Acórdão nº 29292/21.0YIPRT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-03-10

Data de Julgamento10 Março 2022
Ano2022
Número Acordão29292/21.0YIPRT.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

1 – O recorrente Centro Hospitalar de Setúbal EPE instaurou acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias nos termos regulados no Decreto-Lei nº 269/98 de 01.09 contra a Fidelidade - Companhia de Seguros SA, pretendendo desta o pagamento da quantia global de €8.843,37 correspondente ao preço dos serviços de assistência hospitalar que prestou a J.
Alega em resumo que o assistido sofreu acidente de viação, causado de forma culposa pela condutora de um veículo automóvel cuja responsabilidade civil estava transferida por contrato de seguro para a requerida Fidelidade, tendo no acidente sofrido lesões que determinaram a aludida assistência hospitalar, em episódio de urgência.
Na sequência da citação, a ré veio apresentar contestação na qual alegou que o acidente referido ocorreu por culpa única e exclusiva do próprio assistido pelo autor, impugnando os factos referentes à dinâmica do acidente de viação e apresentando uma outra versão dos factos.
*
2 - Após audição das partes sobre a eventual existência dessa excepção dilatória inominada veio a ser proferida decisão que, entendendo que o pedido deduzido só podia ser formulado em acção declarativa comum, por incompatível com a forma seguida, concluiu que no caso existia erro na forma do processo e não era possível aproveitar o processado, pelo que em consequência absolveu a ré da instância.
*
3 – Em face do decidido, veio o recorrente, Centro Hospitalar, interpor o presente recurso de apelação, concluindo assim as suas alegações:
A) - O despacho sob impugnação considerou ocorrer nulidade por erro na forma do processo na utilização do procedimento de injunção contra seguradora para cobrança de assistência prestada a sinistrado em acidente de viação ao abrigo do Decreto-Lei 218/99 de 15 de Junho.
B) - Excluindo a aplicação da injunção no caso da seguradora rejeitar a responsabilidade do seu segurado no acidente.
C) - Considerando ser a injunção apenas admissível quando a seguradora reconhece a responsabilidade do seu segurado.
D) - Fundamentação que não tem em consideração o regime jurídico especial actualmente aplicável à cobrança das dívidas por assistência hospitalar prestada por entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde constante Decreto-Lei nº 218/99 de 15 de Junho na redacção do Dec.-Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro.
E) - Na sequencia da alteração introduzida pelo Dec.-Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, o Dec.-Lei 218/99 veio consagrar o princípio de que as instituições hospitalares, ao prestarem cuidados de saúde, o fazem ao abrigo de um contrato de prestação de serviços e concomitantemente consagrou a aplicação do regime da injunção à cobrança das dívidas por assistência hospitalar.
F) - O citado Decreto-Lei 218/99 que regula o Regime Jurídico da Cobrança de dívidas hospitalares tem a natureza de Lei especial em relação ao Regime jurídico do Decreto-Lei 269/98 de 1 de Setembro, pelo que há que ter em consideração que a lei especial prevalece sobre a lei geral excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador, conforme decorre do disposto no artº 7º nº 3 do Código Civil.
G) - Consequentemente, constando da Lei especial estatuição da plena aplicabilidade e sem qualquer reserva, do regime da injunção à cobrança de dívidas hospitalares, tal aplicabilidade prevalece sobre o regime da Lei geral subordinada.
H) - Assim, o despacho impugnado faz uma errada aplicação e interpretação da lei, violando o princípio da especialidade da Lei e o nº 2 do artº 1º do Dec.-Lei 218/99, pelo que deve ser revogado.
I) - E deve também ser revogado ao decidir pela não aplicabilidade do regime da injunção, no caso da seguradora rejeitar a responsabilidade do seu segurado no acidente.
J) - Pois que de todo o regime jurídico constante do Dec.-Lei 218/99 nada aponta no sentido de que apenas seja possível recorrer ao procedimento de injunção quando a responsabilidade da seguradora esteja previamente definida ou por ela aceite.
L) - O entendimento acolhido no despacho recorrido viola o princípio basilar do direito segundo o qual, onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete, e neste caso, julgador, distinguir, pelo que viola o artº 1º nº 3 do Dec.-Lei 218/99, devendo pois ser revogado o Despacho.
M) - A opção do legislador definir que as prestações de saúde serem feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços e de lhes ser aplicável o regime processual da injunção, mesmo nos casos de acidente de viação, em nada colide com os princípios jurídicos reguladores da responsabilidade civil, e adapta-se ao regime especial contido no Dec.-Lei 218/99.
N) - Com efeito, por força do regime especial de cobrança, e conforme decorre do artº 5º do citado Decreto-Lei 218/99, estabelece-se uma inversão do ónus probatório para o demandado, impondo-se-lhe alegar e provar que não tem obrigação do pagamento, nomeadamente por não ter responsabilidade no evento que determinou os cuidados de saúde prestados.
O) - O legislador coloca numa posição de privilégio as instituições do SNS, garantindo, no entanto, aos visados responsáveis, a possibilidade de afastar a sua responsabilidade, já que, no âmbito material e substantivo se continuam a aplicar os princípios da responsabilidade civil, quando deduzida oposição à imputação da obrigação de
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT