Acórdão nº 291/21.3YUSTR.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 13-07-2022

Data de Julgamento13 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão291/21.3YUSTR.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1.–A recorrente, veio interpor o presente recurso da decisão judicial proferida em 8.3.2022(referência citius 345054),pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo),que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente contra a decisão da Entidade Reguladora da Saúde(ERS) no processo administrativo AV/047/2017 e condenou a recorrente pela prática de três contraordenações ao Regime Jurídico das práticas de publicidade em saúde(DL 238/2015)no pagamento da coima única de 6.500,00 euros.

2.–É a seguinte a parte decisória da sentença recorrida:

“Decisão
Face ao exposto e pelos fundamentos expendidos, julgo totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente MED&CR – SERVIÇOS DE GESTÃO DE CARTÕES DE SAÚDE, UNIPESSOAL LDA., contra a decisão da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e, em consequência, decido:
a)-Julgar totalmente improcedentes as nulidades, questões prévias ou incidentais suscitadas pela Recorrente na impugnação judicial deduzida;
b)-Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação respeitante à concessão e difusão de campanha publicitária relativa à oferta de um plano de saúde, que incluía actos e serviços grátis na área de medicina dentária (denominado como “cartão Medicare Silver”), difundida por via electrónica, pelo menos, entre 11 de Outubro de 2016 e 17 de Julho de 2017, em violação das disposições conjugadas do artigo 5.º, do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea b), todos do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro, bem como do artigo 3.º, n.º 2, alíneas e) e g) do Regulamento da ERS n.º 1058/2016, aplicável ex vi do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 238/2015l (infracção n.º 1), na coima que fixo em € 4.000,00 (quatro mil euros);
c)-Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação respeitante à concepção e difusão de campanha publicitária relativa à oferta de análises clínicas (denominada “campanha Medicare Gold”), difundida por via electrónica, pelo menos, entre 31 de Julho e 24 de Agosto de 2018, em violação das disposições conjugadas do artigo 5.º, do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea b), todos do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro, bem como do artigo 3.º, n.º 2, alínea g) do Regulamento da ERS 1058/2016, aplicável ex vi do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro (infracção n.º 3), na coima que fixo em € 4.000,00 (quatro mil euros);
d)-Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação respeitante à concepção difusão de campanha publicitária relativa à oferta de um plano de saúde, que supostamente consubstanciava um “complemento à ADSE”, difundida por via electrónica, pelo menos, no dia 2 de Abril de 2019, em violação das disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 1, alínea d) e alínea e), ponto i) do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro (infracção n.º 4), na coima que fixo em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
e)-Operar ao cúmulo jurídico das coimas acima fixadas sob os pontos b) a d) e, em consequência, condenar a Recorrente no pagamento de uma coima única no valor de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros).”

3.–Neste recurso a arguida/recorrente, formula os seguintes pedidos:

(i)-o presente processo ser declarado nulo desde o Despacho Acusatório, por violação do direito de defesa da Arguida, em virtude de não terem sido comunicados à Arguida todos os elementos relevantes (factos e prova) para o respetivo exercício;
(ii)-caso assim não se entenda, deve a Decisão da ERS ser declarada nula, por terem sido incluídos no processo novos elementos probatórios que foram considerados e relativamente aos quais não foi dado direito ao contraditório à Arguida;
(iii)-caso assim não se entenda, deve a Decisão da ERS ser declarada nula, por ter condenado a Arguida por factos que não lhe foram comunicados;
(iv)-caso assim não se entenda, deve o presente processo ser arquivado, por não se mostrarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos dos três ilícitos pelos quais a Arguida vem condenada;
(v)-caso assim não se entenda, deve ser recusada a aplicação da norma inconstitucional invocada e, em consequência, deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que observe a proibição de reformation in pejus, nos termos consagrados no artigo 72.º-A do RGCO;
(vi)-caso assim não se entenda, deve a coima ser aplicada à MEDICARE ser reduzida.

4.–Nas alegações e conclusões, a recorrente invoca, em síntese, argumentos que serão agrupados como se segue:

