Acórdão nº 282/22.7 BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 26-10-2023

Data de Julgamento26 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão282/22.7 BEFUN
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO

I… UNIPESSOAL, LDA. (Autora), intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAF do Funchal) contra a SECRETARIA REGIONAL DO TURISMO E CULTURA (Entidade Demandada) ao abrigo dos artigos 100.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a acção de contencioso pré-contratual, peticionando, a final, o seguinte: “(…) deve a presente acção ser considerada procedente e em consequência:
a) Ser anulado, por ilegal, o acto de adjudicação da empreitada à T... – Técnicos de Construção, S.A., melhor identificado nos artigos 19.º e 20.º desta P.I;
b) Ser a Entidade Demandada condenada a reelaborar o relatório final com a exclusão da contrainteressada T... – Técnicos de Construção, S.A., e,
c) A adjudicar a empreitada à proposta da I... Unipessoal, LDA., por ser a melhor proposta.
Indicou como contra-interessadas T... – TÉCNICOS DE CONSTRUÇÃO, S.A e as demais que constam da petição inicial.
Foi proferida sentença em 14.03.2023, pelo TAF do Funchal julgando a acção totalmente improcedente, absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos.

Inconformada, a Autora, ora Recorrente, interpôs recurso da sentença, terminando as suas Alegações de recurso com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:

“A) Em procedimento de concurso público para a celebração de um contrato de empreita de obras públicas, a proposta é constituída obrigatoriamente por um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução;
B) Um documento integrante da proposta que não contenha atributos, em procedimento cujo único critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, através da modalidade monofator, densificado apenas pelo fator preço, constitui um documento relativo à perfeição da proposta;
C) O Programa do Concurso (PC) ao exigir que a proposta seja constituída por um plano de trabalhos, composto por um plano de mão-de-obra, plano de equipamentos, e ainda uma memória descritiva e justificativa, exige documentos relativos à perfeição da proposta, que contêm aspectos que a integram, que lhe são substanciais;
D) A cominação no Programa do Concurso da exclusão da proposta caso a mesma não venha acompanhada de todos ou de alguns dos documentos exigíveis, ou ainda quando o documento se apresente incompleto, em relação a documentos conforme os referidos em B) e C), impede que a Entidade Pública convide a concorrente a suprir a sua falta após o termo do prazo para a apresentação da proposta, com recurso ao disposto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP;
E) Pois não está em causa o suprimento de uma formalidade não essencial;
F) Por outro lado, tendo-se auto vinculado, no Programa do Concurso, com norma que prevê, expressamente, a exclusão da proposta, conforme referido em D), a Entidade Pública ao convidar o concorrente a apresentar esse documento após conhecer os concorrentes e o valor das propostas, viola o princípio da concorrência e da igualdade de tratamento;
G) O documento memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos não visa comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta;
H) O documento memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos que deva integrar a proposta contém condições técnicas que a Entidade Contratante quer que o empreiteiro se vincule;
I) Sendo todos os concorrentes obrigados a apresentar esse documento, as suas propostas apenas são comparáveis, se o mesmo for por todos apresentado, pois só pode haver comparabilidade das propostas quanto ao preço se estivermos perante planos de trabalho comparáveis, porque assentes em regras de execução claras a que os concorrentes se vincularam perante a entidade adjudicante;
J) As insuficiências ou deficiências dos planos de trabalho apresentados com as propostas neste tipo de concursos não podem ser reconduzidos a situações de meras irregularidades posteriormente supríveis (cfr. STA de 14-07-2022, proc. 02515/21.8BEPRT).
*
A Entidade Demandada, ora Recorrida, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
I - A A. da ação e aqui recorrente não alegou, na fase administrativa de formação do contrato e, sobretudo, na presente fase judicial, e por isso também não provou, qualquer facto concreto e objetivo que sustente ou tenda a demonstrar qualquer uma das suas conclusões de recurso, máxime as indicadas nas alíneas A) a E), H) e J), relativas ao alegado caráter essencial e substancial do documento memória descritiva e justificativa, e F) e I) em que a recorrente defende que se verificou a violação dos princípios da concorrência e igualdade de tratamento por parte da Entidade Pública por efeito do convite ao suprimento da irregularidade;
II - Compulsados os factos dados como provados na douta sentença recorrida (que não mereceu censura nesta vertente), não encontramos nenhum que corrobore as alegações da recorrente a propósito das questões e matérias em apreço, pelo que ficou inelutavelmente comprometida a posição da mesma na presente ação, motivo pelo qual nada há a censurar na douta sentença ao julgar improcedente os pedidos formulados na ação e, consequentemente, também a própria ação;
III - Analisada a prova produzida, não se pode deixar de concluir que, o documento «plano de trabalhos» tout court, entregue pela concorrente T..., cumpria na íntegra o que havia sido exigido no âmbito do procedimento, seja por referência às disposições do CCP, designadamente o artigo 361.º, seja por força do Programa do Concurso (PC), mormente na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º;
IV - O documento em si (plano de trabalhos) entregue pela concorrente T... no âmbito da sua proposta, corresponde ao «definido no artigo 361.º do CCP (fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e especificação dos meios com que se propõe executar - plano de mão-de-obra e plano de equipamentos», tal como exigido na citada alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do PC;
V - A memória descritiva e justificativa a que se refere o PC (alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º), para além da referência genérica ao plano de trabalhos da empreitada, não tem estabelecido ou pré-definido quaisquer características, dados ou informações que da mesma devam constar, pelo que os concorrentes tinham uma larga margem de liberdade de conformação do seu conteúdo, forma e extensão, sendo certo que das características e conteúdo que efetivamente tivesse aquando da sua entrega no âmbito do procedimento, não resultavam quaisquer efeitos ao nível da apreciação da respetiva proposta, pois não contém termos ou condições, muito menos atributos, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos;
VI - Assim, não tendo tal documento influência no conteúdo fundamental da proposta do concorrente, não pode ser qualificado como essencial ou substancial, designadamente no que se refere aos aspetos que a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule, pelo que a falta de tal documento pôde ser, e por isso foi suprida ao abrigo do regime previsto para o efeito no CCP, mais especificamente no n.º 3 do artigo 72.º, versão do DL n.º 111-B/2017, de 31/08;
VII - O n.º 3 do art.º 72.º do CCP é uma norma imperativa que se constitui como um poder-dever, pelo que, mostrando-se verificados, como de facto se verificaram, os respetivos pressupostos, o júri não tinha outra solução que não fosse determinar a sua ação no sentido indicado pela norma em apreço, sob pena de, não o fazendo, cometer ilegalidade, para além de correr o risco de violar os princípios conformadores da contração pública consagrados no CCP, designadamente no n.º 1 do artigo 1.º-A., especialmente os da concorrência, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público;
VIII - Assim, também por esta via se demonstra que nada há a censurar na douta decisão (sentença) contra a qual a A., aqui recorrente, se insurge, porquanto, através da mesma, no caso concreto dos autos, aplicou-se o direito aos factos, reforçou-se o valor jurídico das normas e dos princípios aplicáveis e, assim, fez-se a justiça que o caso reclama;
IX - A entidade adjudicante, aqui demandada e recorrida, ao convidar a concorrente T... a suprir a irregularidade da proposta nos termos e condições em que o fez (n.º 3 do artigo 72.º do CCP), sufragou, densificou e aplicou o princípio da concorrência que, no seu conteúdo essencial, reclama que a aplicação das normas e das regras da contratação pública se faça, sempre que possível, no sentido favorável à participação nos procedimentos pré-contratuais do maior número possível de interessados, evitando, também sempre que possível, exclusões por motivos meramente formais;
X - Com tal atitude, a entidade adjudicante também cumpriu e fez cumprir os princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, consagrados no CCP, designadamente no n.º 1 do artigo 1.º-A., porquanto, ao conferir a possibilidade de suprimento de uma irregularidade não essencial e, só depois, em caso de incumprimento, excluir a proposta, adotou um comportamento que terá de ser considerado adequado, necessário e proporcional à irregularidade cometida, e, simultaneamente, favorável ao interesse público de tentar manter em concurso aquela que, mais tarde, veio a revelar-se ser a melhor proposta, sem que do convite e efetivo suprimento tenha resultado qualquer prejuízo para os restantes concorrentes;
XI - O que está verdadeiramente em causa no presente pleito, não é saber se a falta do documento memória descritiva e justificativa deve conduzir à exclusão da proposta do concorrente faltoso (o que inequivocamente terá uma resposta afirmativa), mas, pelo contrário, importa saber se, antes da eventual exclusão, deve-se ou não recorrer-se ao disposto no n.º 3 do artigo 72.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT