Acórdão nº 27315/19.1T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-10-2022

Data de Julgamento11 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão27315/19.1T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


Em 13.12.2019, A […Eulália …] intentou contra B [Maria …], C [ Victor …], D [Jorge …], e E [Oitante, SA ...], ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que os RR. sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe uma indemnização no valor de €60.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal a partir da citação e até efetivo e integral cumprimento.

A fundamentar o peticionado, alegou em síntese:
A A. foi aliciada por funcionários do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., numa agência de Castelo Branco, para aplicar fundos que estavam à sua guarda pertencentes à herança aberta por óbito de José ….., que fora seu marido, no valor de €50.000,00, em obrigações da Rentipar Investimentos SGPS, S.A., com o ISIN PTRNRAOE0003, e com data de maturidade em 30/12/2016, as quais, no decurso de respetivo processo de partilha, lhe foram adjudicadas, tendo-lhe tal investimento sido apresentado como muito seguro, sem risco, no que a A. confiou, uma vez que não era uma investidora profissional.
O empréstimo obrigacionista vendido aos balcões do BANIF foi feito e mantido para financiar os donos do BANIF, escamoteando aos investidores tal facto e ainda as dificuldades financeiras quer dos beneficiários do empréstimo, quer do BANIF (que era o principal ativo da sociedade emitente do empréstimo), bem como a relação existente entre o BANIF e o grupo RENTIPAR.
No caso, ocorreu a violação dos deveres de informação (quer aquando da venda das obrigações em apreço ao balcão do Banif, quer subsequentemente até à intervenção do Banco de Portugal, em 2015, que aplicou medida de resolução), o que contribuiu decisivamente para que a A. fosse enganada quanto às condições e riscos do investimento efetuado em obrigações da referida Rentipar Investimentos SGSP, S.A., o que responsabiliza o intermediário financeiro – BANIF –, bem como as entidades para quem foram transferidos os seus ativos e ainda os administradores e outros responsáveis pelo empréstimo obrigacionista em apreço e pela sua venda aos balcões do BANIF, nas condições em que ela ocorreu e foi mantida.

A 1ª R. era a principal representante da família ROQUE nos órgãos de administração do grupo RENTIPAR, que promoveu o empréstimo obrigacionista em apreço, bem sabendo os termos em que essa operação ia ser desencadeada e foi mantida.

O 2º R. era administrador do BANIF à data da emissão das obrigações em apreço.

O 3º R. passou a ser administrador do BANIF em 2012, situação que se manteve, pelo menos, até à data da aplicação da medida de resolução supra referida, bem conhecendo a situação do BANIF e da RENTIPAR e a forma como a venda das obrigações em apreço tinha sido efetuada aos balcões do BANIF.

Os 1ª e 2º RR. estavam conscientes dos termos em que foram omitidos os deveres de informação em apreço, nada tendo feito para alterar a situação até à data da intervenção do Banco de Portugal, o mesmo sucedendo com o 3º R., a partir do momento em que passou a ser administrador do BANIF.

A responsabilidade do BANIF relativamente à venda das obrigações em apreço aos balcões do BANIF deve considerar-se transferida para a 4ª R., que sucedeu ao BANIF quanto a tal matéria, nos termos da medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal.

A RENTIPAR INVESTIMENTOS SGPS, S.A. não teve condições para honrar os compromissos decorrentes do empréstimo obrigacionista, vindo a ser declarada insolvente, o que veio a impedir a A. de ser reembolsada ou de qualquer forma paga ou indemnizada pelo investimento efetuado nas obrigações em apreço, o qual perdeu na sua totalidade.

A A. não teria efetuado o investimento em apreço se tivesse sido informada dos riscos acima descritos e da relação conflitual supra mencionada.

Citados, os RR. contestaram:
a 4ªR, por exceção, invocando a sua ilegitimidade substantiva, e por impugnação, e terminou pedindo a procedência da exceção perentória invocada, e a sua absolvição do pedido, ou, caso assim não se entenda, a improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido;
o 3ºR., por exceção, invocando a ineptidão da PI, a ilegitimidade da A. e a sua, e por impugnação, e terminou pedindo a procedência das exceções dilatórias invocadas, com a sua consequente absolvição da instância, ou caso assim não se entenda, a improcedência da ação e absolvição do pedido;
a 1ªR., por exceção, invocando a ineptidão da PI, a ilegitimidade da A. e a sua, e por impugnação, e terminou pedindo a procedência das exceções dilatórias invocadas, com a sua consequente absolvição da instância, ou caso assim não se entenda, a improcedência da ação e absolvição do pedido;
o 2ºR., por exceção, invocando a prescrição de eventual direito da A., e por impugnação, e terminou pedindo a procedência da exceção perentória invocada, devendo ser absolvido dos pedidos, ou, caso assim não se entenda, a improcedência da ação e absolvição dos pedidos.

Convidada a fazê-lo, respondeu a A. à matéria das exceções, pugnando pela sua improcedência.

Realizou-se audiência prévia, na qual a A. desistiu do pedido quanto à 4ªR., desistência que foi homologada por sentença, após o que foi dada a palavra aos mandatários para se pronunciarem quanto ao conhecimento do mérito no saneador, vindo a ser deferida a pronúncia por escrito, o que fizeram.

Em 15.2.2022, foi proferido saneador sentença, que, no âmbito da apreciação da exceção dilatória de ineptidão da PI, concluiu pela manifesta improcedência da ação, pelo que a julgou improcedente e absolveu os 1ª, 2º e 3º RR. do pedido.

Inconformada com a decisão, dela apelou a A., tendo no final das respetivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A.–Na sentença foi bem identificado o objeto do litígio, que tem a ver com a violação do dever de informação por parte dos RR., a qual contribuiu para que os investidores, entre eles a A., fossem enganados quanto às condições e riscos do investimento efetuado em obrigações da RENTIPAR INVESTIMENTOS SGPS, S.A..

B.–Salvo melhor opinião, é bem evidente a gravidade do que foi escamoteado aos destinatários da oferta relativa às obrigações emitidas pela RENTIPAR INVESTIMENTOS, que o BANIF intermediou, pelo seguinte:
  • o enorme risco a que se expunham os obrigacionistas, tendo em conta a elevadíssima exposição do grupo RENTIPAR ao BANIF, que, no art. 5.º da PI, se afirma ser de mais de 190 milhões de euros e os RR. D e B , nas suas contestações, admitem ser pelo menos de 80 milhões de euros;
  • tal exposição não tinha garantias dadas (como se diz no art. 5.º da PI), representava 20% da situação líquida do BANIF (como se diz no art. 6.º da PI) e era de montante superior ao valor do empréstimo obrigacionista em causa (60 milhões de euros);
  • na ficha técnica, onde são referidos os riscos associados à operação, é omitida esta informação (cfr. doc. 1 junto à PI);
  • acresce que, nessa ficha técnica, nem sequer estava devidamente esclarecido que a RENTIPAR FINANCEIRAS SGSP era a entidade que controlava o emitente e o intermediário financeiro, a qual por sua vez era controlada pela família ….ROQUE (não sendo, todavia, este o aspeto mais relevante, que era efetivamente a enorme exposição ao risco que foi escamoteada aos investidores).
C.–Na sentença recorrida, o Tribunal não põe em causa que a questão da violação dos deveres de informação foi devidamente formulada. O problema estaria na circunstância de a A. não ter concretizado devidamente os factos imputados a cada um dos RR., que os permitisse responsabilizar pela alegada violação dos deveres de informação.
D.–Na sentença recorrida, diz-se que a A. se limitou a alegar, de forma vaga, genérica e conclusiva, o fundamento da responsabilização dos RR., em termos insuficientes para alicerçar a causa de pedir dessa ação, gerando a sua ineptidão, a qual não seria suscetível de sanação, donde extrai a conclusão da improcedência da ação, o que levou o Tribunal a absolver os RR. do pedido.
E.–Ressalvado o devido respeito, não tem razão o tribunal a quo, como decorre da matéria articulada nos arts. 13.º a 17.º da PI.
F.–Vejamos então a imputação a cada um dos RR. da factualidade que lhes diz respeito, de onde se extraem as suas condutas ou omissões que os responsabilizam.

G.–Relativamente ao 2.º R., C que, nos termos já admitidos na sentença, foi administrador do BANIF desde 26/10/2009 até 29/07/2015 –, a factualidade que lhe diz respeito é a seguinte:
  • o 2.º R. era administrador do BANIF à data da emissão das obrigações em apreço, situação que se manteve até ao ano de 2015, pouco tempo antes das deliberações do Banco de Portugal (de 19 e 20 de Dezembro de 2015), em que o BANIF foi declarado “em risco” – cfr. art. 15.º da PI;
  • o 2.º R. sabia os termos em que a venda das obrigações em apreço foi efetuada aos balcões do BANIF, como intermediário financeiro da operação, bem conhecendo a situação do BANIF e da RENTIPAR – cfr. art. 15.º da PI;
  • o 2.º R. estava consciente dos termos em que foram emitidos os deveres de informação em apreço, nada tendo feito para alterar a situação até à data da intervenção do Banco de Portugal – cfr. art. 17.º da PI.
H.–Em face dessa factualidade expressamente alegada, conjugada com a factualidade relativa à violação dos deveres de informação devidamente identificada na PI, pode aplicar-se o direito à situação dos autos, concluindo que efetivamente o 2.º R., C, contribuiu para a violação dos deveres de informação em causa – maxime, o dever de informar sobre os riscos envolvidos na operação, bem como sobre os potenciais conflitos de interesse a ela subjacentes –, os quais estão plasmados, entre outros, nos arts. 304.º, 312.º, 312.º-B e 312.º-C, todos do CVM, na redação então vigente.
I.–É que o 2.º R., enquanto administrador do BANIF, tinha os deveres de diligência, de lealdade e de
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