Acórdão nº 2855/23.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão2855/23.1T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

AA, engenheiro biológico, e mulher BB, economista, ambos residentes na Rua ..., freguesia ..., ..., ... ..., iniciaram uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum[1], contra Condomínio ... sito na Rua ..., ..., ..., ... ..., representado pelos Administradores CC, divorciado, residente na Rua ..., ..., ..., ..., ... ... e DD, casada, residente em Rua ..., ... ... peticionando: (a) a anulação da deliberação tomada pela assembleia de condóminos de ../../2023, relativa ao ponto 1 da ordem de trabalhos, que nomeia os dois co-administradores e fixa as respetivas contrapartidas, com efeitos retroativos, (b) a condenação do R. a restituir aos AA. o valor que venha a ser prestado por estes ao abrigo da mencionada deliberação, em valor correspondente ao recálculo retroativo das prestações condominiais devidas pela fracção ..., expurgada a parte que exceder as mesmas segundo a regra de cálculo geral de divisão das despesas e serviços de interesse comum em proporção com a respetiva permilagem, ou seja, sem a componente de compensação pelo exercício da administração deliberada, a quantificar na sentença que vier a ser proferida ou subsidiariamente (c) a condenação do R. condomínio a abster-se de imputar à fração ... os valores da restituição relativos ao capital identificado no pedido precedente, cumulativamente (d) que seja declarada ineficaz a deliberação identificada no pedido I, por a acta não ter sido expressamente aprovada, em violação do disposto no art. 1º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10.
Para tanto alega, em suma, o seguinte: os AA. são proprietários e legítimos possuidores do prédio urbano correspondente à fracção ... composta por “...”, tipo ..., para habitação, com entrada pelo n.º ...60 – com uma garagem nas traseiras com o número 1, direito esse que se encontra definitivamente registado a seu favor pela inscrição correspondente à AP. ...1 de 1999/10/07; a referida fracção integra-se no edifício, constituído em regime de propriedade horizontal, correspondente ao prédio urbano situado na Rua ..., da freguesia ... (...), concelho ..., descrito na 1ª Conservatória ... sob o n.º ...08 e inscrito na matriz sob o art. ...93º; o referido edifício conta somente com três fracções autónomas, a fracção ..., com uma permilagem de 300/1000, a fracção ... com uma permilagem de 360/1000 e a Fracção ... com uma permilagem de 340/1000; a administração do condomínio compete a CC, proprietário da Fracção ... e a DD, proprietária da fracção ..., na qualidade de sucessora de EE e esposa, FF, anteriores proprietários da fração ..., entretanto falecidos; mais alega que em ../../2023 ocorreu uma deliberação da assembleia de condóminos do prédio em discussão, tendo sido lavrada acta que os autores assinaram; consideram que a dita acta não foi objecto de aprovação, não tendo sido cumprido o disposto no art. 1º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, na redação conferida pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, não tendo sido entregue aos AA. cópia da versão final, assinada pela alegada representante da fracção ...; na dita acta, foi aprovada uma deliberação com os votos favoráveis das fracções ... e ... mas contra da fracção ..., reproduzida na p.i.; os AA. consideram que a dita deliberação é substantivamente inválida em virtude de, possuindo o prédio unicamente três fracções, duas delas elegeram-se a si próprias como co-administradores, definindo as contrapartidas financeiras do exercício do cargo que equivaliam às prestações a cargo da fracção, com a respectiva dispensa, gozando de uma redução de 50% das quotas relativas às despesas e encargos comuns; considera que tal deliberação foi votada pelos próprios administradores eleitos em flagrante conflito de interesses, numa violação ostensiva do disposto no art. 176º do Cód Civil; aplicável às regras de funcionamento das assembleias de condóminos no contexto da propriedade horizontal; mais considera que a referida deliberação traduz abuso de direito, nos termos previstos no art 334º do Cód Civil visto que considera que a reduzida dimensão do edifício não justifica a existência de dois administradores em simultâneo; os AA. entendem que não têm o dever de suportar metade dos encargos com partes comuns de dois condóminos apenas e só porque decidiram exercer a administração em conjunto, pelo que a deliberação será anulável, por violação dos arts 176º, ex vi art. 157º do Cód Civil e ainda e de forma cumulativa do art 334º do Cód Civil; termina formulando os pedidos acima enunciados.

