Acórdão nº 2747/20.6T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-27

Ano2023
Número Acordão2747/20.6T8VIS.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU)


Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunta: Teresa Albuquerque
2ª Adjunta: Cristina Neves


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
O Condomínio do Prédio sito na Estrada ..., ..., ..., propôs, no Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., contra O..., Lda., e M..., Lda., acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação solidária das últimas:
I. A demolir, a suas expensas, as obras/aiterações descritas no artigo 4. ° da petição iniciai - instalação de uma porta de fole na fachada principal do edifício; instalação e fixação um monta-cargas na estrutura do edifício; eliminação de parte da ventilação do piso - 1; alteração das canalizações da rede de esgotos do prédio; instalação e fixação de fios e tubagem nos tectos das garagens do edifício - repondo ainda a respectivas partes comuns do edifício no estado em que se encontravam em momento anterior à conduta ilícita tomada pelas mesmas, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da presente acção;
II. No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na referida demolição e reconstituição do status quo ante, cujo montante não deverá ser inferior a € 30,00, por dia.
Fundamentou estas pretensões no facto de as rés - a primeira das quais é proprietária das fracções B, D e E e, a segunda da fracção C, do edifício - terem procedido àquelas obras nas partes comuns, em consequência das quais a fachada exterior, a laje e o tecto das garagens se encontram danificadas, obras que prejudicam a linha arquitéctónica e o arranjo estético do edifício e que ocorreram sem o prévio consentimento dos condóminos e sem licença camarária.
Após vicissitudes processuais várias, por despacho de 7 de Março de 2022, deu-se por não escrito o articulado da ré de 30-10-2020 na parte relativa à contestação stricto sensu e consideraram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Finalmente, por sentença de 17 de Janeiro de 2023, depois de se considerar provados os factos por confissão, condenou-se as rés a demolir, a suas expensas, as obras/aterações melhor descritas no ponto 5° dos factos provados e, após, a repor as respetivas partes comuns do edifício no estado em que se encontravam no momento anterior àquelas mesmas obras, tudo no prazo de 15 (quinze) dias após o trânsito em julgado da presente sentença.
É esta decisão que as demandadas impugnam no recurso - no qual pedem a sua revogação e substituição por outra conforme de direito - tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:
I. Consideram as recorrentes que houve factos incorrectamente julgados.
II. Desde logo, o facto provado 3) “A 2.9 R. é proprietária da fracção “C” do identificado condomínio [...]”.
III. Nos termos conjugados dos artigos 567.° e 568.° CPC, não se consideram confessados os factos - por efeito da revelia - quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
IV. Encontra-se junta aos autos a descrição predial da dita “fracção C”, da qual resulta claro que a respectiva proprietária é a 1.9 R., e não a 2.9.
V. Documento este que, apesar de constar dos autos, não foi tido em consideração pelo tribunal recorrido.
VI. Sendo que, ainda que tal documento não constasse dos autos, trata-se de facto cuja prova exige documento escrito, nos termos do art.° 364.° do CC.
VII. Pelo que o facto provado 3) deverá ser dado como não provado.
VIII. Face à existência de documentos carreados para os autos, importa aferir se da sua análise, por confronto com os factos alegados pelo A., poderão resultar afirmações inverosímeis que o julgador não pode aceitar passivamente em prejuízo da verdade material.
IX. No que concerne ao facto provado em 5) da sentença recorrida:
Em data não concretamente apurada, mas entre o ano de 2013 e 2015, as RR., que têm o mesmo representante legal, procederam às seguintes obras/alterações nas partes comuns do prédio aqui:
- [...]
- Instalaram e fixaram um monta-cargas na estrutura do edifício;
- [...]
Em conjugação com o facto provado em 9):
A acrescer, as vibrações emanadas pelo monta-cargas colocam em causa a segurança da estrutura do prédio, fazendo-se sentir também no interior de diversas fracções.
X. Juntamente com a contestação dada por não escrita, foi apresentado o doc. n.° 5, referente a denúncia dos condóminos junto do Município ... quanto a ‘irregularidades' existentes no edifício [denúncia a que se refere o facto provado 12)].
Pode ler-se no ponto 2. do dito documento emitido pela Câmara Municipal ... e assinado pela técnica superior AA, em suma, que efectivamente existiu um monta-cargas fixado à estrutura do prédio (lajes e paredes exteriores) que, quando em funcionamento, provocava vibrações anormais na estrutura do mesmo, a qual funcionava como “caixa de ressonância” - tendo sido fixado pela Câmara Municipal ... o prazo de 45 dias para eliminação de tais vicissitudes.
