Acórdão nº 2806/23.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08-02-2024
Data de Julgamento | 08 Fevereiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 2806/23.3T8VCT.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
1 – RELATÓRIO
Nos presentes autos de providência cautelar de ARBITRAMENTO de reparação provisória de dano[1], nos termos do disposto no art. 388º do CPC, figura como requerente AA, enquanto Acompanhante de BB - dado o seu estado comatoso -, e requeridos CC e mulher, DD, alegou aquele, em síntese, que necessita que lhe seja arbitrada e consequentemente que os Requeridos sejam solidariamente condenados no pagamento, sob a forma de renda mensal, de quantia não inferior a €500,00 (quinhentos euros), equivalente ao valor agora praticado e exigido pela Instituição que presta cuidados vitais a BB, com os agravamentos que esta venha a fixar, posteriormente, ou as mensalidades que outra Instituição similar venha a praticar, em virtude da mudança da sinistrada, por motivos e razões justificadas, atentas as circunstâncias, a título de reparação provisória de dano decorrente de acidente cuja responsabilidade imputa aos requeridos, enquanto proprietários do imóvel.
*
Os Requeridos deduziram oposição e requereram a intervenção principal provocada passiva de EMP01..., que veio a ser admitida.*
EMP01... apresentou defesa que ficou sem efeito, por não ter sido constituído advogado nos autos.*
Relevou-se infrutífera a encetada tentativa de conciliação das partes.*
Realizou-se a audiência de julgamento com a observância dos formalismos legalmente previstos.*
No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos:Em consequência da fundamentação exposta, julgo procedente a presente providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, e fixo, a título de reparação provisória do dano, da responsabilidade dos Requeridos CC e mulher, DD, a renda mensal de 500,00€ (quinhentos euros), a qual deverá ser paga à Autora, BB representada pelo Acompanhante AA e é devida desde setembro de 2023, com vencimento no dia 15 e no mesmo dia dos meses subsequentes.
As custas serão suportadas nos termos previstos pelo art.º 539º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil.
*
Notificados da decisão e inconformados com a mesma, nos termos do nº 1, al. a) do art. 644º do CPC, apresentaram os Requeridos recurso de apelação, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:
i. No dia 07 de agosto de 2021, pelas 19h25, ocorreu um acidente no prédio urbano onde residem os Recorrentes, por cedência do parapeito da varanda, o qual levou à queda da Autora por uma altura de 6 metros.
ii. A Autora imediatamente foi levado para unidade hospitalar e está em coma profundo desde então.
iii. O tribunal ad quo julgou favoravelmente pretensão de arbitramento de reparação provisória instaurada pela Autora face à alegada urgência e necessidade económica sofrida pelos seus gastos em cuidados paliativos.
iv. Sentença essa que padece de nulidade, uma vez que não faz menção a uma das partes principais passivas do processo, pelo art.º 615.
v. O parapeito da varanda que originou o caso in judice foi instalado pela sociedade comercial EMP01....
vi. Foi requerida a intervenção principal provocada desta, tendo sido esta aceite e a firma devidamente citada nos termos do art.º 311 e seguintes do CPC.
vii. Esta deduziu oposição aos factos que lhe eram imputados, no entanto nunca constituiu mandatário, o que pelo art.º 41 do CPC tem a consequência de desprover a sua defesa de qualquer efeito.
viii. Assim, pelo art.º 319, n.º 4, do CPC em analogia, deverão aceitar os articulados da parte a que se associa - os aqui Recorrentes - pelo que aceitam e confessam não só que foram eles a proceder à empreitada, como também que a escassa aplicação de cola foi da sua responsabilidade.
ix. Mesmo que tal não se considere, deveria o tribunal a quo ter considerado pelo art.º 567, n.º 1, como confessados os factos que lhes eram imputados.
x. Os Recorrentes não tinham experiência em construção civil e não poderiam prever a cedência do parapeito, até porque o estado aparente do parapeito não indicava problemas de conservação.
xi. Todos os presentes, incluindo a Autora, consideraram à primeira vista, o parapeito em bom estado.
xii. Não houve sobrecarga, falta de manutenção ou impactos violentos no parapeito.
xiii. Os Recorrentes não poderiam nem conseguiriam prever a cedência do parapeito menos de 10 anos após sua construção, tendo procedido a uma renovação recorrendo a um profissional qualificado sem pedidos indevidos.
xiv. Assim, deve-se considerar afastada a presunção de culpa do art.º 492 do CC, até porque não há indícios de dolo ou negligência nos deveres de cuidado dos Recorrentes.
xv. Por último, não se verifica a urgência nem a dependência de causa de indemnização por morte ou dano corporal, pelo que deverá ser sempre dada como improcedente a ação, por falta de requisitos.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V.as Ex.as, deverá a douta decisão recorrida ser considerada nula nos termos do art.º 615, n.º 1, al. d).
