Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2022 (caso Acórdão nº 2734/19.7T8ACB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-06-28)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2022

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

L... Unipessoal, Lda., pediu à Sra. Juíza de Direito do Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., que condenasse ... – atualmente denominada G... SA – a pagar-lhe quantia de € 43 409, 95 e juros de mora, à taxa legal, até pagamento.

Fundamentou esta pretensão no dano patrimonial que suportou por virtude de, no dia 19 de Outubro de 2019, no IC2, ao km 92,400, em ..., o tractor ..-IL-.. – de que é locatária financeira – que fazia conjunto com o semi-reboque L-...... – de que é proprietária - conduzido pelo seu trabalhador AA ter iniciado a manobra de ultrapassagem, que previamente sinalizou com o pisca-pisca, do veículo ligeiro de mercadorias ..-LR-.., conduzido por BB – que transferiu para a ré, por contrato, de seguro a responsabilidade civil por danos causados com ele a terceiros – que seguia à sua frente, e de, quando se encontrava na hemi-faixa de rodagem contrária, paralelamente ao veículo ..-LR-.., este, inesperadamente, sem qualquer sinalização, ter iniciado a manobra de mudança de direcção para a esquerda, embatendo com a sua lateral esquerda na lateral e esquina frontal direita do veículo ..-IL-.., forçando-o a sair da sua faixa de rodagem e a embater, com o tractor e com o reboque, nas árvores e terrenos adjacentes à berma, na qual se imobilizou.

A ré defendeu-se alegando que AA era comissário da autora, pelo que se presume a sua culpa, e que foi o veículo ..-IL-.. que ao ultrapassar o veículo ..-LR-.. guinou para a direita, indo embater na frente lateral esquerda deste, na sua hemi-faixa de rodagem de que nunca saiu nem tencionava sair.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa, levando em conta a redução do pedido apresentada e admitida no início da audiência final, por força do pagamento, entretanto efectuado, de € 17.916,68, julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 18.132,39, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal dos juros civis sucessivamente em vigor, actualmente fixada em 4%, contados da data da citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

É esta sentença que a ré impugna no recurso, no qual pede que seja revogada e logo substituída por outra que a absolva do pedido.

A recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, que, além do mais, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento do valor de 18.132,39 Euros, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal dos juros sucessivamente em vigor, actualmente fixada em 4%, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado, e com a mesma não se conformando, vem dela interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

O objecto do presente recurso consubstanciar-se-á na análise de 4 questões, a saber:

i) Impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal “a quo”; ii) Enquadramento jurídico da factualidade objecto de reapreciação;

Iii) Apreciação da responsabilidade de ambos os condutores intervenientes no acidente: Assim,

B) Pretende a Recorrente a impugnação da matéria de facto, referente aos seguintes pontos:

a. i) Quanto à dinâmica do acidente:

i. Deve ser alterada a resposta dada matéria dos pontos 9 (2.ª parte), 10, 11, 12, 15, dos factos provados, devendo tais pontos ser considerados como” não provados”;

ii. Deve ser alterada a resposta dada matéria dos pontos 3, 4 e 5 da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal “a quo”, devendo tais pontos ser dados como “provados”

iii. Deve ainda ser dado como provado que no momento do acidente o piso se encontrava húmido, e chovia;

iv. Deve ainda ser dado como provado que nos momentos anteriores à ultrapassagem o condutor do veículo pesado com reboque “..-IL- ..” seguia a uma velocidade de 80 km/hora, tendo acelerado no momento da ultrapassagem

v. Deve ainda ser dado como provado que no momento em que procedeu à ultrapassagem do veículo não sabia se existiam atrás de si outros veículos a circular na mesma via; e que igualmente não reparou se no momento do embate, o veículo ligeiro se encontrava com o pisca, ligado ou não.

C) Como refere A. Abrantes Geraldes, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.

D) No que toca à decisão sobre a matéria de facto, entende a Ré / Recorrente que as provas apresentadas ao Tribunal determinavam resposta diferente do Tribunal “ a quo”, porque i) assentou a sua convicção sobre matéria de facto que não se encontra minimamente provada; i) desconsiderou ou valorou de forma incorrecta os elementos de prova, ferindo, deste modo, a decisão sobre a matéria de facto quanto aos assuntos abordados supra; iii) não considerou outros factos relevantes para a apreciação do ónus de prova que incumbia às partes, nomeadamente a presunção que impende sobre o condutor do veículo da A. por circular na qualidade de comissário;

E) Não atendeu, ainda, o Tribunal “a quo”, a factos cuja demonstração foi feita nos autos, e que implicavam, concatenados com outros, uma resposta diferente à matéria de facto.

F) A testemunha AA, motorista de pesados da Autora e que exercia, no dia do acidente, a actividade por conta e no interesse da Autora, sendo comissário – cfr. ponto 1 dos factos provados – afirmou, no seu depoimento (Depoimento prestado a 27/10/2021, ficheiro n.º ...13 ), em suma, que seguia na IC2, a cerca de 80 km/hora; que o piso se encontrava molhado; que a data altura se deparou um veículo ligeiro de passageiros, ... preto, a baixa velocidade; que abriu o pisca iniciando a ultrapassagem e que quando já se encontrava na faixa de rodagem, praticamente ao lado do veículo, o mesmo sai da faixa de rodagem e bate-lhe.

G) Assim, acerca da velocidade a que seguia nos momentos anteriores ao acidente: Minutos 24:15 e ss.; Acerca das condições climatéricas na altura do acidente (Depoimento prestado a 27/10/2021, ficheiro n.º ...13, Minuto 18:20 e ss.; Acerca da existência de outros veículos no local do acidente, e da atenção e cuidados na realização da manobra de ultrapassagem (Depoimento prestado a 27/10/2021, ficheiro n.º ...13,

H) confrontado com as perguntas da Mma. Juiz acerca do trânsito que circulava na via no momento da realização da ultrapassagem, não soube sequer precisar se na via de onde procedia existiam ou não outros veículos a circular. - Minutos 49:15 e seguintes.

I) Ora, no entender da Ré, esta factualidade, porque relevante para a dinâmica do acidente, deve ser dada como provada, porquanto a mesma permite ao Tribunal concluir, como concluirá a Ré, que o condutor do motociclo circulava em velocidade excessiva tendo em consideração as regras estradais, as condições climatéricas e da via, e com manifesta falta de cuidado, sendo estes causais do acidente dos autos.

J) Quanto ao condutor do veículo ligeiro de passageiros, CC, o mesmo apresentou um depoimento coerente e objectivo sobre o que no seu entender foi o acidente: depoimento, prestado a 27/10/2021, e gravado no ficheiro com a referência ... diz, no minuto 06:05 e ss., o seguinte: Eu ia na minha mão, na casa dos 60 km/hora, a caminho à ..., e levei uma porrada de traseira, no guarda lamas esquerdo, rente ao farolim, levei a porrada, e nunca mais segurei o carro.

K) Ora, a testemunha, quanto à dinâmica do acidente, refere que o seu veículo foi embatido por trás, tendo rodopiado (pião) e colidido nessa altura com o pesado de mercadorias, e ficado com a frente virada em sentido contrário em consequência desse embate.

L) Esta dinâmica foi corroborada pela testemunha DD, mencionado na douta sentença recorrida, condutor de um veículo que foi o terceiro ou quarto veículo a chegar ao acidente, embora tendo dito não ter presenciado o acidente, descreveu o que entendia ter sido a dinâmica do acidente: Depoimento prestado a 27/10/2021, e gravado no ficheiro com a referência ..., minutos minuto 06:00 e ss; Minuto 11:00; Minuto 17:08

M) Ora, a descrição do acidente desta testemunha é coincidente com aqueloutra apresentada pelo condutor do veículo ligeiro de passageiros seguro na Ré: é o pesado da Autora que com a sua frente colide contra a parte esquerda do veículo ligeiro de passageiros, fazendo com que este rodopie, e venha a posicionar-se no local indicado no auto de participação como sendo a posição final do veículo ligeiro

de passageiros.

N) Por outro lado, e conforme foi corroborado pela testemunha EE, guarda participante da GNR que elaborou o Auto de Polícia, cujo depoimento se encontra gravado no ficheiro ...13, de 6/07/2021, o condutor do veículo ligeiro nunca afirmou que ia virar à esquerda, tendo afirmado, por outro lado, que é o veículo pesado que vem embater no ligeiro. - Minuto 17:20

O) O Tribunal “a quo”, no raciocínio efectuado acerca da dinâmica do acidente, indica como outro elemento “objectivo” a existência de vestígios na via,...

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