Acórdão nº 2798/22.6T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-09

Ano2023
Número Acordão2798/22.6T8GMR-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório
Por sentença de 27/05/2022, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA

A 19/07/2022 a Sra. AI juntou aos autos de insolvência Relatório nos termos do art.º 155º do CIRE, acompanhado da Lista de créditos provisórios, nos termos do artigo 154.º do CIRE, onde consta que a Banco 1..., SA reclamou um crédito no montante de € 124.247,42, sendo € 98.970,41 de capital, € 25.277,01 de juros, crédito esse resultante de financiamento.

A 29/07/2022, a insolvente AA veio impugnar o crédito reclamado pela Banco 1..., SA, alegando, em síntese, que o valor reclamado resulta de um contrato de locação financeira, que “tinha como objectivo e finalidade a aquisição de imóvel e a realização de obras no mesmo”, tendo como montante global de financiamento € 300.000,00, que seria pago em 180 prestações mensais e sucessivas de € 1.889,35; em 2015 e face ao incumprimento, a credora reclamante preencheu a livrança que lhe havia sido entregue pela insolvente pelo valor de € 98.870,41; no âmbito do contrato foram pagas 96 rendas, no valor total de € 181.377,60; 20% das prestações vincendas daria o montante de € 31.741,08valor muito acima daquele que foi preenchida a livrança dada como garantia (€ 98.870,41); o valor de 20% é excessivo e desproporcional; em Janeiro de 2016 a credora reclamante instaurou execução para cobrança do valor de € 100.092,89; e nos presentes autos reclamou o valor de € 124.247,42; a credora omite que o imóvel foi vendido pelo valor de € 176.100,00; o valor dos danos é superado pelo valor obtido com a venda do imóvel, somado ao valor recebido durante os 10 anos em que o contrato foi cumprido; a soma dos dois valores (€ 357.477,60) demonstra que a credora conseguiu receber muito acima do que receberia se o contrato tivesse sido cumprido até final; assim, o valor de 20% da cláusula penal deve ser retirado do valor em dívida ou, pelo menos, reduzido de acordo com os ditames da justiça material, da boa fé e justo equilíbrio entre as partes; o valor resultante da venda do imóvel tem de ser descontado no montante em dívida por força do contrato; caso assim não suceda, constitui abuso de direito e é violador dos limites impostos pela boa fé.
Conclui que “o crédito reconhecido ao credor Banco 1..., SA, foi-o erradamente, uma vez que nenhum crédito detém sobre a insolvente, devendo por isso ser excluído.”

A Banco 1..., SA respondeu dizendo, em síntese, que o bem objecto do contrato de locação financeira era e sempre foi propriedade da locadora; a retoma do bem locado e a sua posterior não tem em vista o pagamento de quaisquer quantias devidas pelo locatário; o contrato de locação financeira traduz-se numa cedência temporária do gozo da coisa, não havendo qualquer transferência de propriedade para o locatário, que é alheio ao destino que a locadora dá ao bem locado após a sua recuperação; com o incumprimento do contrato, independentemente da recuperação do bem locado, são ainda devidas as rendas e outros débitos vencidos e não pagos, bem como o valor da indemnização devida pela resolução do contrato; o bem locado não constitui qualquer forma de garantia do incumprimento do contrato; a livrança foi preenchida com o valor de € 98.870,41, o qual se decompõe da seguinte forma: rendas vencidas - € 46.947,55; outros débitos -€ 3.248,39; indemnização contratualmente devida pela rescisão - € 36.852,75; juros de mora sobre as rendas vencidas e a indemnização, calculados à data do preenchimento da livrança - € 11.327,37; imposto de selo - € 494,35;

Concluiu pugnando pela improcedência da impugnação.

A 11/08/2022 a Sra. AI juntou aos autos Lista de créditos reconhecidos, nos termos do art.º 129.º n.º 2 do CIRE, onde consta como credor reconhecido a Banco 1..., pelo valor de € 124 247,42, sendo € 98.970,41 de capital, € 25.277,01 de juros, crédito esse resultante de financiamento, constando das “observações”: “Livrança subscrita pela empresa EMP01..., Ldª, avalizada pela devedora emitida em 11/09/2015, vencimento à vista.”

A 01/09/2022 a Sra. AI pronunciou-se dizendo que a impugnação à lista de credores será sempre à lista de créditos reconhecidos, nos termos do artigo 129.º do CIRE, e nunca à lista provisória de créditos; a impugnação deu entrada antes de ter sido enviada a lista de créditos reconhecidos, artigo 129.º do CIRE.
Terminou requerendo a “extração do processo por nulidade, das impugnações à lista provisória.”

