Acórdão nº 2751/21.7YRLSB-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-02-2022

Data de Julgamento08 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão2751/21.7YRLSB-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO


A e B, ambos de nacionalidade brasileira, vieram requerer a confirmação de sentença proferida a 6 de março de 2018 pela 2.ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional XI de Pinheiros do Estado de São Paulo, Brasil, que declarou a “união de facto” dos requerentes, vindo posteriormente a explicitar que o interesse desta ação seria dar entrada ao pedido de nacionalidade portuguesa da Requerente A, conforme requerimento de fls. 15 e ss..

Sendo os interessados os identificados como requerentes, não houve lugar ao cumprimento de contraditório.

Cumprido o disposto no Art. 982.º n.º 1 do C.P.C., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal deu parecer no sentido de que estão reunidos todos os requisitos legais para ser concedida revisão e confirmação de sentença estrangeira.
A questão, tal como suscitada e em face da manifesta discordância existente nos tribunais superiores, não poderá ser apreciada em decisão sumária liminar, ao abrigo das disposições conjugadas dos Art.s 656.º e 982.º n.º 2 do C.P.C., impondo-se assim que seja proferida decisão em coletivo.
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II–QUESTÕES A DECIDIR

As questões a decidir consistem não só na verificação dos requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da sentença estrangeira que constitui objeto da presente ação, mas também no interesse em agir e adequação deste processo tendo em conta a possibilidade da presente ação poder constituir meio processual para a obtenção da nacionalidade portuguesa, pela verificação do requisito previsto no Art. 3.º n.º 3 do Lei da Nacionalidade.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III–FACTUALIDADE PROVADA

Com interesse para a decisão da causa, mostram-se documentalmente provados os seguintes factos:
1-Consta da “certidão de nascimento” de B que nasceu a 29 de agosto de 1963, em São Paulo, Brasil, filho de Manuel ....., natural de Portugal, e de Margarida ....., também natural de Portugal (cfr. doc. de fls. 20).
2-Consta da “certidão de nascimento” de A que nasceu a 27 de junho de 1959, em São Paulo, Brasil, filha de Pedro ....., natural de São Paulo, e de Guimar ....., natural de Catanduva, do mesmo Estado (cfr. doc. de fls. 21).
3-Por sentença de 6 de março de 2018, proferida no processo n.º 1001182-44.2018.8.26.0011 de ação declaratória de união estável, pela 2.ª Vara da Família e Sucessões, Forro Regional XI – Pinheiros, Comarca de São Paulo, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e transitada em julgado em 3 de abril de 2018, foi decidido homologar, para que produza os seus efeitos jurídicos, o pedido formulado por A e B para o fim de declarar a união estável existente entre eles desde agosto de 1997 (cfr. doc. de fls. 29 a 32).

Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A presente ação visa a revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal brasileiro nos termos da qual se homologou o pedido dos Requerentes para ser declarado que vivem em união estável desde 1997, tendo em vista que a Requerente A consiga obter a nacionalidade portuguesa, o que pressupõe o preenchimento do requisito previsto no Art. 3.º n.º 3 da Lei da Nacionalidade.

Conforme se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2011 (Relator: Paulo Sá Proc. n.º 987/10.5YRLSB – esclarecendo-se que todos os acórdãos mencionados estão disponíveis em http://www.dgsi.pt): «O nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se basicamente no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal. O que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz a certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa. Ou seja, desde que o tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que proceda a um novo julgamento da causa».

Trata-se, pois, de uma ação de simples apreciação com processo especial, que tem por finalidade reconhecer efeitos jurídicos de decisões estrangeiras no nosso ordenamento nacional. O que pressupõe que o nosso ordenamento atribua à mesma situação jurídica declarada por autoridade estrangeira efeitos jurídicos relevantes, por mera decorrência do reconhecimento da sua existência.

Dito isto, importa estar ciente que não está em causa nestas ações de revisão e confirmação de sentença estrangeira a aplicação no nosso ordenamento jurídico de normas de direito estrangeiro, por força das normas de conflito de Direito Internacional Privado (v.g. Art.s 14.º a 65.º do C.C.). Pelo que, o estatuto pessoal decorrente da “união estável” reconhecida pelo direito brasileiro, nomeadamente para efeitos sucessórios ou familiares, não depende de processo de revisão de sentença estrangeira, pois eles resultam da aplicação a cada caso das normas de conflitos previstas, nomeadamente nos Art.s 25.º, 31.º n.º 1 ou 62.º do C.C., confrontadas com as correspondentes normas do direito brasileiro.

Reconhecidamente a lei brasileira atribui à “união estável” um conjunto de efeitos jurídicos que vão muito para lá do que é estabelecido na realidade nacional. A este propósito, realçamos o Código Civil brasileiro, aprovado pela Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, refere-se em diversos preceitos legais a esta figura, dedicando-lhe especificamente alguns artigos no Livro IV do Direito de Família, a saber:
Art. 1.723.º: «É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável».
Art. 1.724.º: «As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos».
Art. 1.725.º: «Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens».
Art. 1.726.º: «A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registo Civil».
Art. 1.727.º: «As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato».

No entanto, como já evidenciámos, não são estes efeitos os que estão em causa numa ação de revisão e confirmação de sentença estrangeira. O que releva nestas ações são os efeitos jurídicos que as partes pretendem obter na nossa ordem jurídica pelo reconhecimento da própria situação jurídica de “união estável”, que só pode ser equiparada no direito português, pela sua intuitiva semelhança, à situação jurídica da “união de facto”.

Ora, a nossa lei não atribui à “união de facto” relevância jurídica para a constituição de relações de família ou para efeitos sucessórios.

A “união de facto” tem relevância no nosso ordenamento jurídico, mas essencialmente como “mera situação de facto”, suscetível de prova e função de cada instituto jurídico para o qual a mesma assume específica relevância efetiva.

Não existe em Portugal um estado civil para o “unido de facto”, não podendo invocar-se essa situação como “impedimento matrimonial” (v.g. Art.s 1600.º e ss. do C.C.), nem sequer como impedimento para a constituição doutras uniões de facto. A admitir-se semelhante efeito tal constituiria um limite inaceitável ao direito constitucional de constituir família, sob a tutela do Estado (Art. 67.º da C.R.P.) e, bem assim, ao reverso da mesma medalha, que integra o “direito de não querer constituir família”.

Em todo o caso, como referido, existem situações em que a união de facto assume relevância, não propriamente como “estado”, mas como “situação de facto” a que são atribuídos certos efeitos jurídicos. Sucede que, essas situações não podem estar
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