Acórdão nº 275/19.1T8VLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-05-2023

Data de Julgamento08 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão275/19.1T8VLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 275/19.1T8VLG.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
……………………………………
……………………………………
……………………………………
*

Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO
AUTORA: AA, viúva, com domicílio na Rua ..., ... ....
RÉS: BB, com domicílio na Rua ..., ... ...
CC, com domicílio na Rua ..., ... ..., por si e como representantes da herança aberta por óbito de DD.

Por via da presente ação declarativa, pretende a A. ver declarada a sua propriedade sobre um prédio rústico de cultura, sito em Valongo, declarando-se, ainda, a inexistência de servidão de passagem de pessoas, veículos automóveis, veículos de tração animal, tratores mecânicos e demais máquinas agrícolas a favor do prédio rústico das Rés, contíguo àquele, a poente.
Mais pretende a condenação das Rés a respeitarem o direito de propriedade plena da A. sobre o seu prédio e a absterem-se da prática de quaisquer atos que afetem ou diminuam esse mesmo direito, bem como a ficarem impedidas de aceder ao seu prédio através do imóvel da A.
Subsidiariamente, para o caso da demonstração da existência de servidão de passagem pelo prédio da A. a favor do prédio das Rés, a extinção daquela por desnecessidade.
Alegou aquisição derivada e originária do seu prédio e a existência contígua do prédio das Rés, este com confrontação com a via pública. Afirma que, recentemente, têm as Rés vindo a aceder ao seu terreno, passando com tratores agrícolas pelo da A., contra a vontade desta, inexistindo qualquer servidão e gozando o seu prédio de comunicação com a estrada nacional.

Contestaram as Rés afirmando confrontar o seu prédio com o da A., do lado sul, existindo uma passagem que se inicia do lado nascente do prédio desta até atingir o das Rés, através da qual o acesso ao prédio das Rés sempre foi efetuado, à vista de todos, há mais de cinquenta anos, não sendo possível a ele aceder, nomeadamente com tratores, a partir da via pública, uma vez que se acha elevado de quase dois metros relativamente à estrada, razão pela qual formulam pedido reconvencional, com vista à condenação da reconvinda a reconhecê-las como donas do seu prédio, sendo judicialmente declarado que a servidão de passagem já se encontra constituída (por usucapião), onerando o prédio da A., sendo esta condenada a reconhecer esse direito e a não impedir a passagem pela servidão.

A A. apresentou réplica, opondo-se à procedência do pedido reconvencional, pugnando pela extinção da servidão e assumindo os custos de construção do acesso do prédio das Rés à EN ...04.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 4.1.2022, a qual terminou com o seguinte dispositivo:
(…) julgar a ação parcialmente procedente por provada e a contestação/reconvenção parcialmente procedente por provada e, consequentemente:
I – Declara que a autora é proprietária do prédio identificado em 1 dos factos provados e condena as rés a assim reconhecer;
II – Absolve as rés do demais peticionado pela autora;
III – Condena a autora reconvinda a reconhecer que as rés reconvintes, herdeiras de DD, são donas e legítimas possuidoras do prédio identificado em 6 dos factos provados;
IV – Reconhece o direito de servidão de passagem sobre a faixa de terreno descrita em 10 dos factos provados, constituída por usucapião, a favor do prédio identificado em 6 e a onerar o prédio identificado em 1 dos factos provados;
V – Condena a autora reconvinda a reconhecer esse direito e a não impedir a passagem.

