Acórdão nº 2778/19.9T8GDM.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 21-02-2022

Data de Julgamento21 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão2778/19.9T8GDM.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 2778/19.9T8GDM.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca ... Cível de ...-J...
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
F..., Lda., com sede na rua ..., ..., intentou a presente ação de impugnação pauliana sob a forma de processo comum contra AA, BB, residentes na rua ..., n.º …, ... e CC, residente na rua ..., ..., pedindo que o tribunal declare a ineficácia, em relação à Autora, do acto de doação identificado nos autos, devendo ser decretada a restituição ao património da Ré, AA, do bem doado, de modo a que a Autora se possa pagar à custa desse prédio, ordenando-se o cancelamento do registo de inscrição a favor do Réu BB, apresentação de 2015/04/23.
Alega para tanto que:
- intentou uma ação executiva contra os Réus AA e BB para cobrança coerciva da quantia de € 68.643,22 reconhecida por sentença condenatória;
- a Autora não logrou a satisfação da quantia exequenda, uma vez que apenas se localizaram alguns bens dos executados;
- a Ré AA doou ao Réu BB, com a autorização do Réu CC, um prédio urbano;
- apesar de o ato impugnado ter ocorrido em data posterior à constituição do crédito, os Réus tiveram uma única finalidade com a realização do ato que foi evitar a futura cobrança do crédito da Autora;
- sendo que os Réus sempre fizeram crer à Autora que o seu património era composto por determinados bens, sem qualquer correspondência com a realidade.
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Regularmente citado para os termos da presente ação, o Réu CC apresentou a contestação de fls. 35 a fls. 41, através da qual alega que:
- a relação comercial existente entre a Autora e o Réu iniciou-se em 1996 e cessou em finais de 2016;
- após dezembro de 2016, o Réu ainda procedeu ao pagamento parcial de algumas quantias;
- a partir de 2017 as condições económicas do Réu degradaram-se, tendo tentado um acordo com a Autora para pagamento em prestações da quantia devida, que esta não aceitou;
- não teve a intenção de enganar ou prejudicar a Autora, apenas foi doado o prédio ao seu único filho.
Termina por pugnar pela improcedência da presente ação, por não provada, com a consequente absolvição do Réu do pedido.
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Regularmente citados, os Réus AA e BB, apresentaram a contestação de fls. 51 a fls. 59 alegando que:
- nunca tiveram qualquer relação comercial com a Autora;
- a Ré doou e quis doar ao seu filho o imóvel, assim como este quis receber tal doação;
- em momento algum acordaram em outorgar a escritura de doação com o objetivo de impedir ou tornar difícil a penhora de bens da Ré para evitar a cobrança do crédito da Autora;
- a Ré nunca criou qualquer expectativa ou ilusão à Autora sobre o seu património, pois não mantinha qualquer relação, nunca sobre tal falou ou produziu atuação que a tal induzisse, sendo pessoa muito honesta para artifícios enganosos;
- o imóvel doado ao Réu, foi herdado pela Ré, atento o decesso dos seus pais;
- na data da doação do imóvel, a Ré e o Réu CC eram titulares de uma fração autónoma.
Terminam por pugnar pela improcedência da ação com a consequente absolvição dos Réus do pedido.
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Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido o despacho saneador de fls. 93 a fls. 95, no qual foi fixado o valor à causa; foi certificada a validade e regularidade da instância; foi identificado o objeto do litígio; foram fixados os temas da prova e admitidos os meios de prova.
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Procedeu-se à realização da audiência final com observância das formalidades legais.
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A final foi proferida decisão que julgou a acção improcedente por não provada com a consequente absolvição dos Réus do pedido.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
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Devidamente notificados contra-alegaram os Réus concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- saber se a subsunção jurídica do quadro factual que nos autos se mostra assente se encontra, ou não, correctamente efectuado, ainda que o mesmo não sofra qualquer alteração decorrente da impugnação da matéria de facto.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
a) Em 6 de março de 2019 a Autora propôs contra os Réus AA e CC uma ação de execução para pagamento de quantia certa, proveniente de uma dívida comercial, em que peticiona o pagamento da quantia de € 85.574,35, que corre os seus termos nos Juízos de Execução ..., Juiz ... (artigo 1.º da petição inicial).
