Acórdão nº 282/16.6GAMIR-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 07-02-2024

Data de Julgamento07 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão282/16.6GAMIR-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CANTANHEDE))
Relator: Cândida Martinho
Adjuntas: Rosa Pinto
Helena Lamas

*

Acordam em conferência os juízes da 4ªsecção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I.Relatório

1.

No processo comum singular nº282/16...., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Cantanhede, por despacho proferido em 10/7/2023, foi decidido revogar a substituição da pena de multa por dias de trabalho a favor da comunidade.

(…)

2.

Não se conformando com o decidido, veio o condenado interpor o presente recurso, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

“1. Recorre-se da decisão de 10-07-2023 que revogou a substituição da pena de multa por dias de trabalho e, em consequência, ordenou o pagamento da pena de multa em que o arguido foi condenado.

2. Tal decisão entendeu, erradamente, ano são ver, que o arguido nos anos de 2020, 2021 e 2022, poderia ter cumprido o trabalho em substituição da pena de multa que lhe foi aplicada e não se apresentou a cumprir as horas de trabalho que lhe foram determinadas.

3.O Tribunal baseou a sua decisão em vários fundamentos, sendo que o determinante foi o oficio dos CHUC, remetido aos autos em 07-04-2022, do qual o Tribunal infere que o arguido poderia ter desempenhado as tarefas de limpeza e manutenção da Barrinha da Praia de Mira.

4. Não resulta desse ofício, nem de nenhum outro elemento de prova que conste dos autos, que o arguido pudesse ter desempenhado essas tarefas.

5. Antes pelo contrário, todos os elementos constantes do processo, vão no sentido de que o arguido se encontra gravemente doente, já desde a data da condenação, e que a doença de que padece o tem impedido de cumprir, até ao momento presente, as horas de trabalho que lhe foram determinadas.

6. A decisão agora tomada (de revogação da substituição da pena de multa por dias de trabalho e a ordenação para o pagamento da multa) abre caminho para que o arguido venha a ser preso por conversão da multa não paga em prisão subsidiária (nos termos do artigo 49º CP) pois que, como já amplamente se encontra demonstrado nos autos, o arguido não tem capacidade económica para pagar a multa, o que levará à prisão de uma pessoa gravemente doente, o que além de tudo o mais, a ser assim, é um ato de falta de humanismo e em nada contribuirá para fazer cumprir os fins das penas (ressocialização, prevenção e punição)

7. Da informação clínica e outra que se encontra nos autos (que aqui se dá por reproduzida), e da qual, na motivação se fez um resumo, resulta inequivocamente, que o arguido se encontra gravemente doente, à espera de ser transplantado e incapaz, até este momento, de prestar trabalho.

8. Desta informação que consta dos autos desde finais do ano de 2019 até ao presente, terá se de concluir, necessariamente, que não houve um comportamento do arguido que inviabilizasse a prestação do trabalho, nem muito menos, como acaba por se concluir, que o arguido se desinteressou do processo e das consequências do incumprimento.

9. Daí resulta, pelo contrário, que o arguido está gravemente doente, à espera de transplante hepático, e só após a realização do mesmo poderá fazer a sua vida normal, e, aí sim, estar em condições para prestar o trabalho.

10. E aliás, quer o MP quer o Tribunal, até à data da revogação compreenderam essa situação de fragilidade de arguido, e, compreensivamente não enveredaram pelo caminho da revogação da prestação do trabalho.

11. A decisão, agora tomada, que revogou a pena de prestação de trabalho, mostra-se assim errada, com falta de fundamento que a suporte, e, como se referiu, “abre caminho” para uma eventual e futura prisão de uma pessoa que se encontra completamente indefesa porque doente e com falta de recursos para pagar a multa.

12. Tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que mantenha a pena de prestação de trabalho, ou, quando muito, que acolha a sugestão da DGRSP, de aí comparecer, com regularidade mensal, colaborando com a técnica responsável em entrevistas direcionadas para a interiorização da ilicitude dos factos praticados e da necessidade de manter comportamentos normalizados, adotando estratégias preventivas dos comportamentos desviantes.

Fazendo-se assim a habitual justiça.

(…)”.

3.

O Ministério Público na primeira instância veio responder ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos seguintes termos:

“1. O Recorrente vem interpor recurso do despacho proferido a 10.07.2023 que revogou a substituição da pena de multa por dias de trabalho e, em consequência, ordenou o pagamento da pena de multa em que o arguido foi condenado.

2. Alega o Recorrente que todos os elementos constantes do processo vão no sentido de que o arguido se encontrar gravemente doente, já desde a data da condenação, e que a doença de que padece o tem impedido de cumprir, até ao momento presente, as horas de trabalho que lhe foram determinadas.

3. Os autos aguardam desde o ano de 2018 que o arguido preste 120 horas de trabalho e, não obstante os problemas de saúde elencados nos autos, o arguido, pelo menos nos anos de 2019 a 2022 teve condições para realizar as horas de trabalho determinadas, face às informações clínicas prestadas, considerando que foi efectuado um plano de trabalho adaptado à sua condição de saúde, que não implicava esforços violentos, no entanto o arguido AA recusou iniciar a prestação de trabalho alegando que a sua condição de saúde não o permitia.

4. Ora, consideramos que, como decidiu o Tribunal A Quo o arguido “não cumpriu as horas do trabalho, nem justificou, de forma adequada e suficiente, a sua actuação, desinteressando-se do processo e das consequências do incumprimento da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade que foi aplicada a seu requerimento”.

5. Assim sendo, uma vez que o arguido não cumpriu as horas de trabalho fixadas em substituição da pena de multa em que tinha sido condenado, tal substituição terá que ser revogada, devendo aquele proceder ao pagamento da multa em que foi condenado nos autos.

6. Pelo que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, por não existir qualquer vício ou violação de qualquer norma”.


4.
Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


5.
Cumprido o artigo 417º, nº2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.


6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al. b), do diploma citado.

II. Fundamentação

Constituindo jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso afere-se nos termos do artigo 412º, nº1, do C.P.P, pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido, sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo arguido/recorrente, a única questão a decidir passa apenas por saber se o não cumprimento da prestação de trabalho a pedido do recorrente, como forma...

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