Acórdão nº 2736/19.3T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-01-11

Ano2024
Número Acordão2736/19.3T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: (…) Seguros, SA, anteriormente designada Seguradoras (…), SA
Recorrido / Autor: (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual o A peticionou a condenação da R a pagar-lhe:
- a quantia global de € 199.022,05, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais;
- a quantia a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença, referente aos danos alegados nos artigos 144.º, 167.º, 170.º, 171.º, 172.º e 179.º;
- a quantia a título de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Invocou, para tanto, ter sido atropelado quando seguia na passadeira pelo condutor de um veículo automóvel cuja responsabilidade civil foi transferida por contrato de seguro para Ré, tendo sofrido ferimentos que lhe provocaram os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados.
A R deduziu contestação na qual impugnou a versão alegada do acidente de viação, os danos invocados e o montante dos pedidos.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferida sentença julgando a ação conforme segue:
«julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, condena-se a Ré Seguradoras (…), SA a pagar ao Autor (…) a quantia de total de € 168.804,80, sendo € 17.904,80 por danos emergentes, € 53.900,00 por lucros cessantes, € 22.000,00 por dano futuro e € 75.000,00 por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à data da prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, com exceção do valor pelos danos emergentes no valor de € 17.904,80, cujos juros de mora são devidos desde a citação, absolvendo-a do demais peticionado.»
Inconformada, a Ré apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que, alterando a decisão proferida sobre a matéria de facto, passando o facto 63 para a matéria de facto não provada, absolva a Ré da quantia de € 53.900,00 a título de lucros cessantes, reduzindo a indemnização por danos não patrimoniais para a quantia de € 30.000,00. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«I. A Recorrente não se conforma com o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, razão pela qual, por via do presente recurso, a vem contestar, sob o fundamento da incorreta análise da prova produzida – refletida na factualidade dada como provada e não provada –, e na inadequada aplicação do direito ao caso sub judice, que culminou na condenação da Recorrente no pagamento do montante de € 53.900,00 de lucros cessantes e € 75.000,00 por danos não patrimoniais;
II. Dos documentos juntos aos autos, nomeadamente das declarações de IRS juntas pelo Recorrido, referentes aos anos de 2016 a 2019, não decorre que o mesmo tenha deixado de auferir rendimentos após o acidente ocorrido a 9 de março de 2018, muito menos que os rendimentos que deixou de auferir correspondessem a € 980,00 mensais.
III. Entendeu o Tribunal a quo fixar as perdas de ganho do Autor em € 53.900,00.
IV. Ora, o valor que o Tribunal a quo fixou a título de perda de capacidade de ganho teve por base o montante que determinou no facto 63.
V. Ou seja, o Tribunal a quo presumiu que o Recorrido deixou de auferir € 980,00 mensais, calculando essa perda por quatro anos e sete meses (até aos 80 anos).
VI. No entanto, entende a Recorrente que não ficou provado que o Recorrido tivesse deixado de auferir aquele montante, requerendo a alteração do facto provado 63 para a matéria de facto não provada.
VII. Não ficando demonstrada a perda daquele montante, não será devida a quantia de € 53.900,00.
VIII. Não se podendo concluir que o Recorrido deixou de receber uma remuneração mensal média mínima de € 980,00, não se poderá, de igual forma, concluir pela fixação de um montante de indemnização no valor de € 53.900,00 (através da seguinte fórmula: 4 anos e 7 meses x 980), pelo que mal andou o Tribunal a quo ao decidir pela fixação de um montante de indemnização no valor de € 53.900,00, valor este infundado e sem correspondência com a prova documental junta aos autos.
IX. Entende a Recorrente que deverá ser dado como não provado o facto 63 da matéria de facto provada, pois, com o devido respeito, não resulta das declarações de IRS que o Recorrido tenha deixado de auferir a quantia de € 980,00 após o acidente, termos em que impugna a decisão relativa à matéria de facto.
X. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção, para dar como provado o facto 63, nomeadamente, nas declarações de IRS do Autor juntas a fls. 79 a 101 e 200 a 222.
XI. Para dar como provado o facto 63, o Tribunal a quo analisou somente as declarações de IRS dos anos de 2016 e 2017 (tendo o acidente ocorrido a 9 de março de 2018), calculando então a média desses 2 anos.
XII. Para calcular a média dos anos de 2016 e 2017 socorreu-se dos valores constantes das Declarações de IRS, no campo «TOTAL DAS VENDAS / PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS E OUTROS RENDIMENTOS», que, no ano de 2017 foi de €4 3.292,75 e no ano de 2016 foi de € 51.695,69, fazendo incidir uma percentagem de 25% de lucros e chegando a um valor mensal de € 980,00, presumindo que a partir do acidente deixou de auferir esse montante de € 980,00, o que não tem qualquer correspondência com a declaração de IRS dos anos 2018 e 2019.
