em 11 de maio de 2011.

O Requerido M... apresentou Contra-Alegações nas quais concluiu que:
1.-As competências parentais do Recorrido foram confirmadas pelo Relatório de Perícia Médico-Legal, ficando claramente demonstrado que o mesmo as possuiu, contrariamente à avó/Recorrente que, segundo o Relatório de Perícia Médico-Legal apresentado, também ele junto aos autos, carece de tais competências.
2.-O Recorrido, enquanto pai da menor M..., sempre demonstrou ter um grande carinho e preocupação com a mesma, tentando sempre, e apesar das circunstâncias, restabelecer e fortificar a relação afetiva entre ambos.
3.-Ficou demonstrado pelos Relatórios das Técnicas do CAFAP que as visitas efetuadas pelo Recorrido à menor eram prazeirosas para ambos, sendo que, apesar de se encontrarem separados, em virtude das circunstâncias vividas, verifica-se que a relação entre pai e filha não se perdeu totalmente e é harmoniosa, adequada e afectuosa.
4.-O exercício de actividade profissional do Recorrido não pode, nem deve ser, motivo a inibição das suas responsabilidades Parentais, porquanto as suas competências parentais não são aferidas em função do exercício da sua profissão.
5.-Não pode a profissão do Recorrido ser fundamento para atribuir a guarda da sua filha à Recorrente e avó, pois tal situação constituiria descriminação, pondo em causa todo um Estado de Direito, bem como Direitos Constitucionalmente reconhecidos.
6.-O eventual recurso e apoio de terceiros para o cuidado da sua filha M..., durante o período de trabalho, sendo normal e natural em todas as famílias, apenas é sinónimo do interesse e preocupação em assegurar o bem-estar da filha.
7.-O arquivamento do processo-crime de que vinha o Recorrido indiciado, tal como promovido pelo Ministério Publico e decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo, é causa bastante e robusta para a decisão proferida de entrega imediata da menor ao seu progenitor.

O Ministério Público apresentou Contra-Alegações nas quais concluiu que:
1.-A Recorrente V... veio interpor recurso do despacho de 15.11.2021, que alterou o regime provisório da regulação do exercício das responsabilidades parentais de …, tendo fixado que a menor passaria a residir com o pai e conviveria com a avó num
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