Acórdão nº 2751/16.9T9PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-12-2022
Data de Julgamento | 14 Dezembro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 2751/16.9T9PRT.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo n.º: 2751/16.9T9PRT.P1
Origem: Juízo de Instrução Criminal do Porto (Juiz 3)
Recorrente: AA (assistente)
Referência do documento: 16397153
I
1. O presente recurso vem interposto de decisão instrutória proferida no Juízo de Instrução Criminal do Porto (Juiz 3) que, após a competente instrução – requerida pela arguida, aqui recorrida, no tocante aos factos por que foi, findo o inquérito, acusada pelo Ministério Público (e também pela assistente e ora recorrente, quanto à qualificação jurídica sugerida no libelo acusatório público para os factos imputados à arguida, por requerimento que o Tribunal recorrido, no entanto, a seu tempo rejeitou liminarmente) –, concluiu pela não pronúncia da arguida pelos factos em causa nos autos.
2. Inconformada com o assim decidido, pugna a assistente, neste recurso, por que seja a «arguida PRONUNCIADA pelo crime de homicídio por negligência, p. e p. nos precisos termos da douta acusação pública».
3. Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida, que se reproduz verbatim (ignoraram-se as notas de rodapé):
«O tribunal é competente.
O Ministério Publico tem legitimidade para acusar.
Questão prévia:
Vem a arguida requerer que o tribunal considere a intervenção hierárquica datada de 07.06.2020 (fls 340 a 345, e que recaiu sobre o despacho de arquivamento de fls 328, revogando-o e ordenado o prosseguimento do inquérito, inválida, deve a mesma ser reconhecida e declarada, dando-se sem «efeito o processado posterior, incluindo a acusação formulada em 06.04.2021.
O Ministério Público pronunciou-se no debate judicial no sentido da verificação da irregularidade alegada, mas que a mesma se encontra sanada, como se refere a fls. 390, e de que não resulta para a arguida situação em que esteja em causa os seus direitos à defesa, como se colhe pelo RAI apresentado. O que não deixa de ser estranho é que não existiu por parte dos serviços do DIAP, notificações do despacho de arquivamento, e das intervenções da Sra Procuradora Dirigente.
Concordamos com a posição assumida pelo Sr.º Procurador .
A apontada irregularidade existiu, sendo que a arguida através do requerimento datado de 9/12/2020, ( fls 382 a 383vº) a veio arguir.
A 15/12/2020 ( fls 390/391) foi proferido despacho que decidiu sobre a mesma.
Tal despacho, não foi efetivamente notificado à arguida, sendo certo que a arguida podia e devia ter sido notificada do mesmo aquando do seu interrogatório não judicial, o qual teve lugar no dia 18/12/2020.
No entanto decorre dos autos que a mesma tomou conhecimento do despacho pelo menos no dia em que foi notificada da acusação e ou do dia em que o processo foi confiado ao seu mandatário- dia 29- 04-2021.
Assim, teria o mesmo três dias para invocar qualquer irregularidade sobre não notificação do referido despacho, o que não fez- art.º 123º, do CPP.
Em 17.05.2021 (data da entrada do RAI) já há muito se encontrava ultrapassado o prazo para arguir tal irregularidade, motivo pelo qual a considero sanada.
Procedeu-se à reinquirição da testemunha CC [...], médica que atendeu a assistente no dia 18 de agosto aquando da entrada da mesma na urgência do Hospital de [...].
A arguida prestou declarações na instrução.
Após a conclusão de todas as diligências probatórias deferidas e não se reputando a existência de quaisquer outras úteis ou necessárias à decisão a proferir, realizou-se o debate instrutório, com observância do legal formalismo.
A lei processual considera “suficientes” os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança -.Cfr.artº 283º nº2 do C.P.P.
Na instrução, o juiz não julga a causa, verifica se se justifica que, com as provas recolhidas no inquérito e na instrução, o arguido seja submetido a julgamento.
A dedução de acusação findo o inquérito, como o despacho de pronúncia no caso de ter havido lugar a instrução, supõem a existência no processo de indícios suficientes de que se tenha verificado crime e de quem foi o seu agente - artigos 283.º, n.º 1 e 308.º, n.º 1, do CPP.
O artigo 283.º, n.º 2, do citado diploma, formata normativamente o conceito de “indícios suficientes”: “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Esta fórmula legal acolhe a noção, sucessivamente densificada pela doutrina e pela jurisprudência, de “indícios suficientes”.
Em formulação doutrinalmente bem definida, «os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”.
“Afirmar a suficiência dos indícios deve pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação. Não logrando atingir essa convicção, o Ministério Público deve arquivar o inquérito e o juiz de instrução deve lavrar despacho de não pronúncia”.