Mesmo que tal não se entenda, o que não se admite, mas que por mero dever de patrocínio se equaciona, deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a providência cautelar de arbitramento por não provada.
Sem prescindir e caso não haja melhor acolhimento,
Se revogar a decisão ora recorrida, por existir um erro notório na apreciação dos factos e na aplicação do Direito, substituindo por outra que verifique da imputação da responsabilidade sobre a Ré EMP01... com as legais cominações.
Assim se fazendo a inteira e sã Justiça!
*
Foram apresentadas contra-alegações nas quais se pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*
A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Pronunciou-se sobre a invocada nulidade.
*
Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*
2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes Requeridos, estes pretendem que:
- se declare nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia;
- seja reapreciada a decisão de mérito da acção.
*
3 – OS FACTOSA) FACTOS PROVADOS:
1. No dia 07 de Agosto de 2021, pelas 19h25m, no prédio urbano, sito na Rua ..., com o nº 46 de policia, na ..., concelho ..., ocorreu um acidente, por cedência de parapeito de varanda, no primeiro andar do referido prédio, o qual determinou a queda, desamparada, da Requerente BB, desse primeiro andar para a rua, numa altura aproximada de seis metros.
2. O referido prédio urbano era, à data da ocorrência, e é, atualmente, propriedade dos Requeridos CC e DD.
3. A Autora e seu marido, nesse dia, encontravam-se em veraneio, nessa ... e aproveitaram para visitar familiares, no referido andar do Réu.
4. O referido andar possui uma varanda, com, aproximadamente, quatro metros de extensão, por três metros de largura, nesse primeiro andar, voltado para a referida Rua ....
5. A dita varanda onde se deu o acidente possui uma proteção constituída por pilares de pedra granítica, com forma quadrangular adornada com l-5cm de largura, espaçados entre si e com altura de cerca de 1,20m, encimados por peças de granito com cerca de 1m de comprimento e secção em forma retangular com largura de cerca de 15cm e altura de cerca de l-0cm.
6. Acontece que, naquele dia, hora e local, quando a Autora e o seu marido se encontravam nessa varanda, de costas para a aludida rua, a aguardar que um familiar lhes tirasse umas fotografias, estando a Autora encostada ao parapeito, este cedeu e determinou, como se disse, que a Autora caísse desse primeiro andar, totalmente desamparada e com aquela estrutura de pedra granítica, prostrando-se no solo.
7. O método adotado para a montagem da guarda de proteção da varanda com colunas de granito foi a colagem através da aplicação de "cola prego" ou melhor dizendo através de aplicação de prego líquido base neopreno.
8. O facto de a guarda de proteção não ter resistido e ter tombado, descolando-se do suporte e com isso desprotegendo as vidas humanas, indica ter existido uma má prática de execução que levou a que a colagem não tenha resultado na perfeição com a necessária aderência tanto dos pilares ao suporte como do corrimão de granito aos pilares de granito.
9. Não existindo segurança para evitar a queda de quem quer que se encostasse à guarda de proteção.
10. A nenhum utente dessa fração era exigível prever que esse parapeito se encontrava inseguro e passível de determinar a queda a quem dele se abeirasse, para além do mais por dele não revelar esse risco.
11. Em consequência direta dessa ocorrência e queda da Autora desse primeiro andar para a rua, sofreu esta, para além de vários hematomas e ferimentos pelo corpo, por via da queda, graves e inúmeras fraturas dos seus membros, trauma de torax, hemopneumotoraz, traqueostomia, herniação, ptose do olho direito, TETRAPLAGIA, para além do mais melhor referenciado no RELATÓRIO CLÍNICO do Hospital ..., que se dá por inteiramente reproduzido, correspondente ao documento ... junto com o requerimento inicial.
12. Dadas as gravíssimas lesões sofridas, a autora ficou em estado comatoso profundo.
13. A autora manteve-se internada desde a data do acidente, em estado de coma, no Hospital ..., até ao dia .../.../2022.
14. Considerando que a equipa médica que acompanhou a Autora desde o acidente no Hospital ..., concluiu que não havia qualquer possibilidade de recuperação, dado o seu estado vegetativo, contactou o marido da mesma para que esta fosse transferida para uma...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO