Acórdão nº 275/21.1PQLSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 03-05-2022

Data de Julgamento03 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão275/21.1PQLSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I–Relatório


O arguido T. , (…) foi julgado no processo sumário nº 275/21.1PQLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 2, tendo sido condenado, por sentença datada de 03.01.2022, pela prática, em 17.12.2021, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal e à tabela I-C anexa ao diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Mais foi decidido, suspender a execução de tal pena de prisão pelo igual período, acompanhada de um regime de prova, assente num plano de reinserção social, a elaborar pelos serviços de reinserção social, devendo ainda impender sobre o arguido a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social.

Inconformado, veio o arguido interpor recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1–Por sentença proferida em 3 de Janeiro último foi o Arguido condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo Artigo 25º, do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova.
2–Porém, no caso em apreço nos autos, inexiste prova inequívoca de que o Recorrente tenha praticado o crime supra mencionado.
3–O Recorrente prestou declarações no sentido de que o estupefaciente que trazia com ele se destinava única e exclusivamente a consumo próprio.
4–Os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela acusação, JC , Agente da P.S.P. e ES, amigo do Recorrente são consentâneos com as declarações prestadas pelo Recorrente, na medida em que nenhum deles as contradiz.
5–Nos termos do disposto no Artigo 379º, N.º 1, Alínea a), do Código de Processo Penal, é nula a Sentença que viole o dever de fundamentação imposto pelo Artigo 205º, N.º 1, da Constituição e, especificamente regulado pelo Artigo 374º, N.º 2, do Código de Processo Penal, o que inclui o dever de o Tribunal “a quo” apreciar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção.
6–A apreciação crítica da prova consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o Tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida.
7–Esta exposição, ainda que concisa deve permitir compreender o motivo pelo qual o Tribunal julgou suficientes os meios de prova que suportam a decisão.
8–Necessário é que a apreciação crítica das provas expresse uma decisão ponderada, não arbitrária, compreensível pela generalidade dos cidadãos e, também para o Tribunal de recurso, face à prova produzida e às regras da lógica e experiência, que enformam e limitam o princípio da livre apreciação da prova.
9–Ora, no caso em apreço nos presentes autos a Senhora Juiz, extravasando o princípio da livre apreciação da prova considerou provados todos os factos constantes da acusação, fundamentando a decisão no facto de que, em suma, todos os Arguidos, menos avisados que o Recorrente, quando instados pelo Tribunal, referem que o estupefaciente que trazem com eles se destina não só ao seu consumo, mas também a ser partilhado com amigos, ainda que não seja em troca de contrapartida económica.
10–Fundamentar uma condenação por tráfico de menor gravidade e não por tráfico para consumo, apenas naquilo que é comum verificar-se nos Tribunais e não dar credibilidade às declarações tendo por base o facto de o Recorrente, passe a expressão “estar bem ensinado”, extravasa largamente o princípio da livre apreciação da prova.
11–Assim, no que concerne à fundamentação de facto contida na sentença, há que referir que há absoluta falta de explicitação dos factos que levaram a imputar ao Recorrente a prática de um crime de tráfico de menor gravidade.
12–O que consta da fundamentação da aquisição probatória é que o Arguido refere que o estupefaciente que detinha se destinava apenas ao seu consumo mas, atento o facto de, passe a expressão “estar bem ensinado” o Tribunal concluiu que tal declaração não correspondia à verdade e que o estupefaciente se destinava a ser partilhado com amigos.
13–Conforme supra demonstrado há desrespeito pelas regras da experiência e inexistência, na decisão que se impugna, de um juízo probatório assente num raciocínio lógico.
14–Já que, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e da prova documental junta aos autos, não resulta demonstrado que o haxixe apreendido não se destinava apenas ao consumo do Recorrente.
15–Pelo que se requer a revogação da sentença recorrida sendo a mesma substituída por acordão desse Tribunal Superior que determine a absolvição do Recorrente da prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pelo qual foi condenado.

Normas violadas:
Artigo 25º, do Decreto–Lei 15/93, de 22 de Janeiro;
Artigos 127º, 374º e 379º, todos do Código de Processo Penal e,
Artigo 205º, da Constituição.
Termos em que requer a V. Exas , que conhecendo do presente Recurso venham a conceder-lhe provimento.”
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O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.

O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e formulando as seguintes conclusões:
1-Nos presentes autos foi o arguido condenado pela prática, em 17/12/2021, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a este diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, acompanhada de um regime de prova assente num plano de reinserção social, a elaborar pelos serviços de reinserção social, devendo ainda impender sobre o arguido a obrigação de responder todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social.
2-Não se conformando com a referida decisão, dela veio o arguido interpor recurso alegando, em suma, que da prova produzida em julgamento não resulta demonstrado que o produto estupefaciente apreendido não se destinava apenas ao consumo do Recorrente, pelo que deve o arguido ser absolvido da prática do crime de tráfico de estupefacientes.
3-Para um arguido poder, com a sua conduta, preencher a incriminação prevista no artigo 40.º do Decreto-lei nº15/93 é necessário que este destine o produto exclusivamente ao seu consumo, qualquer outro fim, embora apenas para uma parte do estupefaciente, implica a exclusão de aplicação daquele dispositivo.
4-Nesse mesmo sentido, veja-se o Ac. do TRL datado de 07-02-2012 e proferido nos autos nº 1422/08.4PBOER.L1-5 e o Ac. do TRL datado de 07-12-2011 proferido nos autos nº 5/11.6GACLD-A.L1-3, ambos em www.dgsi.pt.
5-Com efeito, o diploma referente ao consumo e trafico de estupefaciente está alicerçado na ideia que a circulação de estupefaciente é em si mesma um perigo que deve ser combatida atendendo às nefastas consequências que o simples consumo do mesmo desencadeia. Assim, o objectivo é impedir a propagação, circulação e acessibilidade daquelas substâncias.
6-Assim, apenas quando o arguido não difunda, por qualquer meio, não possibilite ou facilite o acesso, por seu intermédio ou com o seu auxílio, de terceiro a estupefaciente nem tenha, à partida, qualquer intenção de o fazer é que pode beneficiar desse regime mais benevolente uma vez que, nesse caso, limita o risco que a detenção de estupefaciente implica e apenas a si se próprio põe em risco.
7-Na subsunção jurídica dos factos dados como provados, concluiu a Mma. Juiz a quo que os mesmos integravam a prática do crime de tráfico de estupefacientes.
8-E fê-lo fundamentando nos meios de prova produzidos, analisados à luz das regras da experiência comum, num raciocínio claro sobre a formação da sua convicção.
9-Não merece qualquer censura o julgamento da matéria de facto efectuado na decisão recorrida, atendendo tanto mais à sua posição privilegiada decorrente dos princípios da oralidade e imediação
10-Considerando o material probatório existente, os juízos de racionalidade, experiência e lógica traçados na motivação são plenamente acertados e compatíveis com aqueles que um juiz normal faria.
11-Não se verifica, pois, o invocado erro notório na apreciação da prova – artigo 410º, nº 2, c) do C.P.P.
12-Assim, tendo em conta os argumentos supra expostos, deverá ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão recorrida.”
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Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso, manifestando a sua adesão à posição expressa pelo Ministério Público na 1ª instância.
Notificado em conformidade com o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II–QUESTÕES A DECIDIR

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e
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