Acórdão nº 2886/17.0T8GDM.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-24
Ano | 2022 |
Número Acordão | 2886/17.0T8GDM.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo n.º 2886/17.0 T8GDM.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Gondomar (Juiz 2)
Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
Em acção de inabilitação intentada pelo Ministério Público contra AA, foi proferida sentença[1] que, além do mais, decidiu decretar a inabilitação deste por abuso de bebidas alcoólicas, determinando-se que ficariam sujeitos a autorização do curador os atos de disposição de bens entre vivos; os atos de administração de eventuais imóveis de que o requerido seja proprietário; a assunção de obrigações pecuniárias (contrair dívidas), que não se reportem a atos de vida corrente e, bem assim, que entregasse ao curador o rendimento que auferisse para ser administrado por este de acordo com as necessidades do requerido, por forma a evitar o seu desaparecimento com a aquisição de bebidas alcoólicas.
Foi nomeada curadora BB (que, com a entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, passou a ser acompanhante do beneficiário AA) e o conselho de família era constituído por CC (sub-curadora) e DD (vogal).
Tendo manifestado indisponibilidade para exercer o cargo, a curadora/acompanhante acabou por aceitar exercê-lo.
A BB tem tido uma conduta condizente com a sua vontade, manifestada nos autos, de ser dispensada do exercício do cargo de curadora, para o qual não reúne condições.
Abriu um restaurante e tem dois filhos menores, em relação aos quais já houve uma intervenção da “Protecção de Menores”.
Deixou de dar ao inabilitado a medicação para tratamento da dependência alcoólica, o que levou a que este voltasse aos consumos excessivos.
No dia 04.11.2021, o inabilitado recebeu quatro vales de correio provenientes da Segurança Social, no montante de €2.500,00 cada um e, com a complacência ou desinteresse da curadora, logrou obter, sozinho, o seu pagamento, ficando, assim, com grande disponibilidade para adquirir bebidas alcoólicas para seu consumo.
Sem a medicação e tendo voltado ao consumo excessivo de álcool, o inabilitado está descontrolado e agressivo.
Além disso, o inabilitado deixou de ir às consultas médicas (psiquiatria e médico de família).
Pede, com base nestes factos, que a BB seja destituída do cargo de curadora «por não cumprir com as suas obrigações» e que, para o seu lugar, seja nomeada ela própria, CC, e como sub-curador o seu filho EE (que também subscreve o requerimento).
No exercício do contraditório, a requerida apresentou resposta que assim se sintetiza:
Depois de ter sido informada de que tinha de continuar no exercício do cargo, assumiu, plenamente, as suas responsabilidades perante o acompanhado, seu pai.
O facto de ter um restaurante a 500 metros da casa de residência do acompanhado é uma vantagem porque pode visitá-lo mais vezes e melhor exercer as suas funções.
A intervenção da CPCJ tem a ver com o facto de o pai dos seus filhos, de quem está separada, ser alcoólico.
Admite que o acompanhado se esquiva a tomar os medicamentos, mas a esposa, subcuradora, estando mais perto dele, está em melhores condições para o fazer tomá-los.
O acompanhado, verdadeiramente, nunca deixou de ingerir bebidas alcoólicas e é difícil exercer sobre ele total controlo, mas tem feito esforços para que isso deixe de acontecer.
Desconhecia o recebimento dos vales de correio e, se o acompanhado conseguiu que lhe fossem entregues os respectivos valores, foi porque alguém o ajudou. São as pessoas que coabitam com ele (a sua mãe CC e o seu irmão EE) que em melhores condições estavam para impedir que tal acontecesse, mas nada fizeram.
O requerimento assinado pela sua mãe não foi por ela escrito nem exprime a sua vontade. Aliás, também ela já apresenta sinais de padecer de anomalia psíquica, pelo que se justifica a sua substituição.
Termina pedindo que se indefira o requerido.
Finda a produção de prova, pronunciaram-se os interessados sobre as medidas a aplicar.