Foram aí dados como provados os seguintes factos:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o nº ...22, da freguesia ..., o prédio rústico, rústico de cultura, denominado “Campo ...”, sito em ..., da União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial nº ...61, que teve origem no artigo ...80.
2. Pela Ap. ...6 de 1998/04/01, foi registada a aquisição por doação do prédio a favor da autora, casada sob o regime da comunhão de adquiridos.
3. A autora, por si e pelos seus antecessores, já há mais de 30 anos que vem cultivando o prédio rústico descrito, lavrando e semeando nele milho, centeio, erva, batatas, couves, e colhendo os frutos ali produzidos.
4. Entre os anos 2006 e 2010, a autora cedeu o gozo temporário do prédio a terceiro, que o destinou a parqueamento automóvel.
5. A autora pratica estes atos sem interrupção, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sendo reconhecida por todos como dona do aludido prédio rústico, sem lesar outrem.
6. O prédio aludido em 1 confronta, pelo seu lado sul com o prédio rústico, sito em ..., da União das Freguesias ... e ..., concelho de Valongo, composto de terreno de cultura e vinha em ramada, com área de 700,00 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...63º da indicada União das Freguesias ... e ....
7. A rés, na qualidade de herdeiras da herança aberta por óbito de DD, falecida no dia 25/10/1992, por si e antecessores, há mais de 30 anos, que vêm amanhando, cultivando, lavrando e adubando, assim como plantando, fresando, sulfatando, podando e limpando as árvores e videiras e destas colhendo os respetivos frutos do prédio identificado em 6.
8. Tais atos foram praticados perante toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio e de a ninguém lesarem.
9. Para se deslocarem para o prédio aludido em 6, as rés e os seus antecessores, levando consigo carros de animais, máquinas agrícolas e tratores, entram e saem, sempre que necessário, por forma explorá-lo e a praticar os atos atrás referidos, através do prédio identificado em 1;
10. Por uma faixa de terreno, que se inicia do lado nascente do prédio identificado em 1, onde existe uma entrada com a largura de 4,45 metros, junto à estrada nacional, com a qual confronta, depois flete para sul e prossegue em rampa, ocupando uma área de cerca de 23 m2, até atingir o prédio identificado em 6, onde há uma abertura no meio do muro que separa os dois prédios, com a largura de 2,30 metros.
11. O acesso ao prédio identificado em 6 sempre foi feito através do prédio identificado em 1, sempre que necessário, à vista de todos, sem oposição de ninguém, permanente e reiteradamente e na convicção do exercício dum direito próprio e sem prejuízo para terceiros.
12. Sem a passagem, não seria possível às rés e seus antecessores usufruir das utilidades que o mesmo lhes proporciona.
13. O prédio identificado em 6 não tem qualquer acesso direto à via pública que lhe permita o trânsito de pessoas, carros de tração animal e mecânica, nomeadamente tratores.
14. Existe um desnível entre 1,50 a 1,10 metros desde a estrada até ao prédio identificado em 6.
15. Há mais de 30 anos que esse caminho vem sendo usado para passar, a pé, com carro de tração animal, trator e máquinas agrícolas, entre a via pública e o prédio identificado em 6, que é explorado para fins agrícolas – vinha, erva para os animais.
16. Ao longo desses mais de 30 anos, o leito do caminho esteve visível, no prédio identificado em 1.
17. E desde há mais de 30 anos, existe uma abertura no muro que separa os dois prédios, por onde os carros de tração animal, alfaias agrícolas, tratores e pessoas sempre entraram no prédio identificado em 6.
18. E no prédio identificado em 1, foi mantida a abertura do lado nascente, junto à estrada nacional, por onde rés acedem ao identificado em 6.
19. Durante os anos em que, no prédio identificado em 1, estiveram aparcados veículos automóveis, o caminho sempre esteve demarcado e desimpedido, permitindo o livre acesso ao prédio identificado em 6.
20. E não existe outra forma de a ele aceder, que não seja pelo prédio identificado em 1.
21. Em finais de julho de 2017, a autora colocou uma pedra na entrada do acesso ao caminho, assim tentando tornar impossível o acesso das rés ao identificado em 6, o que não conseguiu porque, com a ajuda de um empilhador, a 2ª Ré acabou por removê-la.
22. As rés têm necessidade de entrar e sair do prédio identificado em 6, utilizando a passagem, para preparar, lavrar, fresar, cultivar, limpar e adubar o terreno, bem como podar, sulfatar e tratar as videiras e oliveiras, e colher os seus frutos e tudo o que lá se cultiva, sob pena de se perder toda a produção.
23. Para a execução das tarefas descritas no número anterior é necessária a utilização de tratores e demais alfaias agrícolas, bem como o acesso pedonal.
24. Exceto no período compreendido entre 2006 e 2010, a autora reconvinda desde sempre, cultivou e semeou o prédio aludido em 1, nomeadamente, com erva e colhendo os frutos ali produzidos.
25. No prédio identificado em 6 não existem caminhos ou trilhos em terra batida ou calcada, reveladores de trânsito de pessoas, animais, veículos automóveis, tratores mecânicos e demais máquinas agrícolas.
26. O prédio identificado em 6, do lado nascente, confronta com a estrada nacional (Rua ...), numa extensão de cerca de 41 metros.
27. É possível realizar uma escavação para construir um acesso ao prédio identificado em 6, a partir da via pública, Rua ..., com um custo estimado de €3.714,75.

Foram considerados não provados os factos seguintes:
1. O prédio descrito em 6 dos factos provados não tem, nem nunca teve, qualquer passagem pelo prédio identificado em 1.
2. O acesso ao mesmo também não se faz, nem nunca se fez, através do descrito em 1.
3. Desde há cerca de 2 anos, a ré tem invadido o prédio identificado em 1, passando com tratores para o identificado em 6, sem consentimento da autora.
4. A passagem sobre o prédio identificado em 1 tem o comprimento de 4,40 metros, no lado nascente (lado esquerdo), e 9,40 metros, no seu lado poente (lado direito).
5. A entrada nascente no prédio identificado em 1 tem como única e exclusiva razão de ser, possibilitar o acesso ao prédio
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT