Acórdão nº 2861/18.8T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 16-05-2023

Data de Julgamento16 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2861/18.8T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação
Processo n.º 2861/18.8T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 3
Recorrente – AA
Recorrido - Condomínio ...
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Rodrigues Pires

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – O Condomínio ..., representado pela sociedade A..., Ld.ª e por BB, veio interpor no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Matosinhos a presente ação especial para prestação de contas, contra AA pedindo que o requerido preste contas do período de 01.01.2014 a 23.02.2017, durante o qual administrou tal condomínio.
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Citado o requerido, este veio contestar, afirmando não se pretender escusar a tal obrigação já que efetivamente além de exercer funções de administração do Condomínio Geral, exerceu igualmente durante anos funções referentes à administração da parte comercial/lojas e da entrada do n.º 267 (e por inerência no condomínio geral), sem nunca ter recebido reprovação pela forma como exerceu as suas funções, mas sustenta não ter o autor nem capacidade judiciária, nem legitimidade para pedir as contas, uma vez que no seu entender a administração desse condomínio geral não se mostra regularmente constituída, pois que resulta do estipulado no Regulamento Interno que a Comissão Administrativa é o órgão do condomínio a quem compete e, assim, tem capacidade judiciária para representar o Condomínio ..., aqui autor, em juízo. Mais sustentou que a ata da assembleia geral de 11.12.2017 não se mostra suficiente para autorizar a propositura da presente ação, por não fazer referência aos anos concretos em relação aos quais se autorizava o pedido judicial para prestação de contas. Finalmente alegou que as contas relativas ao ano de 2014 foram apresentadas na assembleia geral de 20.11.2014 e que apenas exerceu as funções de administrador do condomínio geral até ao fim do ano de 2016.
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O requerente respondeu e veio defender ter capacidade judiciária e legitimidade para a propositura da presente ação, estando devidamente mandatado para a apresentar, face ao teor das deliberações tomadas em assembleia de condóminos de 11.12.2017.
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De seguida foi proferida decisão, de onde consta: “Assim, face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas:
1) Condena-se o requerido a prestar contas relativas à administração que fez do condomínio autor no período compreendido entre 01.01.2014 e 31.12.2016.
2) Absolve-se o requerido do pedido de prestação de contas relativo ao período de 01.01.2017 a 23.02.2017. (…)”.

