Acórdão nº 2794/22.3T8CSC.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 25-10-2022

Data de Julgamento25 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão2794/22.3T8CSC.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório:


Fernando ……., residente em São Domingos de Rana, veio, em 18.8.2022, requerer junto do Juízo de Família e Menores de Cascais contra Elizabete ……., brasileira, residente em Piedade, Jaboatão dos Guararapes, Recife, Brasil, processo para entrega judicial de criança, ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25.10.1980, do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27.11, e do art. 13 do RGPTC, respeitante à filha de ambos, Bruna ……., nascida em 9.10.2013.

Invoca, para tanto e em síntese, que vivendo o requerente e a requerida, casados entre si, habitualmente em São Domingos de Rana com a menor, a requerida ausentou-se com a filha para o Brasil, em Julho de 2022, sem conhecimento ou autorização do requerente, tendo a mesma comunicado às técnicas da CPCJ de Cascais a sua intenção de não mais regressar a Portugal. Diz que já solicitou, entretanto, o regresso da criança através da Autoridade Central Portuguesa e pede que seja determinado o imediato regresso da mesma e a sua entrega ao progenitor.

O Ministério Público veio requerer se julgue verificada a incompetência do tribunal português para apreciar a pretensão, uma vez que esta deve ser apreciada pela autoridade judicial do local onde a criança se encontra.

Por despacho de 24.8.2022, determinou-se a audição do requerente sobre a incompetência do tribunal português, sustentando-se que o meio processual adequado à satisfação do pedido é o já dirigido à Autoridade Central cuja decisão compete às autoridades judiciais e administrativas brasileiras.

Em resposta, o requerente insiste na competência do tribunal português, invocando o art. 10 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 e defendendo que deve ser fixado um regime provisório, ao abrigo do art. 20 do mesmo Regulamento, que assegure o regresso imediato da menor de modo que esta inicie o ano letivo no Colégio da Bafureira onde se encontra inscrita.

Em 31.8.2022, foi proferida decisão que concluiu nos seguintes termos: “(…) Consta da factualidade vertida no aludido requerimento e nos documentos que o acompanham que o requerente continua casado com a mãe da menor, inexistindo qualquer processo de regulação das responsabilidades parentais ou de promoção e proteção pendentes em Juízo. Consta igualmente apresentou o pedido de regresso junto da Autoridade Central do nosso país, pedido esse que já foi devidamente encaminhado para a Autoridade Central brasileira e cujo resultado aguarda.
Ora, como já referido anteriormente, resulta dos artigos 8º a 12º da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto internacional de Crianças, de 25/10/1980, que «Artigo 8º Qualquer pessoa, instituição ou organismo que julgue que uma criança tenha sido deslocada ou retirada em violação de um direito de custódia pode participar o facto à autoridade central do residência habitual da criança ou à autoridade central de qualquer outro Estado Contratante, para que lhe seja prestada assistência por forma a assegurar o regresso do criança. Artigo 9.º Quando a autoridade central que tomou conhecimento do requerimento mencionado no Artigo 8.º tiver razões para acreditar que o criança se encontra num outro Estado Contratante, deverá transmiti-lo directamente e sem demora à autoridade central desse Estado Contratante e disso informará a autoridade central requerente ou, se for caso disso, o requerente. Artigo 10.° A autoridade central do Estado onde a criança se encontrar deverá tomar ou mandar tomar todos as medidos apropriadas para assegurar a reposição voluntária da mesma. Artigo 11.º As autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes deverão adoptar procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança.»
No caso, o requerente agiu nessa conformidade e a Autoridade Central Portuguesa já informou o requerente do encaminhamento da situação junto da Autoridade Central no Brasil, cujas autoridades judiciais e administrativas, deverão dar andamento ao pedido nos termos constantes do artigo 11º da Convenção, por serem com competência internacionalmente para o efeito.
Em face do acabado de referir, forçoso se torna concluir que este Tribunal carece de competência para intervir no pedido de regresso da criança a Portugal, não sendo a providência tutelar cível o meio processual adequado para os fins pretendidos pelo requerente, mas sim, o pedido por si já efetuado junto da Autoridade Central e cuja decisão compete às autoridades judiciais e administrativas brasileiras.
Nestes termos, não tendo este Juízo de Família e Menores competência internacional para a apreciação desta ação, desde já declaro o Juiz 2 do Juízo de Família e Menores de Cascais da Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste incompetente em razão das regras de competência internacional, o que determina a incompetência absoluta do Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 96.º e 97.º do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, julgo verificada a exceção de incompetência deste Juízo de Família e Menores em razão das regras de competência internacional e em consequência, indefiro liminarmente o requerido, ao abrigo do disposto nos artigos 590.º/1 e 577.º/a), do Código de Processo Civil.
Custas pelo Requerente, de harmonia com o vertido no artigo 527.º/1/2 do Código de Processa Civil.
(…).”

Inconformado, interpôs recurso o requerente, apresentando alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem:

i.-A competência internacional do tribunal português para fixar medidas provisórias e cautelares resulta do artigo 20. ° do Regulamento (CE) n. ° 2201/2003, de 27 de novembro, que preconiza o seguinte a este respeito:
"1. Em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um Estado-Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado-Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do mérito.
2. As medidas tomadas por força do n. ° 1 deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado-Membro competente quanto ao mérito ao abrigo do presente regulamento tiver tomado as medidas que considerar adequadas. "

ii.-Os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas podem decidir cautelarmente, estando comprovado nos autos que a menor frequentou o 2.° ano no Colégio da Bafureira e que era residente em Portugal, até ser deslocada ilicitamente pela progenitora.
iii.-Acresce, que é a própria Autoridade Central Brasileira que afirma encontrar-se a aguardar decisão do tribunal português.
iv.-No entendimento do recorrente e salvaguardando todo o respeito, o tribunal a quo fez uma aplicação errada das normas substantivas e processuais à factualidade que se tem por assente, pois que em caso de urgência os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança podem tomar medidas cautelares ou provisórias, configurando o início do ano escolar da menor uma situação de urgência que justifica a fixação de um regime provisório, até que exista uma tomada de posição por parte da Autoridade Central Brasileira, o que poderá demorar meses, ficando o superior interesse da criança prejudicado caso não se fixe qualquer regime provisório.
v.-Existindo motivos de facto que justificam a aplicação de medidas urgentes e cautelares, é competente o tribunal português para fixar tal regime até que exista uma tomada de posição por parte da Autoridade Central Brasileira.
vi.-Somos a concluir que andou mal o douto tribunal a quo ao proferir a sentença ora em recurso porquanto a situação fáctica relatada nos autos justifica a fixação de medidas cautelares, que acautelem o superior interesse da menor que iniciará o próximo ano letivo a 9 de setembro de 2022.
vii.-Vislumbrando-se a impossibilidade de existir uma resposta por parte da Autoridade Central Brasileira até esta data, deverá ser fixado um regime provisório que determine o imediato regresso da menor a Portugal.
viii.-Face ao exposto, somos a concluir que a sentença recorrida viola o disposto no artigo 20.° do Regulamento(CE) n.° 2201/2003, de 27 de novembro, e, por conseguinte, deverá ser substituída por despacho que fixe cautelarmente a medida de regresso da menor, a fim de iniciar o ano letivo.”

Em contra-alegações, defende o M.P. o acerto do decidido.

O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e
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