Acórdão nº 28507/23.4 T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-04-2024

Data de Julgamento18 Abril 2024
Número Acordão28507/23.4 T8LSB.L1-8
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

AA instaurou o presente procedimento cautelar comum contra B [ …TELEVISÃO DE PORTUGAL, S. A. ] , pedindo a condenação da requerida a retirar, imediatamente, do acesso público de qualquer dos seus sítios de internet, qualquer informação relativa ao julgamento da requerente por homicídio negligente, bem como a pagar à requerente, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €: 300,00 (trezentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento da presente providência. Requereu, ainda, a inversão do contencioso, dispensando-se a requerente de interpor ação principal que tenha como objeto o reconhecimento do direito que aqui se pretende ver cautelarmente reconhecido.
Para o efeito, alegou, em síntese, que é médica desde 1984, exercendo tal atividade como ocupação profissional exclusiva; a requerida detém a marca RTP e é dona do sítio de internet RTP ARQUIVOS, acessível em https://arquivos.rtp.pt, e a única responsável pelos conteúdos ali disponibilizados, sendo que no ano de 1997, a requerente foi injustamente acusada da prática de um crime de homicídio por negligência no âmbito das suas funções de médica, para além de que a referência a uma acusação injusta, resulta da circunstância de ter sido proferida sentença absolutória da aqui requerente. Mais alega que a acusação em causa, o envolvimento no julgamento, toda a angústia que o mesmo causou (pelo inevitável sentimento de injustiça que experienciava), geraram um profundo sentimento de tristeza na requerente e permitem-lhe descrever o episódio como um verdadeiro trauma, no entanto, a total absolvição da ora requerente, o conforto da inequívoca prova da sua inocência e o significativo tempo entretanto decorrido, tinham tornado o sumariamente descrito episódio, apenas numa negativa memória do passado. Alega, também, que em início de julho de 2023, a requerente foi alertada para a circunstância de qualquer pessoa ao realizar uma pesquisa no motor de busca do Google, ali introduzindo o nome “Dr.ª AA” (nome e título profissional e abreviado utilizado regularmente pela requerente), imediatamente se deparava com a notícia/conteúdo da RTP (e apenas da RTP) que identifica e, a partir daquela data, a requerente passou a ser chamada à atenção por amigos, familiares e pacientes para tal circunstância. A requerente confirmou ao efetuar a respetiva pesquisa, sendo que nenhuma referência é feita à absolvição, que qualquer colega ou qualquer paciente da requerente, ou mesmo qualquer seu amigo ou conhecido que possa simplesmente ter interesse em pesquisar o nome da Dr.ª AA, o que encontra de imediato em pesquisa na internet, é a menção a tratar-se de uma homicida (ainda que por negligência), na prática da sua atividade de médica. Mais alega que apesar de ter interpelado a requerida no sentido de remover o conteúdo da desadequada “notícia”, a requerida recusou-se a tomar qualquer medida. O conteúdo disponibilizado pela requerida, gerou à requerente um profundo choque, um enorme desgosto e tristeza, avivando-lhe desnecessária e injustificadamente memórias muito negativas de uma situação em que foi muito injustiçada e, que agora continua a persegui-la como uma sombra, sem qualquer interesse noticioso, sem que exista uma verdadeira notícia, conteúdo informativo com interesse jornalístico, e sem que estejamos em face da necessidade de respeito pelo direito à informação, a requerida vem divulgando publicamente, ao abrigo do seu suposto “dever de informar”, uma informação que por um lado não tem qualquer utilidade pública ou informativa, mas que por outro lado afeta de forma muito negativa os direitos de personalidade da requerida, para além de que para a requerente é inequívoco que com a divulgação do conteúdo aqui identificado, o direito ao bom nome a uma boa imagem social a uma boa reputação, o direito até a exercer em igualdade de circunstâncias a sua profissão, com uma imagem profissional isenta, são direitos sujeitos a uma grande compressão e limitação, sem que em contrapartida se possa dizer que existe qualquer utilidade efetiva (em termos informativos) decorrente do conteúdo ora em causa e, não respeita os limites da liberdade de imprensa, e, mais, é substancialmente apto a fomentar grave lesão à consideração e reputação pessoal e profissional (o bom nome), da requerente.
A requerida, citada, deduziu oposição. Para tanto alegou, em suma, que embora aceite o conteúdo da notícia em causa, impugna o demais alegado, nomeadamente as valorações de mérito efetuadas pela requerente, sendo despropositada a providência em apreço, porque atentatória aos princípios da liberdade de informação e imprensa, uma vez que a requerente pretende apagar factos históricos, sendo que a requerente pode solicitar às empresas detentoras dos motores de busca da internet que suprimam da lista dos resultados de pesquisa efetuada a partir do nome da mesma, as ligações a páginas da interne que contenham informações sobre si.