Inconformado com tal decisão, dela veio o requerido recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra no sentido do alegado, absolvendo o recorrente do pedido de prestação de contas relativo ao período de 01.01.2014 e 31.12.2016.
O apelante juntou aos autos as suas alegações onde formulam as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto a parte da douta sentença que julgou o requerente/recorrido Condomínio como parte legítima, com capacidade judiciária, por validamente representado na ação, face à deliberação da assembleia de 11.12.2017, e que condenou o recorrente a prestar contas nos termos do n.º1 do dispositivo, referentes ao período de 01.01.2014 a 31.12.2016, pois com tal decisão, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, porquanto o direito aplicável à matéria de facto provada nos n.ºs 1 a 10 da fundamentação da sentença recorrida impunha decisão diversa.
2. Um edifício constituído em propriedade horizontal é regulado em primeiro lugar pelo conjunto de normas fixadas legalmente, depois pelo título constitutivo da propriedade horizontal, a seguir pelo regulamento do condomínio, e, por último, pelas deliberações da assembleia de condóminos.
3. Quando aprovado pela assembleia de condóminos (facto provado n.º4), o regulamento é uma deliberação normativa disciplinadora da relação de condomínio e obrigatório nos termos do art.º 1429.º-A, do Cód. Civil.
4. O condomínio pode ser parte na ação quando representado pelo seu administrador, atendendo ao que dispõe o art.º 12.º do Código de Processo Civil e art.ºs 1436.º e 1437.º do Código Civil, na redação aplicável, mas quando tal administrador seja validamente constituído e mandatado para o efeito, o que não acontece nos autos.
5. Do Regulamento Interno do Condomínio Geral do edifício identificado nos autos e que sempre vigorou desde a sua constituição – [como atestam os originais das atas juntas pelo recorrente, onde nas respetivas deliberações se faz sempre referência á eleição da “Comissão Administrativa”, em cumprimento daquele regulamento] – e não tendo sido apresentada deliberação da assembleia a dá-lo sem efeito ou a afastar a sua aplicação, a administração e representação do Condomínio ... compete à Comissão Administrativa.
6. Verifica-se assim a manifesta falta de capacidade judiciária do autor, nos termos do art.º 25.º do CPC, ou ilegitimidade da administração mandatada pela assembleia de 11.12.2017 para o representar em juízo, já que tal competência cabe exclusivamente à Comissão Administrativa, órgão do condomínio constituído de acordo com o art.º 8.º e 10.º do regulamento interno, aprovado por assembleia de condóminos (facto provado n.º4) e, como tal, uma fonte disciplinadora da relação de condomínio obrigatória, nos termos do art.º 1429.º-A, do Cód. Civil, que se sobrepõe às deliberações da assembleia de condóminos.
7. O facto de a deliberação que consta do n.ºs 1 dos factos provados ter sido ou não impugnada por qualquer um dos condóminos nos termos do art.º 1433.º, n.º1 do C. Civil, não invalida e não prejudica o direito de o aqui recorrente, nesta sede, questionar e impugnar, a legitimidade e a capacidade judiciária do autor, representado nos autos por administração que “conflitua com o que, a respeito da composição da administração do condomínio geral, consta do regulamento do edifício.” – sic. sentença.
8. E fê-lo no momento próprio, em sede de contestação, quando teve conhecimento do teor daquela ata da assembleia de 11.12.2017 pela PI, pelo que a constituição daquela assembleia e a representação do condomínio por via da deliberação tomada foi impugnada pelo aqui réu, no momento próprio, por não reconhecer ao condomínio constituído e representado em juízo por via dessa deliberação, em violação do que estipula o respetivo regulamento, legitimidade para lhe requerer a apresentação de contas.
9. Da ata da Assembleia Geral de 11.12.2017 não consta da deliberação nela tomada os anos concretos relativamente aos quais mandatou a administração para requerer a prestação de contas ao recorrente.
10. Na qualidade de administrador do condomínio geral, o aqui recorrente convocou a realização de uma assembleia geral ordinária, para o dia 20.11.2015, constando da respetiva ordem de trabalhos, entre outros pontos, a discussão e aprovação das contas relativas ao ano de 2014, de acordo com o documento intitulado “Mapa Recapitulativo das Receitas e Despesas – ano de 2014”.
11. É verdade que, como refere o Tribunal recorrido, o recorrente não alegou que as contas referentes a 2014, que apresentou com a convocatória para a assembleia de 20.11.2015, foram aprovadas: nem o podia em boa-fé fazê-lo, já que apesar das solicitações dirigidas ao condómino CC, da entrada ..., que a partir daquela assembleia assumiu a presidência da mesa da assembleia, o recorrente não foi notificado das atas da assembleia de 20.11.2015 ou de outras realizadas nos anos de 2015 e 2016.
12. Competindo ao recorrido, como requisito essencial à exigência da prestação de contas e nos termos do art.º 342.º do C.Civil e face à omissão na ata de 11.12.2017 dos anos a que respeita a prestação de contas, fazer prova de que o documento “Mapa Recapitulativo das Receitas e Despesas – ano de 2014”, apresentado pelo recorrente para discussão e aprovação das contas desse ano à assembleia de condóminos, não foi aprovado por esta, no decurso do ano de 2015 e 2016, já que nas atas das assembleias de 2017 e 2019 que juntou aos autos, nenhuma referencias urge relativamente a esse documento, nomeadamente, à sua rejeição e não aprovação pela assembleia.
13. Assim se desconhecendo quais os anos para os quais a administração foi mandatada para requerer a prestação de contas pelo recorrente por não se encontrarem devidamente aprovadas, em particular no que respeita às contas do exercício de 2014, porquanto a ata que delega esses poderes é omissa quanto ao objeto da ação e assim falha um requisito essencial à capacidade judiciária do recorrido para intentar a presente ação, ou à cautela, falha a sua legitimidade para o mesmo efeito.

O requerente/apelado juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. Em assembleia de condóminos do condomínio ..., realizada em 11.12.2017, junta a fls. 6 e ss e que no mais aqui se dá por reproduzida, foi deliberado:
a. Aprovar as contas relativas ao ano de 2017;
b. Aprovado, por unanimidade dos presentes (33,36% do capital investido) que “a gestão do condomínio das partes comuns passasse a ser realizado pelas 2 empresas A... LDA NIF ... (administradora das entradas ... e ...) e B... de BB com o NIF ... (administradora da entrada ...)”;
c. Dar poderes à administração para avançar com a competente ação de prestação de contas contra o Sr. AA.
2. O edifício da Rua ... é um prédio urbano composto por três blocos de habitação, uma parte afeta a escritórios e outra a lojas, cada um com entradas individuais e autónomas com aqueles números de polícia.
3. Cada uma das três entradas das partes habitacionais e escritórios têm uma administração própria e todas elas compõem o condomínio geral do edifício, porquanto existem partes comuns ao conjunto de todos os edifícios habitacionais, lojas e
...

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