Mais adiante lê-se o seguinte:
“Em nova deslocação efectuada ao local no dia 22-05-2019, foi constatado que o monta-cargas, que se encontrava fixo à estrutura do prédio, foi desligado da mesma, encontrando-se apenas apoiado no pavimento.”
XI. Ou seja, o monta-cargas foi retirado da estrutura do edifício desde pelo menos 22-05-2019, encontrando-se desde aí apoiado apenas no chão e não em quaisquer partes ou estrutura comuns, razão pela qual desde aí cessaram as vibrações anormais no edifício.
XII. Desta sorte, não se poderá dar como provado, como ocorre no facto provado em 9), que o monta-cargas com as suas vibrações [na estrutura do imóvel] coloca em causa a segurança da estrutura do prédio, fazendo-se sentir também no interior de diversas fracções.
XIII. Pelo que o facto provado 9) A acrescer, as vibrações emanadas pelo monta-cargas colocam em causa a segurança da estrutura do prédio, fazendo-se sentir também no interior de diversas fracções deverá ser dado como não provado, substituindo-se por outro do seguinte teor:
‘Desde pelo menos 22-05-2019, o monta-cargas a que alude o facto provado em 5) foi retirado/desligado da estrutura do edifício, encontrando-se desde então apoiado apenas no chão.'
XIV. No que respeita ao facto provado em 12):
“Os factos supra descritos foram denunciados ao Município ..., tendo sido proferida decisão no sentido de as RR. demolirem as aludidas obras.”
XV. Tal-qualmente se disse supra, o relatório da denúncia apresentada pelos condóminos ao Município ... encontra-se junta aos autos e não poderá ser ignorada pelo julgador.
XVI. Segundo a dita denúncia, os factos denunciados ao Município ... foram os seguintes:
a) Existência de porta de fole na fachada principal do edifício (ponto 1);
b) Existência de monta-cargas fixado na estrutura do edifício (ponto 2);
c) Existência de papéis, cartões e plásticos espalhados pela rua, bem como ocupação ilegal do passeio e estacionamento para colocação de lixo e carros de transporte de mercadorias (ponto 3);
d) Existência de um ribeiro que se encontra poluído com papéis e plásticos (ponto 4);
e) Passeio na rua em frente com paralelos soltos face às manobras dos camiões de cargas e descargas, bem como candeeiro público partido face a estas mesmas manobras (ponto 5);
f) Existência de câmaras frigoríficas que se encontram em contacto directo com a laje de betão provocando o seu arrefecimento, que gera condensação no tecto de algumas garagens e ferrugem no betão e paredes com mistura de água e sangue de animais (ponto 6).
XVII. Ou seja: dos ‘factos supra descritos' a que alude o facto provado em 12), apenas foi denunciada a questão da porta de fole na fachada principal e do monta-cargas fixado na estrutura do edifício.
XVIII. Não só a denúncia apresentada pelos condóminos junto da Câmara Municipal ... não respeita a todos os ‘factos supra descritos' a que alude o facto provado em 12), como não houve qualquer decisão no sentido da demolição de quaisquer obras, sendo certo que quatro das seis situações denunciadas não foram confirmadas pelo técnico da Câmara Municipal ....
XIX. Termos em que o facto provado 12) ‘Os factos supra descritos foram denunciados ao Município ..., tendo sido proferida decisão no sentido de as RR. demolirem as aludidas obras' deverá julgar-se não provado.
XX. Quanto ao facto provado 13) ‘Porém, as RR. não cumpriram com a referida ordem de demolição, o que deu origem a um processo-crime por desobediência', regista-se que não houve qualquer ordem de demolição na sequência da denúncia apresentada pelos condóminos.
XXI. Do documento emitido pela Câmara Municipal ... junto sob doc. 5 da contestação e não desentranhado, resultam apenas duas propostas: 1) legalização da porta na fachada do edifício (cujo pedido de legalização veio a ser aprovado em 16-11-2020); 2) resolução da questão do monta-cargas ligado à estrutura do edifício (conforme resulta do doc. 5, tal situação encontra-se resolvida com a retirada do monta-cargas da estrutura do edifício).
XXII. Por maioria de razão, não houve outrossim qualquer processo-crime por desobediência.
XXIII. Ademais, a existência e teor de processo-crime por desobediência exige, salvo melhor opinião, prova documental - prova documental que não consta dos autos, nem poderia constar aliás, dado inexistir qualquer processo crime.
XXIV. Pelo que não deverá dar-se por confessado tal facto, atenta a alínea d) do art.° 568.° CPC.
XXV. Destarte, o facto provado 13) ‘Porém, as RR. não cumpriram com a referida ordem de demolição, o que deu origem a um processo-crime por desobediência' deverá dar-se como não provado.
XXVI. Falece legitimidade substantiva à 2.- R. M..., Lda para a presente demanda.
XXVII. Resultando como não provado o facto 3) da sentença a quo - rectior, resultando provado que a 2.- R. não é proprietária de nenhuma das fracções (B, C, D ou E) - não deverá ser ela a destinatária do pedido destinado à demolição ou realização de obras no edifício, designadamente naquelas fracções,
...

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