Concluiu pela improcedência do procedimento cautelar e sua absolvição de todo o peticionado.
Realizada a audiência final foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, absolveu a requerida dos pedidos deduzidos pela requerente.
A requerente interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. O presente recurso tem como objeto a douta decisão proferida nos presentes autos (despacho final com a referência CITIUS 432817898), e que determinou, a absolvição da requerida, dos pedidos cautelares formulados pela recorrente.
2. O tribunal a quo considerou preenchidos todos os requisitos para o decretamento da providência pretendida pela ora recorrente, à exceção da adequação da providência à situação, por entender que a mesma seria supostamente desproporcional e desadequada porque a recorrida, como órgão de comunicação social que é tem um direito fundamental de Liberdade de Imprensa e informação consagrados nos artigos 37.º e 38.º da Constituição a República Portuguesa, o seu comportamento passa a ser lícito.
3. O tribunal desconsiderou em in totum que a liberdade de imprensa não é um direito absoluto e não ponderou que a dignidade constitucional (artigos 37.º e 38.º da Lei Fundamental) do princípio fundamental da liberdade de expressão e do direito de informação se deve compatibilizar com princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, e o direito à imagem e à saúde, também com a mesmo dignidade e proteção - artigo 26.º, n.º 1, da CRP.
4. Ambos os direitos em presença – Liberdade de expressão e informação e Direitos de Personalidade – se apresentam merecedores da dignidade e da mesma proteção a nível da Lei Fundamental.
5. Apesar da decisão recorrida mostrar grande sensibilidade (prática, mas não jurídica) para com a dolorosa situação em que a recorrente se encontra, não realizou uma ponderação casuística dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, no que concerne à gestão de conflitos sobre direitos fundamentais.
6. E no entender da recorrente, o direito da requerida a informar, não justifica uma tão gravosa compressão dos direitos de personalidade da ora recorrente, pois como ficou provado, a situação vertida gera à requerente, uma profunda angústia, sofrimento psicológico, prejuízo para a saúde e um nefasto efeito para a atividade profissional que desenvolve!
7. O tribunal a quo violou o artigo 18.º, n.º e 26.º, n.º 1, da CRP, o artigo 70.º, n.º 1, e o artigo 335.º, do Código Civil, que foram simplesmente desconsiderados, quando deveriam ter sido, na sua adequada concatenação, interpretados no sentido geral de que na situação em apreço, a proteção dos direitos de personalidade da recorrente, justificariam a ligeira compressão do direito a informar; ligeira, dizemos, porque na verdade trata-se apenas de remover aquele conteúdo da internet, nada mais, o conteúdo poderá obviamente ser mantido nos arquivos históricos e em outros suportes da RTP.
8. O tribunal a quo violou, também, o artigo 3.º, da Lei de Imprensa, pois desconsiderou em absoluto que “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei(…)” tendo interpretado o direito á informação e a liberdade de expressão como um direito absoluto, sem restrições, o que não é manifestamente o caso.
9. O n.º 2 do artigo 18.º da Lei Fundamental – a que o tribunal a quo não chega, sequer a fazer referência – acolheu de modo expresso o princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso, sempre que haja de ponderar a compressão de qualquer direito fundamental.
10. Se houvesse recurso aos princípios essenciais necessários a dirimir conflitos de direitos fundamentais, o tribunal a quo teria concluído que os direitos de personalidade da recorrente se deverão sobrepor ao direito da requerida divulgar na internet (e apenas aqui), os factos “noticiosos” que estão em causa nos autos, desde logo e em resumo (por referência ao que mais amplamente resulta do corpo da presente alegação) porque:
a) Há um facilitadíssimo e desnecessário acesso generalizado (à distância de um “click”) de um facto histórico, ocorrido há muito mais de 20 anos, relativo a uma acusação de homicídio por negligência o que é absolutamente desinteressante para o público em geral, não existindo um interesse público a salvaguardar.
b) A forma como a “informação” é divulgada pela B, em sítio de internet, em que indexou pesquisas (indexantes que são depois usados pelos motores de busca) ao nome profissional da recorrente, tem um nefasto efeito nos direitos de personalidade da visada, que são gravemente lesados e de uma forma manifestamente irreparável.
c) A recorrente não é uma figura pública, nem o facto noticiado gera, quando associado ao nome da recorrente,
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