Acórdão nº 27347/18.7T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-28

Ano2022
Número Acordão27347/18.7T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
APELAÇÃO n.º 27347/18.7T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, AA intentou a presente acção de processo comum contra Banco 1..., S. A., pedindo que a ré seja condenada:
a) a reconhecer a existência de contrato de trabalho celebrado entre autor e ré;
b) a reconhecer a ilicitude e irregularidade do despedimento, sendo obrigada a reintegrá-lo;
c) ao pagamento a título de sanção pecuniária compulsória da quantia de 100€ por cada dia de atraso na reintegração, após a notificação da sentença condenatória;
d) no pagamento dos créditos laborais devidos ao autor, no valor global de 19.254,99€;
e) no pagamento da indemnização por danos morais no valor de 5.000€;
f) bem como no pagamento dos juros moratórios até efectivo e integral pagamento, que se liquidam, à data da entrada da acção, em 3.158,99€.
Para tanto, alega que celebrou com a ré, em 7/07/13, 30/12/13 e 31/12/15, três contratos denominados de “prestação de serviços”, na sequência dos quais exerceu as funções de advogado, mediante o pagamento de uma quantia certa mensal, estando obrigado a cumprir horário de trabalho e a prestar as suas funções na sede da ré, com instrumentos fornecidos pela ré, com direito a férias e aos mesmos dias de descanso que os demais trabalhadores da ré, estando inserido na estrutura hierárquica da ré.
Conclui que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho e que a sua cessação é ilícita, porque unilateral e não precedida do respectivo procedimento, reclamando o autor a sua reintegração e o pagamento das retribuições que deixou de auferir até ao trânsito em julgado desta decisão.
Mais reclama o autor o pagamento dos subsídios de Natal e de férias que nunca lhe foram pagos (5.514,85€ e 5.494,28€); o subsídio de alimentação relativo ao período de vigência do contrato (5.174,19€); o subsídio infantil e o subsídio de estudo previstos na CCT aplicável à relação ora em causa (2.206,29€) e o crédito de horas de formação que nunca lhe foi prestada (865,38€).
Finalmente, alega o autor que o despedimento de que foi alvo lhe causou diversos danos não patrimoniais dos quais pretende ser ressarcido (5.000€).
A ré contestou, aceitando a celebração dos contratos invocados, mas negando a existência de um contrato de trabalho.
Em todo o caso, se assim fosse, invoca a ré a excepção da prescrição e da caducidade no que respeita aos créditos emergentes dos dois primeiros contratos, cuja cessação ocorreu há mais de um ano antes da citação da ré.
Alega a ré que, em junho de 2013, propôs ao autor a celebração de um contrato de trabalho, o que este não aceitou por não pretender exercer a sua profissão em regime de exclusividade com a ré; que a prestação dos serviços ocorria nas suas instalações por razões de comodidade e facilidade de comunicação e porque o autor não solicitou trabalhar de outro local; que o autor tinha um cartão de acesso às instalações da ré, como outros colaboradores tinham e que era diferente do cartão dos seus trabalhadores; que na ré existem secretárias e computadores livres para que os colaboradores da ré possam executar os seus serviços, sendo-lhes concedido um e-mail e uma password; que o autor não cumpria um horário de trabalho, não tendo de justificar as suas ausências; que o autor continuou a exercer a sua profissão de Advogado; que o autor nunca solicitou a marcação de férias, nem estas lhe eram pagas; que não eram feitos quaisquer descontos para a SS nem o autor beneficiava de seguro de acidentes de trabalho; nunca o autor esteve hierarquicamente dependente de quem quer que seja, nem a execução das suas tarefas era controlada pela ré e que no final de 2013 foi proposta a celebração de um contrato de trabalho com o autor, o que este não aceitou porque o rendimento que auferiria era inferior ao que havia recebido nos termos do contrato de prestação de serviços.
Impugnado a ré o pedido indemnizatório e os créditos laborais reclamados pelo autor, entende que os créditos por falta de gozo de férias anteriores a 2014 só podem ser provados por documento idóneo, prova que o autor não faz.
Invoca a ré o abuso de direito por parte do autor, uma vez que o autor, ao longo de 5 anos, nunca questionou as condições contratuais e assinou três contratos sucessivos, tendo perfeito conhecimento dos contratos que assinou e das implicações dos mesmos, atento o facto de ser Advogado, auferindo quantias muito superiores às que teria direito se tivesse celebrado um contrato de trabalho.
Pede a condenação do autor como litigante de má-fé, em indemnização não inferior a 10.000€, por entender que o autor deduz pretensão manifestamente improcedente, omitindo, para o efeito, factos relevantes para a decisão da causa.
Deduz a ré reconvenção pedindo a condenação do autor a pagar-lhe indemnização não inferior a 5.000€ pelos danos causados na imagem da ré.
O autor respondeu à contestação/reconvenção nos termos de fls. 130 a 133.
Procedeu-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento dirigido ao autor que ao mesmo respondeu por requerimento de fls. 157-159. A ré respondeu a esse requerimento, mas extemporaneamente, pelo que foi decidido que o mesmo não seria considerado.
Foi proferido despacho saneador e fixado o valor da acção em €32 413,98.
Procedeu-se à realizada da audiência de julgamento.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Pelo exposto, julgo improcedente por não provada a acção e, consequentemente, absolvo a ré do pedido formulado.
Absolvo o autor/reconvindo do pedido reconvencional contra si formulado.
Custas da acção pelo autor (sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário de que beneficia) e da reconvenção pela ré/reconvinte.
Notifique.
[..]».
I.3 Inconformado com aquela decisão, o Autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
……………………………………………
……………………………………………
……………………………………………