O R. apresentou contestação, tendo alegado, em suma, o seguinte: consideram que o núcleo duro da presente acção prende-se com a questão da validade ou invalidade das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, no transacto dia ../../2023 nomeadamente quanto ao que foi deliberado no ponto 1 da ordem de trabalhos, Proposta 5, nomeando e fixando o Sr. CC e a Sra. DD, como co-administradores e as respectivas contrapartidas; alegam ser falso que nunca tenha sido entregue aos AA. cópia da versão final da acta assinada pela representante da fracção ..., tendo-a colocado na caixa de correio dos AA. no dia 16/05/2023; considera que os AA. é que agem sob abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pretendendo locupletar-se à custa alheia ao peticionar o valor referente à já prestada administração do condomínio; termina peticionando a improcedência da acção e absolvição do pedido.
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Findos os articulados, em despacho liminar, foram as partes notificadas do entendimento do Tribunal de que se encontrava em posição de conhecer imediatamente do mérito da causa - apenas estava em causa uma questão de direito - e para se pronunciarem quanto a essa possibilidade, o que ambas fizeram, dando a conhecer que nada tinham a opor a quo o Tribunal conhecesse do mérito da causa no despacho saneador.
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Foram ainda as partes notificadas com o entendimento do Tribunal de que se os autores deduziram pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e fizeram do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, pelo que incorreram em litigância de má-fé, nos termos previstos no art 542º, n.º 2, al.a) e d) do Cód de Proc Civil, razão pela qual devem ser condenados em multa enquanto litigantes de má-fé, e para dizerem o que tiverem por conveniente, o que ambos fizeram, concordando o R. com tal condenação e dela discordando os AA.
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Tendo-se, de imediato, proferido sentença, que conheceu do mérito da acção, que foi julgada totalmente improcedente, dela se absolvendo a R. e condenando os AA. como litigantes de má-fé numa multa de 3 UC’s e a indemnizar os autores no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários, a liquidar em execução de sentença, por ausência de elementos neste momento para fixação em quantia certa (art 543º, n.º 1, al.a), n.º 2 e n.º 3 do Cód de Proc Civil), além das custas.
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Inconformados com essa decisão, os AA. interpuseram recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

I - O regime do impedimento de voto constante do art. 176º, aplicado ex vi art. 157º do CC, é aplicável às deliberações tomadas em assembleia de condóminos.
II - A administração plural não está prevista na lei, sendo que toda a disciplina da propriedade horizontal se refere a um administrador, do que é exemplo o art. 1430º n.º 1, 1431º n.º 2, 1435º do CC e, também, o art. e 10º-A do Decreto-Lei n.º 268/94. Se é certo que o exercício do cargo pode ser efetuado por uma pessoa singular ou coletiva, todas as referências normativas ao administrador apontam expressamente para o número de um administrador.
III - Embora se entenda que não existe nenhuma razão de fundo que vede liminarmente a possibilidade de uma administração plural, a mesma apenas pode ser encarada se existirem razões objetivas que o justifiquem, desde logo por tal poder comportar um ónus adicional para o Condomínio com a sua remuneração.
IV - Assim, sempre que ante o caso concreto uma administração plural se mostre razoável e justificada, afigura-se não ser de excluir essa figura sempre que tal se mostre justificado em razão de circunstâncias objetivas, indemonstradas no caso concreto, onde existem unicamente três frações autónomas.
V - A contrapartida auto-deliberada é excessiva, no contexto factual dos autos, sendo que a mesma se traduz num desconto de 50% nas quotas dos dois condóminos administradores: no conjunto de 100% da despesa geral do edifício, as partes que representam 70% apenas pagaram 35% da despesa; como o valor tem de ser necessariamente assegurado, tal implicará que os Recorrentes, que representam 30% vão suportar … 65% da despesa global.
VI - O impedimento de voto deve ser valorado de forma casuística, verificando-se o mesmo no caso sub judice, em que dois condóminos representativos de 70% do valor do edifício deliberam nomear-se ambos como administradores do condomínio, fixando a contrapartida pelo exercício do cargo, num prédio composto unicamente por três fracções.
VII - Cumulativamente, a deliberação traduz abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC, visto que a reduzida dimensão do edifício e número de fracções não justifica dois administradores em simultâneo, possuindo apenas uma única caixa de escadas e um logradouro traseiro pavimentado que servem, unicamente, essas três fracções (facto provado 4), com escasso grau de exigência nas operações inerentes ao exercício da administração. Além de que existe um conflito aberto entre os Autores e os demais condóminos, pendendo termos uma ação, relativa a matéria condominial do mesmo edifício, sob o n.º 3320/22.... do Juízo Local Cível ... – Juiz ... (facto provado 8), sendo que a...

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