b) A ação de execução referida em a) tem por título executivo a sentença condenatória de 18/05/2018, proferida no âmbito do processo n.º 12105/17.... dos ..., Juiz ..., com as seguintes condenações: a) condenação do Réu CC a pagar à Autora a quantia de €76.258,30, acrescida dos juros à taxa legal supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento; b) condenação, em regime de solidariedade, da Ré AA a pagar à Autora a quantia de €68.643,22, acrescida de juros à taxa legal supletiva de juros remuneratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, a contar desde a citação e até efetivo e integral pagamento (artigo 2.º da petição inicial e; artigo 19.º da contestação apresentada pelos Réus AA e BB).
c) A sentença referida em b) foi objeto de recurso, admitido com efeito devolutivo e; veio a ser confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de fevereiro de 2019 (artigo 3.º da petição inicial).
d) A decisão judicial identificada em b) e c), tem por provados os seguintes factos: 3.3.1.1 A autora é uma sociedade comercial que fabrica e vende artigos de ourivesaria. 3.3.1.2 A autora e o réu têm relações comerciais desde o início de 1996, comprando o réu artigos de ourivesaria para revenda. 3.3.1.3 A autora, no exercício da sua atividade, vendeu ao réu, comerciante em nome individual de artigos em ouro, os artigos constantes nas seguintes faturas: I) Fatura n.º ...0, emitida em 31-03-2016, com o valor de €15.557,63; II) Fatura n.º ...7, emitida em 22-06-2016, com o valor de € 6.471,79; III) Fatura n.º ...1, emitida em 17-08-2016, com o valor de €5.967,92; IV) Fatura n.º ...5, emitida em 02-09-2016, com o valor de €43.233,69; V) Fatura n.º ...2, emitida em 28-09-2016, com o valor de €9.476,27; VI) Fatura n.º ...9, emitida em 08-11-2016, com o valor de €7.615,08. 3.3.1.4 Autora e réu convencionaram um prazo máximo de 90 dias para o pagamento das faturas...... réu entregou à autora, por transferência bancária, quantias num total de €2.857,64, para abatimento no seu crédito, 3.3... autora emitiu ainda uma nota de crédito a favor do réu, em 05 de julho de 2016, no valor de €197,44, relativa a artigos constantes da fatura n.º ... Os réus foram casados sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo o respetivo casamento sido dissolvido, por motivo de divórcio, por decisão de 6 de outubro de 2016, transitada em julgado nessa mesma data. 3.3.1.8 Quando os réus eram casados, o réu auferia o seu salário e a ré prestava serviços de limpeza, auferindo também um salário. (artigo 4.º da petição inicial e; artigo 19.º da contestação apresentada pelos Réus AA e BB).
e) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... (...), sob o n.º ...17, o prédio urbano situado em ... (...), rua do ..., n.º …, com a área total de 820 m2, com a área coberta de 110 m2, com a área descoberta de 710 m2, composto por casa de ... e andar, com quintal e; inscrito à matriz sob o artigo ....9... (artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º e 34.º da contestação apresentada pelos Réus AA e BB)
f) O facto aquisitivo–partilha de herança–referente ao prédio identificado em e) encontra-se registado a favor da Ré AA, casada com CC, no regime de comunhão de bens adquiridos na constância do casamento sob a AP. ...3 de 2008/11/20, figurando como sujeitos passivos: DD e EE (artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º e 34.º da contestação apresentada pelos Réus AA e BB).
g) No dia 23 de abril de 2015, por escritura pública exarada pela Adjunta do Conservador FF, a Ré, AA, na qualidade de parte doadora, o Réu, BB, na qualidade de parte donatária e; o Réu, CC, na qualidade de parte autorizante, declararam que “doa ao segundo interveniente, seu filho, livre de quaisquer ónus ou encargos, o imóvel (….) Urbano. Destino: Habitação. Composição: casa de ... e andar com quintal, com a área coberta de cento e dez metros quadrados e descoberta de setecentos e dez metros quadrados; Situação: Rua do ..., n.º …, freguesia ... (...), concelho ...; Inscrição matricial atual da união das freguesias ... (...), ... e ...: artigo ….. (teve origem no artigo ....5 da extinta freguesia ... (...); Valor patrimonial: 40.992,03€ que é também atribuído; Situação registal: descrito na Conservatória do Registo Predial ... (...) (….);Que esta doação é feita por conta da quota disponível, com dispensa da colação; (….) Pelo segundo foi dito: Que aceita esta doação, nos termos exarados” (artigo 7.º da petição inicial; artigos 19.º e 24.º da contestação apresentada pelo Réu CC e; artigo 35.º da contestação apresentada pelos Réus AA
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