XIII. Sucede que o raciocínio subjacente a essa conclusão é falacioso e não tem qualquer suporte documental.
XIV. Só poderia o Tribunal concluir que o Recorrido efetivamente deixou de auferir rendimentos se se encontrassem juntas aos autos as declarações fiscais dos anos seguintes, pelo menos até ao ano de 2022, o que não acontece e, por essa razão, sempre será de concluir que não ficou provado que o Recorrido deixou de auferir rendimentos mensais.
XV. Se atendermos às declarações de IRS referentes a 2018 e 2019, podemos retirar que, naqueles anos, se verificou, a título de vendas e prestações de serviços, respetivamente, € 51.601,23 e € 38.204,55, razão pela qual cai por terra a presunção subjacente à decisão do Tribunal a quo, porquanto, em 2018, o valor total das vendas e prestações de serviços foi, ainda, superior ao do ano transato (não se verificando qualquer redução), e, no ano de 2019, embora se tenha verificado uma redução para € 38.204,55, é evidente que o Recorrido continuou a auferir rendimentos, não se compreendendo a decisão do Tribunal a quo, ao concluir pela ausência total de rendimentos.
XVI. Aliás, se fizermos uso da fórmula utilizada pelo Tribunal a quo para calcular o rendimento mensal no ano de 2019 (valor total das vendas e prestações de serviços, fazendo incidir a percentagem de 25% de lucros e dividindo por 12 meses), podemos concluir que, nesse ano, o rendimento mensal foi de € 795,92 (menos € 184,08 do que a média mensal em 2016 e 2017), e, nesse sentido, mais uma vez, é manifestamente evidente que não é verdade que o Recorrido tenha deixado de auferir a totalidade dos € 980,00.
XVII. Assim, entende a Recorrente que o facto 63 da matéria de facto provada deverá passar a constar do elenco dos factos não provados, não resultando da prova produzida que o Recorrido deixou efetivamente de auferir essa quantia mensal.
XVIII. Caso assim não se entenda, considera o Recorrente que qualquer indemnização atribuída ao Recorrido sempre teria de ter em consideração «fatores de correção, sob pena de enriquecimento ilegítimo e injusto ou injustificado», impondo-se a dedução de 20%.
XIX. Conforme decorre da decisão colocada em crise, o Tribunal a quo condenou a ora Recorrente no pagamento ao Recorrido de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 75.000,00, quando este peticionou, a esse título, uma indemnização no montante de € 55.000,00.
XX. Não compreendendo a Recorrente em que concretos fundamentos se baseou o Tribunal a quo para proferir a sua decisão.
XXI. Ora, não pode a Recorrente concordar com o valor fixado pelo Tribunal a quo, que, com o devido respeito, se revela desproporcional e excessivo.
XXII. Na sentença proferida, o Tribunal a quo refere que os danos morais do Recorrido devem ser aferidos com recurso à equidade.
XXIII. Entende a Recorrente que, para o efeito, sempre deverão ser consideradas, no âmbito da resolução dos litígios de acordo com juízos de equidade, a evolução jurisprudencial no arbitramento das indemnizações.
XXIV. No entanto, em nenhum local da sentença agora proferida, o Tribunal a quo menciona ou cita decisões em que se baseou para fixar tal valor da indemnização, diga-se, largamente superior ao peticionado pelo Recorrido, valor este que, no nosso entendimento, é deveras excessivo.
XXV. Numa situação em que a incapacidade de que ficou a padecer o Autor é superior à do Recorrido em 60% e o dano estético é também superior ao do Recorrido (diferença de 3 para 4), sendo o quantum doloris em ambos os casos de 5/7, foi fixada a indemnização por danos não patrimoniais em € 60.000,00, montante inferior àquele em que foi condenada a Recorrente.
XXVI. Verificando-se uma situação mais gravosa do que a sub judice, tendo sido arbitrada uma indemnização inferior à agora fixada pelo Tribunal a quo (€ 75.000,00).
XXVII.Com o devido respeito, deverá ter-se em consideração todas as circunstâncias do caso concreto, compará-las com outras situações similares, e até mais gravosas, de forma a determinar uma indemnização justa, adequada e equilibrada, atendendo as normas legais e aos princípios de direito aqui aplicáveis, o que não aconteceu no caso aqui em apreço.
XXVIII. Nem todos os danos não patrimoniais são passíveis de ser indemnizados, só devendo ser objeto de indemnização aqueles danos suficientemente graves que clamem por uma tutela do direito.
XXIX. E, mesmo nesses casos, tem necessariamente de existir uma ponderação, caso a caso, por parte do Tribunal, tendo
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