Traçando o limite de distinção entre o juízo de probabilidade e o juízo de certeza processualmente relevante, acrescenta o referido autor: “o que distingue fundamentalmente o juízo de probabilidade do juízo de certeza é a confiança que nele podemos depositar e não o grau de exigência que nele está pressuposta. O juízo de probabilidade não dispensa o juízo de certeza porque, para condenar uma pessoa, o conceito de justiça num Estado de direito exige que a convicção se forme com base na produção concentrada das provas numa audiência, com respeito pelos princípios da publicidade, do contraditório, da oralidade da imediação. Garantias essas que não é possível satisfazer no fim da fase preparatória”.
Quer isto dizer que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia).
A jurisprudência, por seu lado, afinou a compreensão do conceito através da definição e enunciação de elementos de integração que se podem hoje rever na noção legal.
Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado.
O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade.
O despacho de pronúncia, como também a acusação, dependem, pois, da existência de prova indiciária, de prima facie, de primeira mas razoável aparência, quanto à verificação dos factos que constituam crime e de que alguém é responsável por esses factos.
Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação.
Cumpre agora analisar a prova produzida em sede de inquérito e de instrução:
A assistente AA [...] inquirida a fls 106 e 107 confirmou na integra o teor da participação que apresentou (fls. 11 a 57).
A testemunha DD [...]s, casado com a denunciante e pai do bebé falecido, inqurido a fls 112 a 114, confirmou as informações constantes da participação de fls. 11 a 57. Referiu, ainda, ter tido conhecimento da gravidez da sua mulher em dezembro de 2014 e, após pesquisa realizada por esta, passaram a ser acompanhados pela sociedade “[...], Lda.”, na pessoa da denunciada BB [...].
Acrescentou que, sempre teve muitas dúvidas sobre o parto natural e, em concreto, o parto na água, tendo manifestado essa inquietude junto da denunciada, a qual sempre lhe respondeu que, apesar de ser um...
Origem: Juízo de Instrução Criminal do Porto (Juiz 3)
Recorrente: AA (assistente)
Referência do documento: 16397153
I
1. O presente recurso vem interposto de decisão instrutória proferida no Juízo de Instrução Criminal do Porto (Juiz 3) que, após a competente instrução – requerida pela arguida, aqui recorrida, no tocante aos factos por que foi, findo o inquérito, acusada pelo Ministério Público (e também pela assistente e ora recorrente, quanto à qualificação jurídica sugerida no libelo acusatório público para os factos imputados à arguida, por requerimento que o Tribunal recorrido, no entanto, a seu tempo rejeitou liminarmente) –, concluiu pela não pronúncia da arguida pelos factos em causa nos autos.
2. Inconformada com o assim decidido, pugna a assistente, neste recurso, por que seja a «arguida PRONUNCIADA pelo crime de homicídio por negligência, p. e p. nos precisos termos da douta acusação pública».
3. Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida, que se reproduz verbatim (ignoraram-se as notas de rodapé):
«O tribunal é competente.
O Ministério Publico tem legitimidade para acusar.
Questão prévia:
Vem a arguida requerer que o tribunal considere a intervenção hierárquica datada de 07.06.2020 (fls 340 a 345, e que recaiu sobre o despacho de arquivamento de fls 328, revogando-o e ordenado o prosseguimento do inquérito, inválida, deve a mesma ser reconhecida e declarada, dando-se sem «efeito o processado posterior, incluindo a acusação formulada em 06.04.2021.
O Ministério Público pronunciou-se no debate judicial no sentido da verificação da irregularidade alegada, mas que a mesma se encontra sanada, como se refere a fls. 390, e de que não resulta para a arguida situação em que esteja em causa os seus direitos à defesa, como se colhe pelo RAI apresentado. O que não deixa de ser estranho é que não existiu por parte dos serviços do DIAP, notificações do despacho de arquivamento, e das intervenções da Sra Procuradora Dirigente.
Concordamos com a posição assumida pelo Sr.º Procurador .
A apontada irregularidade existiu, sendo que a arguida através do requerimento datado de 9/12/2020, ( fls 382 a 383vº) a veio arguir.
A 15/12/2020 ( fls 390/391) foi proferido despacho que decidiu sobre a mesma.
Tal despacho, não foi efetivamente notificado à arguida, sendo certo que a arguida podia e devia ter sido notificada do mesmo aquando do seu interrogatório não judicial, o qual teve lugar no dia 18/12/2020.
No entanto decorre dos autos que a mesma tomou conhecimento do despacho pelo menos no dia em que foi notificada da acusação e ou do dia em que o processo foi confiado ao seu mandatário- dia 29- 04-2021.
Assim, teria o mesmo três dias para invocar qualquer irregularidade sobre não notificação do referido despacho, o que não fez- art.º 123º, do CPP.
Em 17.05.2021 (data da entrada do RAI) já há muito se encontrava ultrapassado o prazo para arguir tal irregularidade, motivo pelo qual a considero sanada.
*
Não existem questões previas ou incidentais susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.*
Inconformada com o despacho de acusação do Ministério Público que lhe imputa a autoria material de um crime de homicídio negligente p.p. pelo artº137º., nºs 1 e 2 do Cod. Penal , a BB [...] veio pelo requerimento de abertura de instrução de fls 538 a 557 que aqui reproduzimos requerer a abertura de instrução, alegando, no que de mais relevante interessa que a morte do feto ocorreu antes do inicio de trabalho de parto; que os pareceres de consulta técnica que serviram de base à acusação, forma elaborados tendo como base factos e ocorrências incorretas, e que a prova recolhida não aponta para que a arguida tenha tido uma conduta omissiva que foi causa da morte do feto.Procedeu-se à reinquirição da testemunha CC [...], médica que atendeu a assistente no dia 18 de agosto aquando da entrada da mesma na urgência do Hospital de [...].
A arguida prestou declarações na instrução.
Após a conclusão de todas as diligências probatórias deferidas e não se reputando a existência de quaisquer outras úteis ou necessárias à decisão a proferir, realizou-se o debate instrutório, com observância do legal formalismo.
*
De acordo com o disposto no artº 308º do C.P.P. chegou o momento de analisar o processo e verificar se foram recolhidos indícios suficientes que apontem para uma possibilidade razoável de a arguida, em sede de julgamento, ser condenada pelo crime que lhe é imputado.A lei processual considera “suficientes” os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança -.Cfr.artº 283º nº2 do C.P.P.
Na instrução, o juiz não julga a causa, verifica se se justifica que, com as provas recolhidas no inquérito e na instrução, o arguido seja submetido a julgamento.
A dedução de acusação findo o inquérito, como o despacho de pronúncia no caso de ter havido lugar a instrução, supõem a existência no processo de indícios suficientes de que se tenha verificado crime e de quem foi o seu agente - artigos 283.º, n.º 1 e 308.º, n.º 1, do CPP.
O artigo 283.º, n.º 2, do citado diploma, formata normativamente o conceito de “indícios suficientes”: “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Esta fórmula legal acolhe a noção, sucessivamente densificada pela doutrina e pela jurisprudência, de “indícios suficientes”.
Em formulação doutrinalmente bem definida, «os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”.
“Afirmar a suficiência dos indícios deve pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação. Não logrando atingir essa convicção, o Ministério Público deve arquivar o inquérito e o juiz de instrução deve lavrar despacho de não pronúncia”.
Traçando o limite de distinção entre o juízo de probabilidade e o juízo de certeza processualmente relevante, acrescenta o referido autor: “o que distingue fundamentalmente o juízo de probabilidade do juízo de certeza é a confiança que nele podemos depositar e não o grau de exigência que nele está pressuposta. O juízo de probabilidade não dispensa o juízo de certeza porque, para condenar uma pessoa, o conceito de justiça num Estado de direito exige que a convicção se forme com base na produção concentrada das provas numa audiência, com respeito pelos princípios da publicidade, do contraditório, da oralidade da imediação. Garantias essas que não é possível satisfazer no fim da fase preparatória”.
Quer isto dizer que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia).
A jurisprudência, por seu lado, afinou a compreensão do conceito através da definição e enunciação de elementos de integração que se podem hoje rever na noção legal.
Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado.
O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade.
O despacho de pronúncia, como também a acusação, dependem, pois, da existência de prova indiciária, de prima facie, de primeira mas razoável aparência, quanto à verificação dos factos que constituam crime e de que alguém é responsável por esses factos.
Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação.
Cumpre agora analisar a prova produzida em sede de inquérito e de instrução:
A assistente AA [...] inquirida a fls 106 e 107 confirmou na integra o teor da participação que apresentou (fls. 11 a 57).
A testemunha DD [...]s, casado com a denunciante e pai do bebé falecido, inqurido a fls 112 a 114, confirmou as informações constantes da participação de fls. 11 a 57. Referiu, ainda, ter tido conhecimento da gravidez da sua mulher em dezembro de 2014 e, após pesquisa realizada por esta, passaram a ser acompanhados pela sociedade “[...], Lda.”, na pessoa da denunciada BB [...].
Acrescentou que, sempre teve muitas dúvidas sobre o parto natural e, em concreto, o parto na água, tendo manifestado essa inquietude junto da denunciada, a qual sempre lhe respondeu que, apesar de ser um...
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