Acórdão nº 286/22.0T8VCD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-04-17

Ano2023
Número Acordão286/22.0T8VCD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 286/22.0 T8VCD.P1
Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Vila do Conde (Juiz 1)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. Configuração da acção

Em 21 de Fevereiro de 2022, AA e BB intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra CC e mulher DD, alegando, em síntese, o seguinte:

São titulares, em comum, do direito de uso e habitação do prédio urbano sito na Travessa ..., União de Freguesias ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ...10 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo no art.º ...03.º, composto por área coberta com 84 m2 e descoberta (logradouro e quintal), com 216 m2, por lhe ter sido legado por seus falecidos pais.

Da herança aberta por óbito dos seus pais faz, ainda, parte o prédio urbano contíguo, onde reside o R. CC e família.

Desrespeitando o legado efetuado pelos seus pais, os RR. utilizam o espaço do logradouro e um anexo tipo garagem, o tanque do logradouro e até o espaço fronteiro à casa, ali estacionando um veículo automóvel e impedindo os autores de usarem e fruírem o logradouro do prédio; além disso, vazam todo o tipo de objectos para o logradouro e quintal da casa como se de coisa sua se tratasse.

Apesar de interpelados por escrito para se absterem de praticar esses actos, os réus ignoraram a interpelação e continuam a fazer o mesmo, assim lhe causando prejuízos que devem ser liquidados em execução de sentença.

Remataram a sua peça processual formulando o pedido de condenação dos réus a:

«a) – reconhecerem que os AA. são titulares do direito de uso e habitação do prédio identificado em 1 supra;

b) - absterem-se de praticar atos que impeçam o gozo daquele direito, bem como retirar os veículos automóveis ali estacionados do prédio urbano e respetivo logradouro;

c) – por cada infração, deverão ser condenados a sanção pecuniária compulsória de 100 € (cem euros), nos termos do disposto no art.º 829 – A do C. Civil

2. Oposição dos réus

Citados, os réus apresentaram contestação, alegando não ser verdade que os pais dos AA. lhes tenham legado o direito de uso e habitação que invocam. Isto porque o que consta do testamento de EE, junto com o articulado inicial, é que «(…) se falecer sem que o seu marido FF lhe sobreviva, faz os seguintes legados por conta da quota disponível: a) Lega aos seus filhos AA e BB o direito de uso e habitação no seu prédio urbano sito na Travessa ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46º, bem como do respetivo recheio; b) Lega ao filho CC 1/6 indiviso do prédio urbano sito na dita freguesia ..., naquela Travessa ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...59º”, o que é dizer que se aquela EE falecesse viúva pretendia deixar o direito de uso e habitação aos AA e 1/6 de um prédio urbano aos RR.

Acontece que aquele testamento foi efectuado quando a EE já era viúva, pelo que os prédios em causa já não lhe pertenciam, mas sim à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu marido, pré-falecido.

Concluem que os AA «não são os donos do direito de uso e habitação que invocam» e, consequentemente, partes ilegítimas nestes autos.

Concluíram pela total improcedência da acção.

3. Resposta

Notificados da contestação, os réus vieram responder à matéria da excepção, alegando:

- os pais dos AA. e do R. marido outorgaram, cada um deles, testamento no mesmo cartório, dia e hora, legando, à morte do último, o direito de uso e habitação aos aqui AA.;

- existindo anuência do cônjuge do testador, como é o caso, é válida a disposição.

Por isso improcede a excepção de ilegitimidade activa.


*

Em 13.05.2022, foi proferido despacho convidando os autores a esclarecer «se o legado foi feito apenas pela mãe dos Autores ou por ambos os pais e, neste caso, para que juntem o documento de onde resulte o legado realizado pelo pai».

Correspondendo ao convite, em 18.05.2022, os autores vieram juntar certidão do testamento outorgado por FF, com o legado a seu favor.

4. Audiência prévia e sentença

Em 13.07.2022, realizou-se audiência prévia e, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação, a Sra. Juiz, considerando que os autos já permitiam conhecer do mérito da causa, facultou às partes a discussão sobre matéria de direito, tendo os ilustres mandatários reafirmado os pontos de vista expressos nos respectivos articulados.

Depois de fixar o valor da causa (em €38.700,00), a Sra. Juiz proferiu sentença pela qual julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os réus dos pedidos.

5. Impugnação da sentença

Inconformados com a decisão, os autores dela vieram interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensaram nas seguintes conclusões:

«1-Foi entendimento da decisão subcensura “sendo o testamento e legado válidos, mas os Autores(recorrentes) apenas têm direito a reclamar o valor em dinheiro correspondentes aos respetivos direitos de uso e habitação, mas já não podem exigir a própria coisa, ou seja, não podem o efetivo exercício e gozo do direito de uso e habitação.”

2 – No caso dos autos, considerou-se válida quanto ao valor e nula quanto à substância e, ispo facto,...

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