Foi ordenada a notificação da insolvente para se pronunciar, o que a mesma fez.

A 11/11/2022 foi proferida sentença com o seguinte teor:
“Por decisão de 27/05/2022 foi declarada a insolvência de AA, nos seguintes termos:
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“Dispõe o artigo 130º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência.
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A sentença em causa tem uma natureza declarativa e como conteúdo a sentença de verificação de créditos constitui uma declaração ou certificação de direitos.
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Considerando que se não vislumbra qualquer erro manifesto, ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, homologo a lista de créditos reconhecidos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência e, em consequência, considero verificados os créditos dela constantes.
*
No mais, neste momento não se vislumbra a necessidade de graduar os créditos visto todos terem a natureza de créditos comuns.
Custas pela massa insolvente.”

A 27/01/2023 a insolvente, alegando que o crédito da Banco 1..., SA havia sido impugnado e que só por lapso havia sido proferida a sentença, veio requerer que o tribunal conhecesse da impugnação deduzida.

A 02/03/2023 foi designada data para tentativa de conciliação, a qual se realizou, sem sucesso.

Foi proferido despacho que consignou o objecto do litígio e os temas da prova e admitiu as provas.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte decisório:
“Julga-se improcedente a presente impugnação, mantendo-se o crédito de Banco 1... SA tal como reconhecido pela Sra. A.I.
Custas da impugnação pela insolvente.”

A impugnante interpôs recurso, pedindo que seja julgado procedente e a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue a impugnação totalmente procedente, excluindo o crédito da Banco 1..., SA da lista de créditos reconhecidos, ou a sentença recorrida revogada e substituída por outra que considere a cláusula penal nula, por desproporcional e excessiva, ou determine a sua redução, nos termos dos artigos 809.º a 812.º do Código Civil, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso incide somente sobre matéria de Direito e, no essencial, a resposta a duas questões: se a cláusula penal fixada no contrato é válida? Se a venda do imóvel locado tem (ou pode ter) alguma influência na dívida da recorrente?
B. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, errou ao não considerar desproporcional a cláusula pena contratualmente fixada, nem sequer a sua redução, como decidiu erradamente ao não ter considerado o valor de venda do imóvel locado.
C. No âmbito do contrato de locação financeira imobiliária foram pagas 96 rendas num total de 181.377,60€ (factos provados i) e k)
D. O imóvel objecto do leasing foi vendido por 176.100,00€.
E. A credora Banco 1..., S.A., com o valor das rendas pagas e com a venda do imóvel, recebeu a quantia total de 357.477,60€.
F. Caso o contrato fosse cumprido integralmente e a locatária exercesse a opção de compra (pagando valor residual), o contrato custaria (e a Banco 1..., SA receberia) o máximo de 352.583,00€, conforme cláusulas 4 a 6 do contrato de locação financeira imobiliária n.º...42 e cláusula 11.ª, n.º 1 das condições gerais (opção de compra).
G. Os valores recebidos pela Banco 1..., SA são mais do que suficientes para que o contrato de locação se considere integralmente cumprido, nada mais devendo a insolvente/locatária à credora, estando este entendimento de acordo com os ditames de justiça e de boa-fé, mas também do justo equilíbrio entre as partes.
H. A própria cláusula 13.ª das condições gerais do contrato de leasing, donde constam as regras fixadas em casa de expropriação total do imóvel locado estipulava que a indemnização, naquela situação, pertenceria ao locador até ao valor do capital em dívida à data do pagamento, acrescido de todos os valores vencidos e não pagos pelo locatário e o remanescente seria entregue ao locatário.
I. Também aqui deve ser considerado o valor da venda do imóvel locado, somando-o às rendas pagas, resultando a inexistência de qualquer crédito da Banco 1..., S.A. em relação à insolvente.
J. A cláusula penal fixada no contrato de leasing, correspondente a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, acrescida de juros de mora contados a partir dos 15 dias seguintes à recepção da carta de resolução devia ainda ter sido considerada nula, por desproporcional.
K. O valor reclamado pela credora no montante de 36.852,75€ corresponde a mais de 10% do valor total do contrato.
L. Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09/07/2015, processo .º 3175/11.0TBSTR-A.E1, disponível para consulta em www.dgsi.pt onde ficou decidido que: “É excessiva, em face das circunstâncias do caso, a cláusula de contrato de locação financeira imobiliária, no segmento em que prevê, para o caso de resolução do contrato por causa não imputável ao locador, o pagamento, por parte do locatário, de uma indemnização de 20% do montante das rendas vincendas.”
M. Para a exclusão ou redução do valor da cláusula penal é preciso levar em linha de conta o valor...

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