Acórdão nº 2837/19.8T9AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-04-19

Ano2023
Número Acordão2837/19.8T9AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 2837/19.8T9AVR.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do porto

I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Aveiro - Juiz 2, Comarca de Aveiro, com o nº 2837/19.8T9AVR, foram submetidos a julgamento os arguidos A..., Lda. e AA, tendo a final sido proferida sentença que condenou os arguidos:
- AA, pela prática, entre março de 2016 e dezembro de 2016, como autor material e em concurso real, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 107.º, n.ºs 1 e 2, e 105.º, n.ºs 4 e 7 (aplicável ex vi do artigo 107.º, n.º 2), do RGIT e em novembro de 2019 e em janeiro de 2021 de dois crimes de abuso de confiança fiscal previstos e punidos pelos arts. 105º, nºs 1, 2 do RGIT, nos termos dos arts. 7º, 12º, n.ºs 2 e 3, 15º, 16º e 17º, todos do RGIT, na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, em cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social;
- 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, cometido em outubro de 2019;
- 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, cometido em janeiro de 2021.
Aquela pena única de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, subordinada ao pagamento da quantia mensal de 120,00€, ao longo de todo o período da suspensão, até perfazer o valor das quotizações e prestações tributárias em dívida, sendo 40,00€ a entregar à Autoridade Tributária e Aduaneira e 80,00€ a entregar ao Instituto da Segurança Social, I.P., devendo o arguido comprovar nos autos, trimestralmente, o pagamento das referidas quantias e, se e quando lograr efetuar o pagamento total das quantias devidas à Autoridade Tributária, deverá afetar o pagamento do montante de 40,00€ ao Instituto da Segurança Social, I.P..
- A..., LDA. pela prática, entre março de 2016 e dezembro de 2016, em autoria material e em concurso real, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 107.º, n.ºs 1 e 2, e 105.º, n.ºs 4 e 7 (aplicável ex vi artigo 107.º, n.º 2) do RGIT, e em novembro de 2019 e em janeiro de 2021 de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previstos e punidos pelos arts. 105º, nºs 1, 2 do RGIT, nos termos dos arts.7º, 12º, n.ºs 2 e 3, 15º, 16º e 17º, todos do RGIT, na pena única de 410 (quatrocentos e dez) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), em cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 360 (trezentos e sessenta) dias de multa pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada;
- 300 (trezentos) dias de multa pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, cometido em outubro de 2019;
- 300 (trezentos) dias de multa pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, cometido em janeiro de 2021.

Inconformado com a sentença condenatória, veio o arguido AA interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. O douto Tribunal a quo condenou o recorrente, pela prática, entre março de 2016 e dezembro de 2016, como autor material e em concurso real, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artºs. 107º nºs 1 e 2, 105º nºs 4 e 7 (aplicável ex vi do artº 107º nº 2) do RGIT e em novembro de 2019 e em janeiro de 2021 de dois crimes de abuso de confiança fiscal previstos e punidos pelos artºs. 105º nºs 1 e 2 do RGIT, nos termos do cominado nos artºs. 7º, 12º, nºs 2 e 3 , 15º, 16º e 17º todos do RGIT, na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, em cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social; 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, cometido em outubro de 2019; 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de abuso de confiança fiscal cometido em janeiro de 2021.
2. Parte das condutas em análise nos presentes autos, designadamente aquelas referentes ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, é uma continuação da conduta que esteve em apreço no âmbito do processo nº 1019/18.0T9AVR, que correu termos no Juízo Local Criminal, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, no qual o arguido foi condenado - por sentença transitada em julgado - pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social agravado, praticado na forma continuada p. e p. pelas normas dos artºs. 107º nº 1 e 2, 105º nºs. 1, 4 e 5 ambos do RGIT aprovado pelo artº 1º da Lei nº 15/2001 de 05.06 e artºs. 30º nº 2 e 79º nº 1 do CP na pena de 1 (um) ano de prisão suspensa por 1 (um) ano, com a condição de, no prazo de um ano pagar a quantia de 5000,00, por ter deduzido das remunerações dos seus trabalhadores, membros dos órgãos estatutários e pensionistas por velhice as quantias correspondentes às cotizações devidas por estes à Segurança Social, reteve-as e não as entregou nos cofres desta entidade até ao décimo quinto dia do mês imediatamente seguinte àquele a que respeitavam, fazendo-as suas, por referência aos meses compreendidos entre 1 abril de 2012 e o dia 31 de dezembro de 2014 e entre 1 de abril de 2015 e o dia 31 de janeiro de 2016.
3. Os presentes autos versam sobre a exata mesma conduta, nos meses imediatamente seguintes, designadamente entre março de 2016 e dezembro de 2016.
4. O que se discute nos presentes autos e no mencionado processo nº 1019/18.0T9AVR é, essencialmente, o mesmo crime continuado, pois que foi a mesma situação exterior, nomeadamente as dificuldades financeiras vivenciadas pela sociedade arguida, que levou a que o recorrente tenha sido constantemente confrontado com a escolha de entregar as retenções aos cofres do Estado atempadamente, ou usar os mesmos para manter a atividade da sociedade, não se ver forçado a encerrá-la e a não colocar as famílias dos seus trabalhadores em causa e pagar os seus salários.
5. Ao decidir que as mencionadas condutas se não encontram numa relação de continuidade, não obstante se verificarem todos os pressupostos para tal, nomeadamente, o bem jurídico seja essencialmente o mesmo, que haja homogeneidade na execução das ações, a existência de situação exterior que reduza a culpa do agente, violou o douto tribunal a quo do disposto no artº 30º nº 2 do CP.
6. A conduta pela qual o recorrente foi condenado nos presentes autos é menos gravosa (por referência à moldura abstrata) do que a que foi julgada no âmbito do processo nº 1019/18.0T9AVR, tendo o recorrente em tais autos sido condenado na pena de 1 (um) ano de prisão suspensa por 1 (um) ano com a condição de no prazo de um ano a pagar a quantia de 5000,00€.
7. Deve manter-se a pena ali aplicada ao arguido, sem mais qualquer aplicação de pena no presente processo, por força do disposto no artº 79º nº 2 do CP (a contrario).
8. A decisão recorrida, no segmento que se refere ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social concerne, viola assim não só o disposto no artº 30º nº 2 do CP, mas também, e consequentemente, também o disposto no artº 79º nº 2 do CP (a contrario), bem como o disposto no artº 29º nº 5 da CRP, pelos motivos supra aduzidos.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que o mesmo
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: [transcrição]
1. A arguida “A..., Lda.” é uma sociedade por quotas, com sede na Zona Industrial ..., ..., Lote ..., em ..., Aveiro, com o N.I.P.C. ...75 e que tem por objeto a prestação de serviços de assistência técnica, instalação, reparação e manutenção a máquinas, equipamentos industriais e sistemas elétricos, a construção civil e obras públicas e, ainda, o comércio, importação e exportação de materiais relativos às atividades exercidas.
2. À data dos factos descritos infra, a sociedade arguida tinha por gerente o arguido AA, o qual exercia as funções de gerência e possuía responsabilidade pelos negócios da arguida, praticando todos e quaisquer atos indispensáveis ao regular funcionamento da mesma, contratando trabalhadores, procedendo ao pagamento de salários, impostos e cotizações devidas à Segurança Social, contraindo empréstimos bancários, sendo o rosto visível da sociedade nas relações comerciais mantidas com clientes, fornecedores e entidades bancárias.
3. No período compreendido entre março de 2016 a dezembro de 2018, o arguido AA, agindo em nome e no interesse da sociedade arguida, deduziu das remunerações dos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários as quantias correspondentes às cotizações devidas por estes à Segurança Social, reteve-as e não as entregou nos cofres desta entidade até ao vigésimo dia do mês imediatamente seguinte àquele a que respeitavam – no que concerne aos períodos compreendidos entre fevereiro de 2016 a novembro de 2018 – fazendo-as suas e integrando-as no giro comercial da sociedade.
4. O arguido não procedeu à entrega das quantias mencionadas em 3., sequer, nos noventa dias subsequentes aos prazos referidos em 3.
5. Os arguidos foram regularmente notificados para procederem ao pagamento, em 30 (trinta) dias, das quantias referidas em 3., acrescidas dos
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