O Beneficiário, através do seu ilustre Advogado, veio defender que deveria ser o seu filho EE a exercer as funções de acompanhante; em alternativa, propõe a sua mulher CC.
A acompanhante em funções veio dizer que não tem tido a colaboração dos demais familiares do acompanhado e a esposa deste, a sua mãe, recusou-se mesmo a auxiliá-la a tratar dos assuntos tributários e outros, sublinhando que a atuação da sua mãe e irmãos apenas visa retirá-la do cargo, agora que o pai recebe pensão de reforma.
Por seu turno, o Ministério Público manifestou o entendimento de que é a BB a pessoa indicada para ser a acompanhante do beneficiário AA e promoveu a aplicação das seguintes medidas de acompanhamento:
a) Representação geral para todos os actos da vida corrente, sem prejuízo daqueles actos que careçam de autorização judicial [art. 145.º, n.º 2, al. b), do CC];
b) Limitação do direito pessoal de testar (art. 147.º, n.ºs 1 e 2, do CC);
c) Administração total de bens [art. 145.º, n.º 2, al. c), do CC].
Com data de 14.03.2022, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Em face do supra exposto, determina-se, em sede de revisão de medidas de acompanhamento, proceder alterações/ampliação nos termos que se seguem, instituindo-se a favor de AA:
I) a medida de acompanhamento de poder de representação especial para suprir as suas necessidades de:
- natureza médica/de saúde, incluindo a decisão na marcação de consultas, na sua comparência às mesmas, na adesão/sujeição às terapêuticas prescritas, mormente, na toma de medicação e decisão de internamento e alta em conformidade com a indicação médica para esse efeito – art. 145.º, n.º 2, alínea e),
- natureza patrimonial, tais como a celebração de negócios jurídicos, atos de disposição de bens e atos de proceder a pagamentos, assunção de obrigações pecuniárias e ainda representação junto de repartições públicas e privadas, tais como centros de saúde, hospitais e outros de...
Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Gondomar (Juiz 2)
Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
Em acção de inabilitação intentada pelo Ministério Público contra AA, foi proferida sentença[1] que, além do mais, decidiu decretar a inabilitação deste por abuso de bebidas alcoólicas, determinando-se que ficariam sujeitos a autorização do curador os atos de disposição de bens entre vivos; os atos de administração de eventuais imóveis de que o requerido seja proprietário; a assunção de obrigações pecuniárias (contrair dívidas), que não se reportem a atos de vida corrente e, bem assim, que entregasse ao curador o rendimento que auferisse para ser administrado por este de acordo com as necessidades do requerido, por forma a evitar o seu desaparecimento com a aquisição de bebidas alcoólicas.
Foi nomeada curadora BB (que, com a entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, passou a ser acompanhante do beneficiário AA) e o conselho de família era constituído por CC (sub-curadora) e DD (vogal).
Tendo manifestado indisponibilidade para exercer o cargo, a curadora/acompanhante acabou por aceitar exercê-lo.
*
Em 15.11.2021, a referida CC, esposa do beneficiário, apresentou requerimento (manuscrito) em que alega, em síntese, o seguinte:A BB tem tido uma conduta condizente com a sua vontade, manifestada nos autos, de ser dispensada do exercício do cargo de curadora, para o qual não reúne condições.
Abriu um restaurante e tem dois filhos menores, em relação aos quais já houve uma intervenção da “Protecção de Menores”.
Deixou de dar ao inabilitado a medicação para tratamento da dependência alcoólica, o que levou a que este voltasse aos consumos excessivos.
No dia 04.11.2021, o inabilitado recebeu quatro vales de correio provenientes da Segurança Social, no montante de €2.500,00 cada um e, com a complacência ou desinteresse da curadora, logrou obter, sozinho, o seu pagamento, ficando, assim, com grande disponibilidade para adquirir bebidas alcoólicas para seu consumo.
Sem a medicação e tendo voltado ao consumo excessivo de álcool, o inabilitado está descontrolado e agressivo.
Além disso, o inabilitado deixou de ir às consultas médicas (psiquiatria e médico de família).
Pede, com base nestes factos, que a BB seja destituída do cargo de curadora «por não cumprir com as suas obrigações» e que, para o seu lugar, seja nomeada ela própria, CC, e como sub-curador o seu filho EE (que também subscreve o requerimento).
No exercício do contraditório, a requerida apresentou resposta que assim se sintetiza:
Depois de ter sido informada de que tinha de continuar no exercício do cargo, assumiu, plenamente, as suas responsabilidades perante o acompanhado, seu pai.
O facto de ter um restaurante a 500 metros da casa de residência do acompanhado é uma vantagem porque pode visitá-lo mais vezes e melhor exercer as suas funções.
A intervenção da CPCJ tem a ver com o facto de o pai dos seus filhos, de quem está separada, ser alcoólico.
Admite que o acompanhado se esquiva a tomar os medicamentos, mas a esposa, subcuradora, estando mais perto dele, está em melhores condições para o fazer tomá-los.
O acompanhado, verdadeiramente, nunca deixou de ingerir bebidas alcoólicas e é difícil exercer sobre ele total controlo, mas tem feito esforços para que isso deixe de acontecer.
Desconhecia o recebimento dos vales de correio e, se o acompanhado conseguiu que lhe fossem entregues os respectivos valores, foi porque alguém o ajudou. São as pessoas que coabitam com ele (a sua mãe CC e o seu irmão EE) que em melhores condições estavam para impedir que tal acontecesse, mas nada fizeram.
O requerimento assinado pela sua mãe não foi por ela escrito nem exprime a sua vontade. Aliás, também ela já apresenta sinais de padecer de anomalia psíquica, pelo que se justifica a sua substituição.
Termina pedindo que se indefira o requerido.
*
Em sede de instrução, foram ouvidos os principais interessados, designadamente o acompanhado.Finda a produção de prova, pronunciaram-se os interessados sobre as medidas a aplicar.
O Beneficiário, através do seu ilustre Advogado, veio defender que deveria ser o seu filho EE a exercer as funções de acompanhante; em alternativa, propõe a sua mulher CC.
A acompanhante em funções veio dizer que não tem tido a colaboração dos demais familiares do acompanhado e a esposa deste, a sua mãe, recusou-se mesmo a auxiliá-la a tratar dos assuntos tributários e outros, sublinhando que a atuação da sua mãe e irmãos apenas visa retirá-la do cargo, agora que o pai recebe pensão de reforma.
Por seu turno, o Ministério Público manifestou o entendimento de que é a BB a pessoa indicada para ser a acompanhante do beneficiário AA e promoveu a aplicação das seguintes medidas de acompanhamento:
a) Representação geral para todos os actos da vida corrente, sem prejuízo daqueles actos que careçam de autorização judicial [art. 145.º, n.º 2, al. b), do CC];
b) Limitação do direito pessoal de testar (art. 147.º, n.ºs 1 e 2, do CC);
c) Administração total de bens [art. 145.º, n.º 2, al. c), do CC].
Com data de 14.03.2022, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Em face do supra exposto, determina-se, em sede de revisão de medidas de acompanhamento, proceder alterações/ampliação nos termos que se seguem, instituindo-se a favor de AA:
I) a medida de acompanhamento de poder de representação especial para suprir as suas necessidades de:
- natureza médica/de saúde, incluindo a decisão na marcação de consultas, na sua comparência às mesmas, na adesão/sujeição às terapêuticas prescritas, mormente, na toma de medicação e decisão de internamento e alta em conformidade com a indicação médica para esse efeito – art. 145.º, n.º 2, alínea e),
- natureza patrimonial, tais como a celebração de negócios jurídicos, atos de disposição de bens e atos de proceder a pagamentos, assunção de obrigações pecuniárias e ainda representação junto de repartições públicas e privadas, tais como centros de saúde, hospitais e outros de...
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