22. NA SENTENÇA FORAM VIOLADAS AS NORMAS CONTIDAS NOS ARTIGOS 11.º, 12.º, 143.º 147.º, N.º1, ALÍNEA C), 132.º, N.º6, 134.º, 263.º, 264.º, 340.º, 389.º, 390.º DO CT; 417.º, N.º2 E 429.º DO CPC; 344.º, N.º 2, 483º, N.º 1, 562º, 563º e 566º, nº 1, DO CÓDIGO CIVIL; e 68.º, N.º 4, 75.º, 109.º, 110.º, DO ACT APLICÁVEL AO SECTOR, PUBLICADO NO BTE 8, DE 28/02/2017.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER REVOGADA A SENTENÇA, SUBSTITUINDO-SE ESTA POR DECISÃO QUE CONDENE A ORA RECORRIDA A RECONHECER A EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO QUE CELEBROU COM O RECORRENTE, A RECONHECER A ILICITUDE E IRREGULARIDADE DO DESPEDIMENTO QUE PROMOVEU, A PAGAR A INDEMNIZAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 391.º DO CT (FORÇOSAMENTE PERTO DO LIMIAR MÁXIMO DE 45 DIAS ATENTA A ILICITUDE CONTINUADA NO TEMPO DO COMPORTAMENTO DA RECORRIDA), NO PAGAMENTO DOS CRÉDITOS LABORAIS DEVIDOS AO AUTOR, NO VALOR GLOBAL DE 19.254,99€; NO PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO VALOR DE 5.000€; E NO PAGAMENTO DOS JUROS MORATÓRIOS VENCIDOS E VINCENDOS, ATÉ EFETIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.

I.4 A Ré apresentou contra-alegações, encerrando-as com as conclusões seguintes:
……………………………………………
……………………………………………
…………………………………………….

I.5 O Digno Procurador Geral Adjunto junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso, na consideração, no essencial, do seguinte:
Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, consideramos que a sentença em crise apurou, sem reparo, a matéria de facto dada como provada, tendo em conta a prova testemunhal e documental que foi apreendida em audiência de julgamento. Por conseguinte, a relação contratual estabelecida entre o recorrente e recorrida não podia ter a natureza de um contrato de trabalho e cujos elementos não foram verificados. Neste sentido aponta o não impugnado ponto d) da matéria de facto, que estabilizou.
A distinção entre o contrato de trabalho e o de prestação de serviço, no que à “qualificação da obrigação do advogado” diz respeito, encontra-se convenientemente analisada por Nuno Manuel Pinto Oliveira, in O contrato de prestação de serviço no Direito português, (in www.revistadedireitocomercial.com 2020-03-22) – cfr. “máxime” suas págs, 584 e segs., 589 e seg, e 624 (nota 53). Nesta, o ilustre Juiz Conselheiro cita João Baptista Machado, “Anotação [ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983]”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 118.º (1985-1986), págs. 271-282, 317-320 e 328-332, que qualificou os contratos dos advogados como “contratos de prestação serviços pessoais altamente especializados”».

I.6 Respondeu o recorrente, contrapondo, no essencial, que é «[..] destituída de sentido a referência realizada no último parágrafo do seu parecer, já que em causa não está um contrato de advogado”, concluindo que o parecer deve “ser desconsiderado, por não dizer respeito ao caso dos presentes autos”.

I.7 Cumpridos os vistos legais procedeu-se ao envio do projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se que o processo fosse submetido à conferência para julgamento.

I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões que se colocam para apreciação consistem em saber se o tribunal a quo errou quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova, quanto à redação dos pontos LL, VV e WW, que pretende alterados; e, quanto ao facto não provado 6, que quer seja dado como parcialmente provado
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT