Acórdão nº 2851/20.0T8PDL-B.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-12-15

Ano2022
Número Acordão2851/20.0T8PDL-B.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na ação de divisão de coisa comum que J… e A… movem contra E … e F…, esta última interpôs recurso do despacho proferido a 1 de julho de 2022, pelo qual foi indeferida a realização de segunda perícia.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja proferido acórdão que ordene a realização da segunda perícia, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1º No seu requerimento com a Ref.ª Citius 4705902, a ora recorrente requereu a realização de uma segunda perícia, apresentando ali de forma fundamentada, as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2º Não obstante a ora recorrente ter, assim, fundamentado as razões da sua discordância relativamente à perícia, o Meritíssimo Senhor Juiz a quo, após ter expendido a sua apreciação sobre essas razões, concluiu que:
“Desta forma, nenhuma contradição, obscuridade, falta de fundamentação ou inexactidão existe que, razoavelmente, coloque o Tribunal com dúvidas de que uma outra peritagem – ainda que colegial – pudesse chegar a conclusões divergentes.”
3º Salvo o devido respeito, consideramos que, ao contrário do entendimento do Meritíssimo Senhor Juiz a quo, os fundamentos aduzidos pela ora recorrente são mais do que suficientes para colocar em dúvida o resultado da perícia e a sua exactidão e suficiência. E,
4º Mais do que isso, entende a ora recorrente que, na correcta interpretação do disposto no n.º 1 do art.º 487º do CPC, a admissibilidade da segunda perícia não está sujeita a um pré-juízo do julgador sobre se o seu resultado será, ou não, o mesmo da primeira perícia.
5º Exigindo-se no entanto para essa admissibilidade que o requerente da segunda perícia fundamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, o que foi cumprido.
6º A jurisprudência tende a considerar como casos de não cumprimento do ónus argumentativo de que a lei faz depender a realização da segunda perícia, aqueles em que falta pura e simplesmente a indicação de qualquer razão – i.e., em que a parte, como no regime de pretérito, se limita a requerer a realização da segunda perícia – ou falta a substanciação de elementos sérios, aptos a alicerçar qualquer discordância relativamente ao resultado da primeira perícia.
7º No caso vertente, a ora recorrente, notificada do relatório pericial, requereu a realização de uma segunda perícia, mas o requerimento foi indeferido com fundamento – em linha com a oposição contra ele deduzida pelos apelados – na inexistência de contradição, obscuridade, falta de fundamentação ou inexactidão que, razoavelmente, coloque o Tribunal com dúvidas de que uma outra peritagem – ainda que colegial – pudesse chegar a conclusões divergentes.
8º Salvo o devido respeito, e ao contrário do entendimento do Meritíssimo Senhor Juiz a quo, o requerimento para realização da segunda perícia individualiza as razões da divergência da recorrente relativamente ao resultado da primeira perícia, não se tendo limitado a uma inconsequente e imotivada falta de resignação relativamente ao resultado da primeira, tendo antes indicado logo os motivos da divergência.
9º Mas mesmo que fosse exacto o fundamento para justificar o indeferimento do requerimento de realização de uma segunda perícia, ainda assim existem também razões para considerar que esse fundamento não justificava logo o indeferimento imediato, irrefragável, desse requerimento, as quais razões se prendem com o princípio da cooperação intersubjectiva, princípio instrumental do processo civil actual.
10º Este princípio vincula reciprocamente o tribunal e as partes e desdobra-se, no tocante ao primeiro, nos deveres de esclarecimento, de auxílio e de prevenção.
11º O dever de prevenção – que se concretiza, por exemplo, no convite ao aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados ou das conclusões da alegação de recurso – tem por finalidade evitar que o êxito de qualquer pretensão de qualquer das partes possa frustrar-se pelo uso inadequado do processo e, na actuação concreta, pode consistir, como inculcam os exemplos dados, na sugestão de certa actuação (artºs 508-A nº 1 c), 690 nº 4 e 701 nº 1 do CPC).
12º Por isso, e mediante o entendimento do julgador a quo de que o requerimento para realização da segunda perícia apresentado pela recorrente, não continha razões fundadas da discordância relativamente aos resultados da primeira, o que se lhe impunha, em face dessa eventual deficiência, era actuar o princípio da cooperação intersubjectiva, na vertente do dever de prevenção e, consequentemente, convidar a ora recorrente a aperfeiçoá-lo e não indeferir, sem mais, aquele seu requerimento.
13º As questões de facto relativas à divisibilidade do imóvel em causa nos autos e à determinação do seu valor releva, enormemente, para a decisão da causa, incumbindo à ora recorrente a demonstração desses factos, parte onerada com prova, que não obterá uma decisão favorável – ou mais favorável – se não satisfizer esse ónus (artºs 342 nº 1 e 346, in fine, do Código Civil e 516 do CPC).
14º A decisão impugnada, ao recusar-lhe, por um fundamento que não se tem por exacto, a realização da segunda perícia, vulnerou o direito da recorrente à prova – direito que é habitualmente deduzido para os processos jurisdicionais do artº 6 nº 3 d) do CEDH, mas que sem dificuldade se constrói como uma dimensão ineliminável do direito fundamental a um processo equitativo (artº 20 nº 4 da Constituição da República Portuguesa).
15º O presente recurso de apelação é fundado: houve, realmente, ofensa de lei; e a violação cometida é relevante, porque influiu no exame e na decisão da causa; e influiu no exame e decisão da causa dado que vulnerou o direito da requerida e aqui recorrente à prova, uma vez que, no fundo, a impediu de exercer uma actividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre os factos controvertidos – designadamente sobre a divisibilidade e o valor do imóvel em causa nos autos - de cumprir o ónus de prova que a vincula e, eventualmente, de obter uma decisão mais favorável (artºs 341, 342 e 346, 2º parte, do Código Civil e 519º do CPC).»
Os requerentes responderam à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, tendo
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