Nulidade por violação do direito de defesa na fase administrativa
§A nulidade do processo de contraordenação por não terem sido comunicadas à arguida, pela ERC, as exposições e queixas juntas antes de ser proferida a acusação, restringindo o acesso ao processo, o direito de defesa da arguida e o direito a um processo equitativo previstos nos artigos 20.º n.º 4, 32.º n.º 10 da CRP (Constituição da República Portuguesa) e 50.º do RGCO (Regime Geral das Contraordenações)
§O que constitui nulidade insanável da acusação por força do artigo 283.º do CPP (Código de Processo Penal) aplicável ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO;
§A restrição ao direito de a arguida aceder ao processo constitui uma nulidade prevista nos artigos 86.º n.º 1 e 6 – c) do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO;
§A decisão da ERC é nula por ter condenado a arguida com base nos seguintes elementos probatórios juntos ao processo após a apresentação da defesa da arguida por violação do direito de defesa e de audição da arguida previsto no artigo 50.º do RGCO e 32.º n.ºs 5 e 10 da CRP:
(i)-reclamação, recebida em 31.12.2019, subscrita por LDS.....;
(ii)-mensagem de correio eletrónico, em 09.04.2020, remetida pela Dra. CT....., na qualidade de Diretora-Geral da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor;
(iii)-reclamação da Direção-Geral do Consumidor de 25.08.2020;
(iv)-prints da sua página de Internet capturados em 18.06.2021 e em 02.07.2021.

Nulidade por alteração dos factos constantes da acusação na fase administrativa
§ A decisão da ERS é nula por condenar a arguida por factos praticados a título de negligência que não constavam do despacho de acusação, que não imputava os factos a título de negligência nem de dolo, não contendo assim factos relativos ao preenchimento do elemento subjectivo do tipo de ilícito;
§O que constitui uma alteração dos factos não previamente comunicada à arguida, que infringe o disposto no artigo 359.º do CPP ou, subsidiariamente, no artigo 358.º do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º do RGCO, acarretando a nulidade da decisão condenatória nos termos do artigo 379.º n.º 1 - b) do CPP, aplicável por força do artigo 41.ºdo RGCO;

Âmbito de aplicação do RJPPS
§O RJPPS (Regime Jurídico das Práticas de Publicidade em Saúde, aprovado pelo DL 238/15) não se aplica à arguida uma vez que esta não é entidade prestadora de cuidados de saúde, não se enquadrando nas definições previstas nos artigos 1.º e 2.º - a) e b) desse diploma;

Absolvição quanto às infracções n.ºs 1 e 3
§A ERS interpreta incorrectamente o artigo 5.º n.º 1 do RJPPS e o artigo 3.º n.º 2 – e) e g) do Estatuto da ERS (Estatuto da Entidade Reguladora da Saúde, aprovado pelo DL 126/2014) na medida em que não levou em conta que a publicidade em análise tem por objecto um plano de saúde e não os actos ou serviços de saúde nele incluídos e que o dever de objectividade não se confunde com o dever de exaustão dos termos e condições aplicáveis, objecto de esclarecimento no momento da susbcrição, o que diminui o risco suscitado pela publicidade em questão;
§A ERS interpreta incorrectamente o artigo 7.º n.º 1 – b) e n.º 2 – b) do RJPPS, que visa evitar a publicidade de serviços ou de acto de saúde concreto e sujeito a prescrição médica, o que não é o caso, pois a arguida publicita cartões ou planos de saúde que envolvem actos e serviços não sujeitos a prescrição médica (e.g. a ida a consulta de dentista), cuja publicidade é licita;
§Perante a interpretação correcta dos preceitos acima referidos, a arguida deve ser absolvida das infracções n.ºs 1 e 3 uma vez que não se mostra preenchido o tipo objectivo de ilícito previsto no artigo 8.º n.º 1, a) e b) e n.º 2, do RJPPS, tendo sido violados os princípios da legalidade e da tipicidade consagrados nos artigos 29.º n.º 1 da CRP e 1.º e 2.º do RGCO;

Absolvição quanto à infracção n.º 4
§A ERS interpreta incorrectamente o artigo 7.º n.º 1, d) e e), ponto i) do RJPPS, na medida em que tal norma visa proteger o utente de práticas enganosas e a expressão usada para publicitar o plano como “complemento à ADSE” não viola essa norma por não ser compaginável como atribuição de qualquer ligação entre a arguida e a ADSE;
§ Pelo que, não se mostrando preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 8.º, n.º 1, a) do RJPPS, foram violados os princípios da legalidade e da tipicidade consagrados nos artigos 29.º n.º 1 da CRP e 1.º e 2.º do RGCO, devendo a arguida deve ser absolvida da infracção n.º 4

Reformatio in pejus
§A arguida cessou espontaneamente a prática que lhe é imputada nos autos antes da decisão condenatória proferida pela ERS, o que diminui as exigências de prevenção geral e torna injustificado o agravamento da coima pelo Tribunal de primeira instância;
§O artigo 67.º n.º 3 do Estatuto da ERS que permite ao Tribunal, em caso de impugnação judicial, aumentar a coima aplicada pela autoridade administrativa, é inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º n.º 2, 32.º n.º 10, 20.º n.ºs 1 e 4 e 268.º da CRP, inconstitucionalidade que deve ser declarada;
§A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que observe o princípio da reformatio in pejus
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